BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio (São Paulo, Brasil, 11/6/1902 – São Paulo, Brasil, 24/4/1982).
Ensaísta, crítico literário, jornalista, tradutor, historiador, professor, Sérgio Buarque de Holanda se destacou como um dos mais importantes historiadores brasileiros.
Diversos estudiosos se debruçaram sobre as obras e a trajetória de Sérgio Buarque de Holanda. Trata-se de um dos autores brasileiros mais lidos dentro e fora da universidade e fora do Brasil. Alguns dos seus intérpretes são: Antonio Candido de Mello e Souza, Fernando Henrique Cardoso, Illana Blaj, João Kennedy Eugênio, Laura de Mello e Souza, Leopold Waizbort, Maria Odila Leite da Silva Dias, Pedro Meira Monteiro, Roberto Vecchi, entre outros. Trata-se de nomes advindos de distintas formações e gerações, demonstrando uma preocupação reflexiva para com a sua obra significativamente ampla. Diante dessa complexidade, o presente verbete realiza uma opção de abordagem que dispõe em primeiro plano as vinculações sociais e as criações institucionais vinculadas à produção intelectual de Holanda.
Holanda nasceu no dia 11 de julho de 1902, no bairro da Liberdade, em São Paulo. Seus pais são o pernambucano Cristóvão Buarque de Holanda e a carioca Heloísa Gonçalves Moreira Buarque de Holanda. Tinha dois irmãos: Jayme e Cecília Buarque de Holanda. O gramático Aurélio Buarque de Holanda era seu primo. O pai era um professor universitário vinculado às ciências médicas, sendo um dos fundadores da Escola Livre de Farmácia de São Paulo.
Holanda passou a sua infância em Higienópolis. Iniciou os seus estudos na Escola Progresso Brasileiro. Transferiu-se posteriormente para as tradicionais Escola Modelo Caetano de Campos e para o Ginásio São Bento. Enquanto aluno da primeira, escreveu uma valsa, intitulada “Vitória Régia”, que foi publicada na revista Tico-Tico. Tinha apenas 9 anos. A passagem pela segunda é significativa. Aproximou-se do professor Affonso d’Escragnolle Taunay no local, um amigo de seu pai. A personagem seria um dos seus principais interlocutores, além de ser a responsável por abrir uma série de espaços. O escritor José de Alcântara Machado foi seu colega de sala no São Bento.
Como vários dos jovens intelectuais brasileiros dos anos 1920, Holanda iniciou a sua carreira nas letras por meio do jornalismo, mais especificamente na seção de crítica literária. O seu primeiro texto apareceu em 1922 pelo tradicional Correio Paulistano, recebendo o título de “Originalidade literária”. Tinha aproximadamente 18 anos. O responsável por viabilizar essa atividade foi Taunay. Conheceu o escritor Menotti del Picchia na redação do Correio Paulistano. Integrar-se-ia posteriormente a diversas outras publicações: Cigarra, Fon-fon, Revista do Brasil, O Jornal, Rio-Jornal e Ideia Ilustrada. A escrita em colunas rapidamente se tornou a sua principal atividade. Monteiro Lobato e Gustavo Barroso foram duas personagens que abriram espaço para Holanda nesses meios.
Vinculou-se ao grupo modernista paulista, mesmo que não tenha participado da Semana de 1922. Era um dos jovens que frequentava entre outros locais a confeitaria Fazzolli, na rua São Bento, para debater arte e política. Os outros eram Antônio Carlos Couto de Barros, Emiliano Di Cavalcanti, Guilherme e Tácito de Almeida, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Rubens Borba de Moraes e Sérgio Milliet.
