OITICICA, José Rodrigues Leite e (Oliveira, Minas Gerais, Brasil 22/07/1882 – Rio de Janeiro, Brasil 30/06/1957).
Professor do Colégio Pedro II, militante anarquista no Rio de Janeiro, comprometido com a organização de sindicatos e entidades especificamente anarquistas. Notabilizou-se pela propaganda escrita e verbal do anarquismo, tendo participado de diversos eventos revolucionários entre 1910 e 1930. Permaneceu muito ativo até a sua morte em 1957.
Era o quarto filho do senador Francisco de Paula Leite e Oiticica e de Ana A. Leite e Oiticica. Após estudar em colégios tradicionais no estado do Rio de Janeiro, sendo inclusive expulso de um deles por indisciplina, completou o curso de desenho na escola Politécnica, matriculou-se posteriormente na Faculdade de Ciências Jurídicas do Recife, no estado de Pernambuco, e depois na de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, obtendo nesta última distinção em todo o curso, ao se formar em 1902. Oiticica chegou a cursar, com algumas interrupções, a Faculdade de Medicina. Toda esta diversidade de interesses vinha das leituras de Sociologia, Biologia e de Filosofia feitas ao longo do seu período discente e que apontavam, bem ao estilo de seu tempo, para uma ciência única capaz de uma síntese da humanidade.
O Direto, entretanto, pareceu-lhe por demais árido, e com poucas possibilidades de imprimir à dinâmica social a direção, compreendida por ele, como a mais adequada. Finalmente foi no magistério que se fixou e encontrou a identidade que, em grande medida, o tornou célebre nos círculos políticos e intelectuais do Rio de Janeiro. Primeiro como professor de historia do Colégio Paula Freitas, do qual fora aluno e, posteriormente, como proprietário de uma instituição de ensino.
Após o malogro da experiência com o Colégio Latino Americano, no antigo Distrito Federal, passou dois anos como diretor de um colégio municipal em Laguna, estado de Santa Catarina. Regressou ao Rio de Janeiro em 1909 sem nenhuma perspectiva de emprego. Desde 1901 colaborava na imprensa, inclusive em 1904 para o jornal Lúmen, dirigido por Maurício deLacerda, jovem tribuno de idéias socialistas, com quem voltaria a trabalhar no jornal anarquista Voz do Povo, em 1920. Mas só esta fonte de renda não era suficiente para o sustento de sua família (já com três filhos). Tentou ainda as vias tradicionais para uma colocação profissional por concurso público, mas, a despeito de obter os melhores resultados, não conseguia ser investido nos cargos.
O ano de 1911 marca a estréia de Oiticica na literatura, publica, então, sua primeira coletânea de Sonetos, reunindo sua produção poética desde 1905. Na revista A EstaçãoTeatralde 6 de maio daquele ano, em sua coluna «Uma Coisa Puxa a Outra», seu ex-colega de Paula Freitas e da Federação dos Estudantes, Lima Barreto, o elogia como um dos novos e maravilhosos poetas então surgidos e sugere que, assim como outros daquela época, Oiticica se dedique a escrever para o teatro, o que ele só fará a partir de 1920, tendo sido autor, a partir daquela época, de três peças.
Depois de colher decepções com a religião, o direito, a educação e as instituições estatais foi, em 1912, que as idéias de Oiticica sofreram uma alteração significativa. Neste período toma contato com as obras anarquistas. Inicia pela leitura de alguns exemplares do jornal de Jean Grave, o Temps Nouveaux, editado em Paris, e La Revista Blanca de Barcelona (José Oiticica, Ação Direta, Rio de Janeiro, Germinal, s. d., ps. 24-25). Seus artigos literários refletem a nova postura. Um vocabulário recém-adquirido passou a compor os versos, os argumentos, os textos teatrais e os ensaios políticos. E foi então que, principalmente após o ingresso na Liga Anticlerical do Rio de Janeiro (Estatutos da Liga Anticlerical do Rio de Janeiro, Papelaria Typographia ao Luzeiro, 1912). Oiticica iniciou sua trajetória de palestrante e de divulgador dos ideais anarquistas. Paralelamente a suas atividades como conferencista/propagandista engaja-se também na luta sindical, através de artigos na revista anarquista A Vida, editada no período 1914-1915, no Rio de Janeiro. Nesta época sua condição econômica estabilizou-se, uma vez que, através de mais um concurso público, conseguiu ingressar no prestigiado Colégio Pedro II, instituição federal fundada ainda no período da Monarquia, em 1837.
