GALVÃO, Patrícia Rehder (pseudônimo: PAGU, Mara Lobo, Pat, Pt, Ariel, Patsy, Gim, Solange Sohl, Peste) (São João da Boa Vista, São Paulo, Brasil 9/06/1910 – Santos, São Paulo, Brasil 12/12/1962).
Patrícia Rehder Galvão nasceu a 9 de junho de 1910, em São João da Boa Vista, no interior do Estado de São Paulo, mudando-se para a capital três anos depois. Em 1929 formou-se pela Escola Normal da Praça da República, diploma que habilitava ao ensino de crianças, no primário. Fenômeno recente no panorama brasileiro, a “normalista” abria a perspectiva de emancipação através do trabalho; e as moças acorreram em peso, ganhando também aura de costumes mais livres.
Foi apresentada por Raul Bopp a Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, ambos figuras de proa do Modernismo e seu casal mais ilustre. Pagu abala o cenáculo modernista com sua formosura juvenil, charme e comportamento inconvencional. A exuberância da cabeleira, a boca polpuda, os olhos derramados do poema que lhe dedicou Raul Bopp, comprováveis em fotos e desenhos, tornaram-se sua marca registrada.
Pagu e Oswald de Andrade passam a viver juntos, em 1929. Dessa união, que duraria até 1934, resultaria um filho, Rudá de Andrade, nascido em 1930. Pagu participaria intensamente da fase Antropofágica do Modernismo e forneceria dois desenhos à Revista de Antropofagia.
A crise econômica de 1929 abre passo a uma reconfiguração de forças, com radicalização dos intelectuais, à direita e à esquerda. Encerra-se a década de eclosão do Modernismo, com sua feliz fusão de vanguardistas com mecenas cafeicultores. Oswald e Patrícia filiam-se ao Partido Comunista em 1930 e tornam-se ativistas da revolução.
Nesse ano, Pagu faz uma rápida viagem a Buenos Aires, com a intenção de procurar Luis Carlos Prestes, que ali vivia em exílio; mas só o encontraria mais tarde em Montevidéu. No navio, travou amizade com Zorrilla de San Martin. Fez contactos na área literária com o círculo da revista Sur: Jorge Luis Borges, Victoria Ocampo e Eduardo Mallea.
O novo casal funda em 1931 o tablóide O homem do povo, que durou apenas 8 números. Hostilizado pelos estudantes da vizinha Faculdade de Direito, acabou proibido por ordem policial. Pagu escrevia a coluna “A mulher do povo”, de tom panfletário, em que fustigava a burguesia e as instituições, reservando virulência maior para as grã-finas e outras mulheres ociosas. Criou uma história em quadrinhos cuja protagonista era uma garota revolucionária chamada Kabeluda.
Sua primeira prisão se deu em Santos –maior porto do Brasil, escoadouro de sua riqueza principal, o café– em 1931, quando, trabalhando como operária, participou de uma greve de estivadores.
Em 1933 publica Parque industrial – Romance proletário, sob o pseudônimo de Mara Lobo. Exemplo da estética modernista, o texto é disposto em blocos de escrita, com flashes e flagrantes de extremada síntese, linguagem quase telegráfica e de impacto, utilização entremeada do coloquial. Seu cenário é o Brás, em São Paulo, bairro operário e de imigração. Aproveita várias experiências de proletarização da autora, e na literatura brasileira nada há de similiar em seu ativismo feminista e comunista. O entrecho cuida de trabalhadoras pobres, que se deixam seduzir pela sereia dos conquistadores ricos e que acabarão transformadas em prostitutas. Futuramente, um trecho do livro seria incluído na antologia O marxismo na América Latina, figurando ao lado de textos de Ernesto Che Guevara, Caio Prado Jr., Fidel Castro, Eduardo Galeano e Camilo Torres, entre outros.
Logo encetaria sua grande viagem (1933-1934), que se tornaria lendária na tradição oral, até que fossem publicadas suas memórias (parciais) em 2005: Estados Unidos, Japão, China (de onde teria trazido sementes de soja), Manchúria e Rússia. Depois iria para a Europa, de onde seria repatriada. No itinerário, contatos com Freud, o último imperador chinês Pu Yi, os surrealistas franceses.
Novamente presa na repressão que se seguiu à Intentona Comunista de 1935, ao ser libertada em 1940 estava exaurida e pesava 44 ks. Rompe com o Partido. Desse mesmo ano data sua união com Geraldo Ferraz, escritor e jornalista, com quem viveria até o fim de seus dias. Da união nasceria outro filho, Geraldo Galvão Ferraz, em 1941.
Mais um livro, A famosa revista, escrito a quatro mãos com Geraldo Ferraz, seria publicado em 1945. Já mais distante da estética modernista, abandona o fragmento em prol do discurso contínuo, mantendo todavia uma linguagem inovadora e incisiva, demolidora de lugares-comuns. Sátira ao Partido Comunista, denuncia seus vícios, como o autoritarismo, a burocracia, o pretexto da clandestinidade que acoberta personalismo, desonestidade e manipulação alheia.