Mudou-se com a família para o Rio de Janeiro em 1921. Iniciou a Faculdade de Direito da Universidade do Brasil no mesmo ano, formando-se em 1925. O jurista João Eduardo Prado Jelly e o diplomata Vasco Leitão da Cunha foram seus colegas de turma. Aproximou-se de Afonso Arinos de Mello Franco e Prudente de Morais, calouros com os quais manteve longas amizades. Esteve próximo igualmente dos modernistas da então capital da república. Eram seus amigos André Dreyfus, Gilberto Amado, Gilberto Freyre, Graça Aranha, Manuel Bandeira, Renato Palmeira, Ribeiro Couto, Ronald Carvalho etc.
Manteve uma vida boemia, transitando de botequins para festas, de livrarias para faculdade. Realizava isso ao mesmo tempo em que colaborava com jornais e revistas no Rio de Janeiro. Foi o responsável pela distribuição da revista modernista paulista Klaxon na cidade, a pedido de seu amigo Mário de Andrade, personagem com quem manteve um longo epistolário entre 1922 e 1944. Dirigiu a revista Estética juntamente de Prudente de Moraes entre 1924 e 1925. O literato Graça Aranha auxiliou o projeto. O título da revista foi inspirado na obra The Criterion do crítico Thomas Stearns Eliot. O projeto durou três números e nela colaboraram diversos expoentes do modernismo.
Foi trabalhar em 1927 na pequena Cachoeiro do Itapemirim, no interior do Espírito Santo. Antes de ir, presenteou os seus amigos com partes da sua biblioteca. Dirigiu na cidade o jornal O Progresso, após o convite de Vieira da Cunha para assumir a função. Fazia de tudo na redação, de coordenar a escrever, de revisar a compor pauta.
Desapontado com a situação, retornou ao Rio de Janeiro no mesmo ano. Começou a trabalhar como tradutor de telegramas a partir de 1927 para as agências internacionais Havas e United Press. Seus colegas de trabalho eram Austregésilo de Athayde, Barreto Leite Filho e Múcio Leão. Assumiria em seguida uma função no Jornal do Brasil, cuidando de uma coluna diária chamada “O dia dos senadores”. Conheceu na redação Aníbal Freire, Barbosa Lima Sobrinho e João Ribeiro. Colaborou também com a Revista do Brasil, fundada por Monteiro Lobato, mas então comprada por Assis Chateaubriand. O secretário da publicação era Rodrigo Melo Franco de Andrade e o seu assistente Prudente de Morais.
Holanda se deslocou para a Alemanha em junho de 1929 como encarregado de reportagens dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Ficou em Berlim até dezembro de 1930, tendo a responsabilidade de escrever sobre a Alemanha, a Polônia e a União Soviética. Envolveu-se naquele período com Anne Margueritte Ernst, com quem teve o seu primeiro filho, chamado Sérgio Georg Ernst, radialista e cantor. Holanda dirigiu diversos artigos ao Brasil versando sobre temas variados, mas com o foco em situações especificamente alemãs ou europeias de modo geral.
Uma das suas pretensões nessa viagem era conhecer o socialismo real. Por isso, foi diversas vezes ao prédio da embaixada soviética buscar informações, todavia o local sempre se encontrava fechado. Alguém o aconselhou a procurar o deputado comunista Willi Münzenberg para viabilizar o deslocamento. Esse passou o contato de um brasileiro residente em Moscou chamado Américo Ledo. Os dois trocaram algumas mensagens e pouco depois se encontrariam em Berlim. Ledo informou que se utilizava de um pseudônimo. Era na realidade Astrojildo Pereira, um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e crítico literário. Outra figura vinculada às esquerdas que Holanda encontrou em Berlim foi Mário Pedrosa. A personagem estava na Alemanha, pois adoecera e não pudera seguir viagem para a União Soviética, onde realizaria um curso de quadros na Internacional Comunista. Lá, Pedrosa ficou sabendo dos expurgos e da oposição trotskista, a qual se vincularia. Holanda não conheceu, como planejado, a União Soviética, somente a Polônia e quase toda a Alemanha.