Alguns tempo depois, no emblemático ano de 1917, quando o Brasil se encontrava sob um regime de substituição de importações e via crescer suas fábricas, os anarquistas ganharam ainda mais destaque na cena social. Oiticica havia ajudado a organizar, no Distrito Federal, um Congresso da Paz, em 1915, e outro específico de anarquistas, no mesmo ano e local. Em julho de 1917, uma greve geral sacudiu São Paulo. No ano seguinte, no Rio de Janeiro, um importante surto grevista na Companhia Cantareira e Viação Fluminense transformou a área portuária da cidade de Niterói em uma praça de guerra (Addor, 2002: 98). Por uma conjunção de fatores, os grevistas, que reclamavam da carestia, conseguiram o apoio do 58º Batalhão de Caçadores que, por força do confronto, garantiu a segurança dos operários contra a polícia. Tais eventos nutriram nas organizações sindicais a esperança de uma possível aliança entre soldados e trabalhadores, a exemplo da Revolução Russa de outubro.
Neste contexto Oiticica, envolvido na construção da Aliança Anarquista do Rio de Janeiro e da União Geral dos Trabalhadores, sucedânea da Federação Operária do Rio de Janeiro, fechada pelo governo, alternou sua ação entre uma entidade organizativa e outra de classe. Na segunda metade de 1918, a despeito da repressão montada pelo governo, Oiticica, Astrojildo Pereira, Manuel Campos, Agripino Nazaré e outros iniciaram os preparativos para de uma insurreição armada em favor da criação de um soviet na Capital Federal. Com ramificações em outras partes do estado do Rio de Janeiro e o apoio dos tecelões, metalúrgicos e algumas categorias profissionais da capital, a “Insurreição Anarquista”, como ficou conhecida, marcada para 18 de novembro de 1918, foi denunciada por um agente infiltrado (Addor, 2002: 124). O exército, desta vez, mesmo após a propaganda preliminar feita nos quartéis, não veio em auxílio dos operários insurretos. Oiticica foi preso, acusado de crime de sedição, e posteriormente deportado para o estado de Alagoas.
O exílio não foi prolongado, e, no ano de 1919, apesar da sistemática vigilância da polícia, os anarquistas do Rio de Janeiro e de São Paulo organizaram uma “Conferência Comunista do Brasil” (Samis, 2002: 267). Coube a José Oiticica a presidência da mesa de debates, que aconteceram na Capital Federal.
Com a participação de 22 delegados o encontro deliberou pela criação de um Partido Comunista, que, com características libertárias, estaria a serviço da organização do operariado e não de objetivos eleitorais. Na realidade tal construção inscrevia-se na esfera organizativa dos anarquistas, entre os quais se encontrava Oiticica, que acreditavam ser importante a criação de uma instância claramente ideológica para a ação coordenada dentro dos sindicatos.
No ano seguinte Oiticica participa do grupo de redatores do jornal Voz do Povo, órgão da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro e do Proletariado em Geral, única publicação diária de caráter anarquista a circular no Rio de Janeiro. Em 1921, alguns grupos comunistas passam a se encontrar para, no ano seguinte, em março, formarem o Partido Comunista do Brasil (PCB). Oiticica, em divergência com outros anarquistas, que desde 1920 faziam oposição aos “bolchevistas” acreditava em um diálogo fecundo entre as duas partes. Tal ilusão, entretanto, se desfaria poucos anos depois, em 1923, com as constantes investidas dos “bolchevistas” contra os sindicatos influenciados pelos anarquistas. Ainda neste ano os libertários lograram reiniciar o funcionamento da antiga Federação Operária do Rio de Janeiro, em detrimento da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, esta última, então, controlada pelo PCB (Samis, 2002: 282).
