STUDART, Heloneida Soares Orban (Fortaleza, Ceará, Brasil, 25/04/1932 — Rio de Janeiro, Brasil 2007).
Cientista social, escritora, jornalista, romancista, sindicalista, teatróloga. Heloneida Studart fez história e foi uma grande defensora dos direitos das mulheres.
Nascida em uma família prestigiada no nordeste brasileiro, passou a infância e adolescência na cidade de Fortaleza, Ceará. O pai, Vicente Soares, era da mesma família do líder abolicionista, poeta e geógrafo Antônio Bezerra Menezes, e sua mãe, Edite Studart Soares, era descendente do historiador Barão de Studart. Ainda pequena, aos nove anos, Heloneida escreveu o texto A menina que fugiu do frio, que evidenciava seu interesse em ser escritora.
A relação com a escrita costurou toda sua trajetória. Uma de suas primeiras experiências se deu pela colaboração com crônicas no jornal O Nordeste, fundado em junho de 1922, sob os auspícios da Arquidiocese de Fortaleza, então administrada por Dom Manuel da Silva Gomes-defensor do tradicionalismo católico-. Porém, a contribuição de Heloneida não se estendeu por muito tempo, afinal, as percepções de mundo destoavam totalmente da proposta do O Nordeste, principalmente no que tange a tradicional função social feminina e os modelos rígidos de ser mulher segundo a lógica patriarcal.
A dicotomia privado versus público é um dos fios condutores de boa parte dos conflitos enfrentados por Studart. No início do século XIX, o patriarcado se evidenciava com maior intensidade a partir dos lugares pré-estabelecidos para homens e mulheres. O privado, destinava-se à mulher, ao cuidado da casa, dos filhos, à manutenção do trabalho reprodutivo, vistas como prendas domésticas (Studart, 1970). Já aos homens, foi destinado o público para desempenhar o papel de provedor, a política e toda tomada de decisão de poder. Perante essa cartografia bem consolidada, Heloneida foi questionada a partir de seus escritos com diversos comentários como “Uma mulher pública! Não vai achar um bom partido!” (Studart, 2005).
Então, em 1949 Heloneida muda-se para o Rio de Janeiro onde cursou Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro e assentou sua carreira como jornalista em terras cariocas. Com o apoio a escritora Rachel de Queiroz (tradutora, romancista, escritora, jornalista, cronista e importante dramaturga brasileira, além de ter sido a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras em 1977), a qual elogiou seus escritos elegendo-a como pertencente à nova geração de escritoras, torna-se cronista ao deixar pública suas obras. Rachel e Heloneida tinham várias coisas em comum, ambas eram nordestinas mas mudaram-se para o Rio de Janeiro e, sofreram represálias por quererem demonstrar suas percepções de mundo por meio da escrita. O que exprime o momento histórico que estavam inseridas: caneta e mulher não combinavam.
Como escritora, Heloneida publicou mais de dez livros, além de ensaios e outras produções. O seu primeiro livro foi lançado em São Paulo no ano de 1953, pela editora Saraiva e intitulado de A primeira pedra. Quatro anos depois, outro romance foi escrito por ela, Dize-me o teu nome, premiado pela Academia Brasileira de Letras à época.
Neste período, trabalhou no Serviço Social da Indústria (SESI), onde teve envolvimento com movimentos classistas, se sindicalizando. Além de ter sido detida pelo AI5, ao fazer oposição ao regime militar e engajar-se no Sindicato: Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais, Recreativas, de Assistência Social de Orientação e Formação Profissional do Município do Rio de Janeiro (SENALBA) (Fáveri, 2014).
Logo após esse ocorrido, Heloneida trabalhou como jornalista na função de redatora da Manchete, onde esteve por quase dez anos e através de suas matérias conseguiu visibilizar diversos problemas vividos por mulheres no cotidiano como os sexismos, passando assim, a acompanhar as iniciativas pelo mundo no que tange essa temática.
Durante os anos de 1970 à 1978 houveram diversas mobilizações que pautavam os feminismos, e no ano de 1975, Heloneida esteve na cidade do México, enviada pela Revista Manchete para dar cobertura a I Conferência Mundial sobre as Mulheres, evento que aprova um Plano de Ação e proclama a Década da Mulher na ONU, 1975-1985 (Fáveri, 2014). Neste período, o mundo estava em efervescência por conta dos movimentos feministas, onde as denúncias a violência contra a mulher passaram a ter maior visibilidade. Tal contexto culminou com o estabelecimento do 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, oficialmente em 1977 e que passou a estimular manifestações e lutas contra as desigualdades de gênero por todo mundo.