Foi indicado pela embaixada para contribuir com a revista Duco, periódico que buscava estreitar as relações do país com o Brasil, por meio de publicações em alemão e português. Envolveu-se com a tradução de filmes da UFA. A experiência alemã foi fundamental para formação intelectual de Holanda. Conheceu no período Henri Guilbeaux, Theodor Daubler e Thomas Mann, este último por ele entrevistado. Frequentou as aulas de história e de ciências sociais de Friedrich Meinnecke. Tomou contato com os escritos de Franz Kafka, Friedrich Gundolf, Friedrich Nietzsche, Max Weber, Rainer Maria Rilke e Stefan George.
Holanda assistiu a ascensão do regime nazista, bem como os impactos da crise de 1929, fatores que levaram à interdição, entre outras coisas, do periódico Duco e ao esvaziamento da produção da UFA. Diante desse quadro retornou ao país de origem no final de 1930.
Reassumiu as suas atividades como jornalista no Rio de Janeiro, atuando pela Havas, Agência Brasileira e United Press. Tornou-se em 1935 redator chefe da Associated Press, permanecendo na posição até 1939. Foi diretor da seção do Rio de Janeiro do Jornal de Brasil, propriedade de Virgílio e Affonso Arinos de Mello Franco. Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, foi preso ao criticar publicamente os rumos autoritários que o país tomava. Octávio Tarquínio de Souza, Ribeiro Couto e Tristão Cunha foram detidos na mesma ocasião.
Casou-se no dia 28 de dezembro de 1936 com Maria Amélia Buarque Alvim, com quem teria 7 filhos: Álvaro Augusto, Ana Maria, Francisco, Heloísa Maria, Maria Cristina, Maria do Carmo e Sérgio. Ela era filha do desembargador Francisco Cesário Alvim e de Maria do Carmo Carvalho. A relação se manteve ao longo de toda a vida, não apenas no plano afetivo-amoroso, mas também no intelectual. Não foram poucas as vezes que ela atuou como uma espécie de assistente. Seus padrinhos foram Graciema, Inah, Prudente e Rodrigo. Publicou no mesmo ano Raízes do Brasil pela editora José Olympio, na coleção Documentos Brasileiros, coordenada por Gilberto Freyre. Trata-se do seu livro mais conhecido e editado, tendo diversas reedições e traduções, entre elas ao alemão, espanhol, francês, inglês, italiano e japonês.
Começou a trabalhar na recém fundada Universidade do Distrito Federal em 1937, a partir de um convite de seu amigo Prudente de Moraes, diretor da Faculdade de Filosofia e Letras, como assistente de duas cadeiras: Literatura Comparada e História Moderna. Os professores titulares eram respectivamente Henri Tronchon e Henri Hauser. Tronou-se posteriormente professor adjunto de História Moderna e Econômica e de Civilização Brasileira. Também foi docente, na mesma instituição, de Cultura Luso-Brasileira e de História da América, além de se efetivar em 1938 na chamada Segunda Seção didática. A universidade era um projeto encapado pela prefeitura do Rio de Janeiro e foi idealizada por Anísio Teixeira. Outros professores da instituição eram Affonso Arinos de Mello Franco, Gilberto Freyre, Manuel Bandeira e Mário de Andrade.
O projeto universitário não durou muito, sendo encerrado em 1939 por causa das pressões ditatórias do Estado Novo e de setores conservadores vinculados à Igreja Católica, em especial figuras ligados ao círculo do laicato de Alceu de Amoroso Lima. Após uma breve atuação no Departamento de Teatro, trabalhou no Instituto Nacional do Livro, coordenado por Augusto Meyer. As duas instituições faziam parte do Ministério da Educação e Saúde de Gustavo Capanema.