Retoma em 1942, para não mais abandoná-lo, o jornalismo, seu ganha-pão e canal de expressão. Começa a trabalhar na agência de notícias France-Presse em 1945, ali permanecendo por 11 anos, e entra para o corpo de redação de Vanguarda socialista, fundado por Mário Pedrosa, que congregaria a nata da intelectualidade de esquerda anti-stalinista.
Pagu transfere-se com seus ideais utópicos para o pequeno Partido Socialista, pelo qual foi candidata a deputada estadual em 1950. Na campanha, publica o panfleto «Verdade eliberdade», expondo os motivos que a levaram a romper com o Partido Comunista, já criticado em A famosa revista.
A partir daí escreveria em vários jornais da grande imprensa e acabaria por fixar residência em Santos. Acompanha a cena cultural, freqüentando exposições, teatros, concertos, lendo livros novos e velhos, água para o moinho de seus escritos. Produziria crônicas, poemas, crítica de literatura, traduções de fragmentos, comentários de artes plásticas e de teatro, artigos de política nacional e internacional. Sempre inconformista e fiel às vanguardas, exigente, sarcástica, adepta de fórmulas fulminantes; insubmissa na defesa dos avanços modernistas e contestatária na denúncia dos retrocessos. Um exemplário de autores e obras abordados revela preferência por poetas e dramaturgos –mas invariavelmente pouco convencionais: Arrabal, Ionesco, Ubu Rei de Alfred Jarry, Brecht, Lolita de Nabokov, de que faz a defesa, Becket, Valéry, André Breton, Philippe Soupault, Octavio Paz, St. John Perse, Dylan Thomas, Artaud, Dürrenmatt, Ghelderöde, Ibsen, Fernando Pessoa, a Ópera de Pequim, a estréia brasileira de A sagração da primavera, de Stravinsky. Escreve sobre música de vanguarda brasileira e estrangeira. Amplia a gama de assuntos ao passar a registrar notas sobre televisão. Funda a Associação de Jornalistas Profissionais de Santos.
Seu apego ao teatro, que daria a tônica nesses anos, eclodiria em 1952, quando freqüenta a Escola de Arte Dramática de São Paulo, em mais dois anos apresentando tradução e estudo de A cantora careca, de Ionesco. Batalhadora sem esmorecimento, assume a coordenação do Teatro Universitário Santista em 1956 e em 1961 a presidência da União dos Teatros Amadores de Santos. Desde 1957 mantém a coluna “Palcos e atores”, em A Tribuna, de Santos. Combativa, lutaria sem descanso pela dramaturgia experimental e pela liberdade de criação. Dirige Fando e Lis, de Arrabal, que recebeu vários prêmios. Mais tarde, dirigiria também A filha de Rapaccini, de Octavio Paz.
Falece a 12 de dezembro de 1962. Um bom tempo se passou até que se renovasse o interesse pela grande libertária, quando então foram publicados vários de seus inéditos, entre eles as memórias, o álbum de 1929, os croquis e os contos policiais estampados em 1944 na revista Detetive, dirigida por Nelson Rodrigues. Uma tardia e crescente popularidade acarretou estudos críticos, reedições, centros culturais e de pesquisas, filmes de ficção, documentários, espetáculos teatrais, programas de televisão, nomes de revistas e de escolas, canções, enredos de desfile de carnaval. Segue uma amostragem abaixo. Um levantamento de seus pseudônimos inclui Pagu, Mara Lobo, Pat, Pt, Ariel, Patsy, Gim, Solange Sohl, Peste.
Obra
- Mara Lobo, Parque industrial –Romance proletário, São Paulo, Edição do Autor, 1933.
- Patrícia Galvão e Geraldo Ferraz, A famosa revista, Rio de Janeiro, América-Edit, 1945.
- Patrícia Galvão, Verdade e Liberdade, São Paulo, Edição do Comitê Pró Candidatura Patrícia Galvão, 1950.
- Patricia Galvão, Industrial Park, translated by Elizabeth & Kenneth David Jackson, Lincoln & London, University of Nebraska Press, 1993.
- King Shelter, Safra macabra, Rio de Janeiro, José Olympio, 1998.
- Lúcia M. Teixeira Furlani (Org.), Croquis de Pagu e outros momentos felizes que foram devorados reunidos, Cortez/Unisanta, 2004.
- Paixão Pagu – A autobiografia precoce de Patrícia Galvão, Rio de Janeiro, Agir, 2005.
- K. David Jackson (Org.), O jornalismo de Patrícia Galvão, Antologia (a sair):
- A denunciada denúncia: Pagu e a política (1931-1954) – Vol. 1
- Da necessidade da literatura (De Arte & Literatura / Lições de Literatura) – Vol. 2
- Palcos e Atores: Teatro mundial contemporâneo – Vol. 3
- Antologia da literatura estrangeira: Os grandes autores mundiais – Vol. 4
Cómo citar esta entrada: GALVÃO, Patrícia Rehder (2020), “Galvão, Patrícia Rehder”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org