No entanto as camadas médias urbanas encontravam-se também insatisfeitas com o governo, passando esta inquietação para a jovem oficialidade nos quartéis, os chamados “tenentes”. Em 5 julho de 1924, a exemplo de uma tentativa frustrada, na mesma data, dois anos antes, o general Isidoro Dias Lopes levanta-se contra o governo e ocupa a cidade de São Paulo. Junto com outros desafetos da “ordem pública”, Oiticica acaba por ser preso. Depois de dois meses incomunicável na Casa de Correção foi levado sucessivamente para a prisão nas Ilhas Rasa, das Flores e de Bom Jesus. Seus pedidos de habeas corpus foram diversas vezes negados pelo Supremo Tribunal Federal. Ele começa a redigir na prisão seu livro A doutrina anarquistaao alcance de todos, que só será editado anos mais tarde. Após a sua libertação publica com o libertário Antonio Bernardo Canellas, recém expulso do PCB, o jornal clandestino 5 de Julho (Oiticica, s.d.).
Com o tempo a disputa entre anarquistas e militantes do PCB recrudesce. A morte do sapateiro anarquista Antonino Dominguez, em uma assembléia no Sindicato dos Gráficos, em 1928, alvejado por militantes do PCB, marca com sangue a contenda. Segundo se dizia, o alvo dos comunistas era na realidade José Oiticica. No final de 1928 e o início de 1929, preocupado com a clareza ideológica a ser defendida, Oiticica passa a publicar o jornal anarquista Ação Direta, no Rio de Janeiro e, meses depois, embarca para a Alemanha onde passa a lecionar português e literatura na Universidade de Hamburgo. Mesmo longe do Brasil busca ajudar companheiros de idéias, como o anarquista italiano Gigi Damiani, expulso do Brasil em 1919, e agora exilado da Itália pelo governo fascista. Convocado a voltar ao Brasil, pelo novo governo que ascendeu em 1930, Oiticica participa da reativação da Liga Anticlerical do Rio de Janeiro.
Em 1937 é novamente preso, desta vez pela polícia de Getúlio Vargas quando, além de professor do Colégio Pedro II, também lecionava na então Universidade do Distrito Federal. Durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945) os anarquistas brasileiros movimentaram-se muito pouco, principalmente por força da onda nacionalista e da entrada do país na Segunda Guerra Mundial. Talvez a ação mais significativa, na qual inclusive tomou parte Oiticica, tenha sido a organização de uma subscrição para auxiliar os exilados espanhóis do regime fascista de Francisco Franco a publicar no México o órgão Tierra y Liberdad.
Ao final do Estado Novo Oiticica reinicia, com outros anarquistas, a publicação do jornal Ação Direta, cujo primeiro número aparece a 10 de abril de 1946. É também ele que insiste, apesar da dúvida de seus outros colaboradores, que o jornal deve ostentar o subtítulo “jornal anarquista”. Em 1947 sua obra A doutrina anarquista ao alcance de todos é finalmente editada sob forma de livro.
Oiticica aposentou-se compulsoriamente em 1952, ao completar 70 anos de idade. Faleceu de um enfarte a 30 de junho de 1957 no Rio de Janeiro. No ano seguinte, os anarquistas em sua homenagem fundaram o Centro de Estudos Professor José Oiticica, fechado pela ditadura militar em 1969, com a prisão de seus integrantes.
José Oiticica foi certamente um dos militantes anarquistas que mais claramente percebeu os perigos de uma ação libertária, dentro ou fora dos sindicatos, sem uma diretriz marcadamente ideológica. Denunciou, ainda nos anos de 1920, a insuficiência da inserção pura e simples de anarquistas nos sindicatos. Pensava, como na tradição do teórico Errico Malatesta, que o sindicalismo era um meio e não um fim. Suas prédicas foram em alguma medida confirmadas quando da perda sofrida pelos anarquista do seu principal vetor social, o sindicalismo. Sem uma organização específica de libertários, os sindicalistas foram engolidos pelas práticas corporativas do Estado Novo. Mesmo antes, em 1931, com a cooptação de vários sindicalistas pelo Estado, a falta de uma organização de fisionomia anarquista definida não permitiu aos militantes libertários traçar as novas linhas de ação diante do recém-constituído modelo intervencionista de Estado.
Obra
- Ação Direta, Rio de Janeiro: Editora Germinal, s. d.
- A doutrina anarquista ao alcance de todos, Rio de Janeiro, Achiamé, 2007.
Cómo citar esta entrada: Samis, Alexandre (2020), “Oiticica, José”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org