Iniciou a atividade de crítico literário no Diário de Notícias a partir de setembro de 1940. Reaproximou-se naquele momento de Rubens Borba de Moraes, bibliógrafo e escritor, com quem desenvolveu alguns projetos. Entre eles colaborou na Coleção Biblioteca Histórica Brasileira pela editora Martins. A iniciativa tinha o objetivo de editar livros com forte apelo documental, como relatos de viagens de estrangeiros que estiveram no Brasil colonial e imperial. Holanda traduziu, prefaciou e anotou para a coleção o livro memorialístico, Memórias de um colono no Brasil, do viajante suíço Thomas Davatz. O trabalho apareceu em 1941. Borba convidou Holanda na mesma época para redigir o capítulo, “História colonial”, no âmbito do Handbook of Brazilian Studies, projeto universitário que ambicionava estabelecer sínteses bibliográficas sobre temas centrais da história brasileira. Outra tradução veio à lume em 1942, ao verter do alemão o trabalho de Wilhelm Schmidt, Etnologia Sul-Americana: Círculos Culturais e Estratos Culturais na América do Sul, lançado pela Companhia Editora Nacional.
Holanda viajou aos Estados Unidos da América (EUA) em 1941, após um convite formal do Departamento de Estado, permanecendo por lá cerca de três meses. Passou por Chicago, New York e Washington. O viabilizador dessa viagem foi o historiador Lewis Hanke, diretor da Hispanic Foundation. Conhecera a personagem no ano anterior por meio de Borba de Moraes. Realizaria conferências na Universidade de Wyoming e conheceria a Biblioteca do Congresso.
Assumiu a coordenação da Divisão de Consulta da Biblioteca Nacional em 1944. O diretor geral era Rodolfo Garcia. Borba de Moraes assumiu a seção de Biblioteconomia. Aquele preparou um amplo projeto de reorganização da biblioteca, que se encontrava profundamente desestruturada. Américo Facó, José Honório Rodrigues e Mário de Andrade trabalhavam na instituição na mesma época. Publicou no mesmo ano um manual escolar, intitulado História do Brasil: 3ª série, de acordo com o programa oficial, em coautoria com Octávio Tarquínio de Sousa, lançado pela José Olympio. O trabalho estava conectado com as reformas educacionais elaboradas pelo Ministério da Educação e Saúde.
Participou da fundação da Associação Brasileira de Escritores (ABDE) em fevereiro de 1943, juntamente de Antonio Candido de Mello e Souza, Astrojildo Pereira, Aurélio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Octávio Tarquínio de Souza, Prudente de Moraes, Rodrigo Melo Franco de Andrade, entre outros. Assumiria em seguida a presidência da seção carioca. A ABDE estimulava a cultura letrada e debatia o papel social do escritor no mundo contemporâneo. Colocava em primeiro plano tanto aspectos profissionais da categoria, defendendo direitos trabalhistas aos especialistas da escrita, quanto o papel social do escritor diante da esfera política, argumentando que a liberdade criativa não se combinava com regimes autoritários.
A instituição era um importante nicho de oposição à ditadura do Estado Novo. Seu primeiro Congresso, ocorrido em abril de 1945, nas dependências do Teatro Municipal de São Paulo, teve a participação de mais de 200 escritores, sendo um ato fundamental no processo de redemocratização do país. Holanda estava plenamente engajado com o projeto, sendo um dos debatedores mais interessados durante o Congresso. Assumiu a presidência da seção de São Paulo da ABDE a partir de junho de 1946. O seu mandato seria renovado em nova eleição no ano de 1950.
Ajudou a fundar a ala da União Democrática Nacional (UDN), chamada de Esquerda Democrática, em 1945, juntamente a Alceu Marinho do Rego, Arnaldo Pedroso Horta, Castro Rebelo, Gastão Cruls, Guilherme Figueiredo, Hermes Lima, Manuel Bandeira e Octávio Tarquinio de Souza. A linhagem daria origem ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 1947. Holanda concorreu, a pedido do partido, a uma vaga para vereador em São Paulo em 1946, não tendo qualquer sucesso na empresa. Não tinha, como ele viria a assumir, qualquer vocação para fazer campanha e para pedir votos.