Dadas as circunstâncias, pode-se dizer que Heloneida atuou em diversas esferas durante sua trajetória, dando continuidade às lutas feministas não apenas em seus livros, crônicas e reportagens, mas também na condição de parlamentar na cidade do Rio de Janeiro ao ser eleita pela primeira vez em 1978. Atuando assim, por seis mandatos como deputada estadual, primeiramente pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Reelegeu-se em 1982, novamente pelo PMDB, sendo inclusive vice-líder da bancada de 1979 a 1988, ano em que deixou o Partido, e participou da fundação do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). No ano seguinte, saiu do PSDB e entrou no Partido dos Trabalhadores (PT).A deputada participou do chamado “lobby do batom”, cujo lema era “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”, o qual foi um marco histórico no combate às discriminações de gênero como o reconhecimento da mulher ter salário igual ao homem, o direito à administrar seus bens, o aumento da licença maternidade para quatro meses dentre outras conquistas que melhoraram a condição de vida de muitas mulheres. Nesse período, foi entregue ao presidente da Câmara à época, o deputado Ulysses Guimarães (PMDB), em março de 1987, que era resultado de intenso diálogo com ativistas, movimentos feministas e associações. Com esse documento, elas levavam ao parlamento brasileiro a principal conclusão da campanha: “Constituinte pra valer tem que ter direitos das mulheres”.
Além de sua forte atuação como deputada, Heloneida foi uma das fundadoras da primeira entidade feminista no Brasil: o Centro da Mulher Brasileira (CMB) no Rio de Janeiro. Cabe ressaltar que à época a utilização do termo feminista gerou alvoroço, levando em votação a questão. Venceu a posição de não utilizá-la, alegando-se seu conteúdo estigmatizante. Igualmente, optou-se pela não utilização da expressão “movimento de liberação”, ocorrendo certa imprecisão quanto às expressões “movimento feminista” e “movimento de mulheres”, por parte das sócias do Centro. Observe-se que o estatuto do CMB se refere a grupos de reflexão, em vez de “grupos de autoconsciência”, termo utilizado por movimentos de liberação de mulheres em outros países, como forma de designar uma prática centrada no debate e na reflexão sobre as experiências pessoais de cada participante. Justificava-se a opção pela necessidade de se proteger da repressão, uma vez que a palavra “autoconsciência” poderia ser confundida com militância política (Soihet, p.241, 2007).
No mesmo período, em São Paulo, jornais femininos também surgem como o Nós Mulheres e Brasil Mulher, ainda nesta segunda metade da década de 1970, além do Mulherio, já nos anos 1980. O CMB tinha como um dos principais propósitos ser um espaço de reflexão, pesquisa e análise da condição da mulher brasileira, discutindo as questões relacionadas à sexualidade dentre outros, se destacaram a partir do CMB e de militâncias conjuntas com Heloneida, as ativistas Maria Luiza Heilborn (Malu), Rose Marie Muraro, Lígia Maria Coelho Rodrigues. Por essas pretensões, foram muitas vezes perseguidas e presas pela polícia.
Heloneida colaborou também com a imprensa carioca com artigos, ensaios e crônicas, na Tribuna da Imprensa, O Globo e O Pasquim, e outros periódicos de grande circulação. Atuou como radialista e comentarista do programa Sem Censura da TV Cultura em meados de 1985 quando o programa foi criado.
No que diz respeito aos seus escritos, seu último livro publicado foi em 2006, intitulado de Luiz, o santo ateu, Heloneida relata a vida de Luiz Maranhão Filho, professor, jornalista, ex-deputado, advogado e militante do Partido Comunista Brasileiro. Neste livro, relata a vivência do militante que foi preso durante a ditadura militar no Brasil e encontra-se desaparecido desde 1974.
A escritora, mãe de seis filhos homens e uma filha mulher, faleceu aos 82 anos, vítima de parada cardíaca em dezembro de 2007 no Rio de Janeiro. Dentre as inúmeras contribuições de Studart, pode-se afirmar que esteve comprometida em todo decorrer de sua vida a converter seus escritos e lutas em expectativa, acreditando na mudança da condição feminina na sociedade. Afinal, como afirma a mesma: ‘Não podem mudar a angústia da mulher sem mudar o papel que elas exercem na sociedade’ (Studart, p. 27, 1987).
Obra
Bibliográfica:
- A primeira pedra, São Paulo: Saraiva, 1953. (Romance).
- Dize-me o teu nome!, Rio de Janeiro: Editora São José, 1955. (Romance).
- A culpa, Rio de Janeiro, Livraria Agir Editora, 1963. (Romance).
- Deus não paga em dólar, Rio de Janeiro: Editora Encontro, 1968. (Romance).
- No reino da boneca encantada, Rio de Janeiro: Editora do Brasil, s/d. (Infantil).
- Mulher, brinquedo do homem?, Petrópolis, Vozes, 1969. (Ensaio).
- Pardal é um pássaro azul, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975 (Romance).
- Mulher, objeto de cama e mesa, Petrópolis, Vozes, 1975. (Ensaio).
- China, o nordeste que deu certo, Rio de Janeiro: Nosso Tempo, 1977. (Reportagem).
- Estandarte da agonia, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981. (Romance).
- Torturador em romaria, Rio de Janeiro, Rocco, 1986. (Romance).
- Mulher, a quem pertence seu corpo?, Petrópolis, Vozes, 1989. (Ensaio).
- A deusa da rádio e outros deuses, Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1995. (Romance).
- Selo das despedidas, Rio de Janeiro, Bluhm, 2000. (Romance).
- Jesus de Jaçanã, São Paulo, Elevação, 2000. (Romance).
- Luiz, o santo ateu, Natal, Editora da EDUFRN/Diário de Natal, 2006. (Biografia).
Cómo citar esta entrada: Galetti, Camila (2021), “Studart, Heloneida”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org