Holanda estava redigindo um texto sobre o movimento bandeirante desde o começo dos anos 1940. Inscreveu o manuscrito para um concurso nos EUA, recebendo uma menção honrosa. O livro apareceu em 1945 com o título de Monções, publicado pela editora carioca Casa do Estudante do Brasil.
Publicara no ano anterior uma coletânea de artigos de crítica literária escritos naquela década, intitulada Cobra de vidro e lançada pela Martins. Intensificaria a sua atividade como crítico a partir de 1950, quando assumiu a seção de Crítica Literária no “Diário Carioca e na Folha de São Paulo”.
Monções impulsionou Holanda a se tornar diretor do Museu Paulista a partir de janeiro de 1946, substituindo Taunay, aposentado. Contou também com o apoio de Paulo Duarte para a empreitada, que chegou a conversar com o governador para possibilitar a indicação. A instituição era um órgão da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, atualmente convertida em setor da Universidade de São Paulo (USP). Colaborou no mesmo ano que assumiu em um curso sobre a história bandeirante realizado na Escola Caetano de Campos promovido pelo Departamento Estadual de Informações e organizado por Taunay. 12 estudiosos apresentaram conferências no projeto. Seis dessas foram publicadas pelo governo do estado de São Paulo no final de 1946, com o título de “Curso de Bandeirologia”, originárias de Affonso d’Escragnolle Taunay, Afonso Arinos de Mello Franco, Alfredo Ellis Junior, Joaquim Ribeiro, Sérgio Buarque de Holanda e Virgílio Corrêa Filho.
Enquanto diretor, foi responsável por entre outras iniciativas expandir as vocações temáticas do museu ao criar seções especializadas em estudos e curadoria de Etnologia, Numismática e Linguística, tendo a primeira grande projeção. A pesquisa ganhou maior centralidade na instituição com essas ações. O grande parceiro de Holanda em todo esse processo foi o etnólogo Herbert Baldus, técnico contratado para organizar as coleções de etnografia; o assistente Harold Schultz também foi fundamental. A vinculação resultou em um amplo projeto de pesquisa, além de uma política significativa de expansão de acervos. A instituição financiou uma série de publicações de caráter científico: Revista do Museu Paulista, Anais do Museu Paulista e Boletins do Museu Paulista. Holanda escreveu uma síntese sobre os seus primeiros anos à frente da instituição no texto, “Museu Paulista”, publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em janeiro de 1952. Lançaria no ano seguinte a coletânea em dois volumes Antologia dos poetas brasileiros da fase colonial, lançado pelo Instituto Nacional do Livro. O trabalho foi revisado pelo seu primo: o gramático Aurélio Buarque de Holanda. Foi professor na cadeira de História Econômica da Escola de Sociologia Política de São Paulo entre 1952 e 1956.
Afastou-se durante a sua gestão em algumas oportunidades para a realização de viagens internacionais. Foi para os Washington em 1950 para participar do I Colóquio Internacional de Estudos Brasileiros, por meio de um convite de Lewis Hanke. Debateu na ocasião o texto “As técnicas rurais no Brasil durante o século XVIII”, que apareceria reformulado na revista Anhembi, organizada por seu amigo Paulo Duarte. Participou também de um seminário na Universidade de Colúmbia, New York. Há um escrito memorialístico sobre a experiência, “Sobre o Colloquium”.
Outra viagem se deu a partir da sua estadia na Itália entre 1952 e 1954. Licenciou-se do Museu Paulista para se tornar professor da recém-criada cátedra de Estudos Brasileiros da Universidade de Roma, parte de um programa mais amplo da diplomacia brasileira para difundir a cultura do país no exterior. Realizou intensas atividades no solo europeu. Além da docência, participou ativamente da construção de um programa de tradução ao italiano de diversas obras brasileiras, dentro do qual sairia a edição local de Raízes do Brasil. Ajudou a organizar um número especial da revista Ausonia voltada às letras brasileiras, na qual colaborou com um artigo intitulado “Apporto Italiano nella Formazione del Brasile”.
Enquanto esteve na Itália, participou em 1954 do Rencontres Internationales de Genebra no qual preferiu uma conferência, “Le Brésil dans la vie américain”. Lucien Febvre esteve presente na oportunidade e também fez uma fala. Seriam publicadas em 1955 no livro L’Europe et le Nouveau Monde, pela casa editorial La Baconnière. Holanda conheceu Lucien Febvre em setembro de 1949 quando ele esteve no Brasil para realizar uma conferência na USP. Essa ponte possibilitaria posteriormente o contato mais próximo do brasileiro com membros dos
Annales, em especial com Febvre e Fernand Braudel. Esses convidaram Holanda para dar um curso na Universidade de Paris e para publicar um texto na revista Annales em 1950, intitulado “Les civilisations du miel”. Seu contato com a cultura francesa foi intenso, tanto que receberia do seu governo uma condecoração em 1961: Officier de l’Ordre des Arts et des Lettres.
Realizou trabalhos de consulta nos arquivos italianos sobre a difusão dos ideais estéticos arcadistas. A iniciativa resultaria na obra Capítulos de Literatura Colonial, lançada postumamente pela Brasiliense em 1991 com a organização de seu amigo Antonio Candido de Mello e Souza, dentro da qual há um amplo estudo sobre o arcadismo e a sinalização da formação de uma ideia de consciência nacional brasileira.
Ao retornar em 1955, assumiu novamente a direção do Museu Paulista, sendo eleito na mesma data como vice-presidente do Museu de Arte Moderna, posição na qual permaneceria pelos próximos seis anos. Iniciou naquele momento a publicação de alguns textos sobre a expansão paulista no período colonial, os quais seriam reunidos em 1957 no livro Caminhos e Fronteiras, publicado pela José Olympio. A compilação dos trabalhos foi uma sugestão de Octávio Tarquínio de Sousa. Por causa desse estudo, recebeu o Prêmio Edgard Cavalheiro, oferecido pelo Instituto Nacional do Livro, como a melhor obra de ensaios. O estudo em grande medida é uma síntese da sua experiência como diretor do Museu Paulista, quando teve significativo contato com os estudos etnográficos e antropológicos. O autor construiu uma história da sociedade paulista colonial, dando ênfase as distintas populações da localidade, a partir de uma ampla fundamentação na cultura material e na etnologia. O livro póstumo Extremo Oeste, de 1986, articula-se com o âmbito geral dessas preocupações.
Lecionou História do Brasil na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba em 1956, permanecendo apenas dois semestres na instituição. Holanda deixou a direção do Museu Paulista naquele ano para assumir a cátedra de História da Civilização Brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP. Iniciou as atividades como interino, substituindo Alfredo Ellis que se aposentara após adoecer. O professor Lourival Gomes Machado foi quem o convidou para assumir a função.
Por não ter mestrado, Holanda não podia fazer o concurso. Por isso, iniciou um curso para a obtenção da titulação na Escola de Sociologia e Política em 1956, orientado por Herbert Baldus. Defenderia o título no dia 4 de julho de 1958, com o trabalho “Elementos formadores da sociedade portuguesa na época dos descobrimentos” –nunca publicado. Realizou o concurso para a USP em novembro de 1958 em uma banca composta por Eduardo d’Oliveira França, Hélio Viana, Wanderley Pinho, Affonso Arinos de Mello Franco e Paulo Savoya. Há uma foto que retrata um dos momentos da arguição, realizada no salão nobre da faculdade. Ingressou na Academia Paulista de Letras (APL) no mesmo ano, após o falecimento de Taunay, de quem assumiu a cadeira.
Para prestar o concurso, era necessário submeter uma tese ao escrutínio da banca. O texto defendido deu origem ao livro Visão de Paraíso, publicado em 1959 pela José Olympio. Trata-se de um amplo estudo sobre a construção imagética do Brasil como um espaço idealizado. Holanda constituiu na posição de catedrático uma série de atividades que se deslocavam da orientação de teses a coordenação de projetos. Teve uma série de assistentes e orientandos que se tornariam importantes professores e pesquisadores, entre eles Laima Mesgravis Maria de Lourdes Gianotti, Maria Odila, Maria Teresa Petrone, Myriam Ellis, Nícia Vilela Luz, Odilon Nogueira de Matos, Suely Robles Reis de Queirós. Diversos livros centrais para a historiografia resultariam destas orientações, vários dentre eles contam com prefácios seus.
Participou do Primeiro Simpósio de Professores de História do Ensino Superior, realizado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília entre 15 e 20 de outubro de 1961. Foi constituída na ocasião a Associação de Professores Universitários de História (APUH), órgão de classe da profissão. Elegeu-se a sua primeira diretoria na ocasião, integrada por Holanda.
O historiador dirigiu a ampla coleção História Geral da Civilização Brasileira, inspirado na Histoire générale des civilisations coordenada por Maurice Crouzet, a partir de 1962. O projeto aparecia pela Difusão Europeia do Livro (DIFEL). Seu assistente foi o historiador Pedro Moacyr Campos, colega de faculdade. A obra é um grande esforço de reunir diversos especialistas para escrever uma história geral do Brasil, a partir de distintos prismas analíticos. Os volumes dedicados a colônia e ao império foram coordenados por Holanda até 1972. O seu aluno Boris Fausto assumiu os tomos voltado a república, realizando a tarefa até 1984. O trabalho contaria 11 volumes na totalidade. Holanda construiu integralmente um, intitulado Do Império à República, lançado em 1972. Essa obra estava sendo reescrita pelo historiador quando veio a falecer. A versão reformulada foi publicada, organizada por Fernando Novais, em 2010 pela Companhia das Letras.
Coordenou a criação do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) na USP em 1962, instituição com fins de pesquisa e preservação documental, tornando-se o primeiro diretor até 1964. Seria vice-diretor nos próximos dois anos, sendo que o professor Egon Schaden assumiria o seu lugar. A primeira medida da organização foi a compra da biblioteca de cerca de 10 mil volumes do modernista Yan de Almeida Prado. Buscava-se com tal movimento criar um núcleo bibliográfico e documental para balizar a pesquisa acadêmica sobre a história do Brasil. Outros arquivos pessoais representativos, como de Caio Prado Júnior, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Mário de Andrade, foram progressivamente incorporados. A criação da revista da instituição, Revista do IEB, contou com a colaboração do historiador. Esteve também plenamente envolvido em um amplo projeto de reorganização das instituições de acervo da USP, encabeçado pelo reitor Antonio de Barros Ulhôa Cintra. Holanda foi presidente das comissões organizadoras do Instituto de Pré-História, do Museu de Arte e Arqueologia e do Museu de Arte Moderna.
Realizou em 1963 uma viagem a Santiago para ministrar um seminário de História do Brasil na Universidade do Chile. Dois anos depois se deslocou uma vez mais aos EUA, convidado pelo governo, a pedido do adido cultural no Rio de Janeiro Georg Boehrer. Realiza uma série de atividades nas universidades de Columbia, Harvard e Los Angeles. Retornaria uma vez mais aos EUA no mesmo ano. Teria uma longa estadia, dessa vez convidado por Richard Morse. Atuou como professor visitante na Universidades de Indiana e na Universidade do Estado de Nova York. Participou do VI Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros nas Universidades de Columbia e Harvard. Trabalhou ademais nas universidades de Yale e Princeton e no Queen`s College.
Retornou ao Brasil em 1967. Fez naquele ano uma conferência na Escola Superior de Guerra com o título “Elementos Básicos da Nacionalidade – O Homem”. Além disso, viajou para Lima, convidado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), para tomar parte das reuniões do Comitê de Estudo das Culturas Latino-Americanas. Dirigiu-se no ano conseguinte para São José, Costa Rica, para participar de outra reunião do comitê. Haveria ainda um outro encontro no México em 1974 que contou com sua participação.
Holanda deixou a USP em 1969 durante um dos momentos mais duros da ditadura militar brasileira. Retirou-se do serviço público em solidariedade aos colegas aposentados compulsoriamente pelo Ato Institucional número 5 (AI-5), entre eles os seus amigos Florestan Fernandes e Paulo Duarte. O historiador encerrou assim uma extensa carreira no serviço público brasileiro.
A decisão não significou o fim das suas atividades cultuais e políticas. Coordenou a coleção editorial História do Brasil Didática, da Companhia Editora Nacional, a partir de 1971. Os volumes apareceriam dois anos depois. Realizou uma série de viagens nesse momento, passando por vários países europeus. Deslocou também para Caracas na ocasião da criação da Biblioteca Ayacucho, em 1974. O governo venezuelano convidou formalmente o historiador.
Publicou em 1974 o artigo “O atual e o inatural na obra de Leopold von Ranke na Revista de História, do Departamento de História da USP. Lançou em 1975, em coedição pela Editora da USP e pela Companhia Editora Nacional, Vale do Paraíba: velhas fazenda. O trabalho conta com prefácio de Mário Guimarães Ferri e ilustrações de Tom Maia. Organizou e introduziu um volume dedicado a Leopold von Ranke dentro da coleção Grandes Cientistas Sociais da Ática em 1978, coordenada por Florestan Fernandes. Tornou público no ano seguinte o seu último livro, Tentativas de Mitologia, pela editora Perspectiva. O trabalho reuniu antigas colunas de jornal dos anos 1950. Recebeu no mesmo ano o título de intelectual do ano pela União Brasileira de Escritores (UBE).
O historiador foi um dos principais articulistas do Centro Brasil Democrático (CEBRADE). Tal organização foi instituída no dia 29 de julho de 1978 no Rio de Janeiro. Era uma frente de distintas forças democráticas que buscava estabelecer debates públicos e atividades culturais que colocassem em questão a necessidade do avanço da abertura do regime militar. Holanda era uma das suas lideranças, tendo a posição de vice-presidente, junto de Oscar Niemeyer (presidente), Antonio Houaiss, Ênio Silveira e outros. Há uma foto da sua cerimônia de instalação na qual todos estão presentes. Uma das iniciativas mais conhecidas desta organização foi o Show 1° de maio em 30 de abril de 1981 no Rio de Janeiro, no qual seu deu o atentado do Riocentro. O CEBRADE participou da Campanha pela Anistia e pelas Diretas Já!
Ao mesmo tempo que se engajava com o CEBRADE, Holanda estava envolvido com a estruturação do Partido dos Trabalhadores (PT). Foi um dos quadros que estavam presentes na fundação da legenda no Colégio Sion, São Paulo, no dia 10 de fevereiro de 1980. Há várias fotos do dia nas quais se pode ver o historiador junto de alguns partidários, entre eles Hélio Pellegrino, Lélia Abramo, Luiz Inácio Lula da Silva, Mário Pedrosa e Olívio Dutra. O Centro de Documentação e Memória do PT, vinculado a Fundação Perseu Abramo, recebeu o nome do intelectual em 2001 quando foi criado. Holanda faleceu aproximadamente dois anos depois, no dia 24 de abril de 1982. O seu arquivo e a sua biblioteca foram comprados pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 1983 e estão disponíveis para consulta e pesquisa.
Obra
Bibliografia:
- Raízes do Brasil, Rio de Janeiro, José Olympio, 1936.
- História do Brasil: 3ª série, de acordo com o programa oficial, Rio de Janeiro, José Olympio, 1944 (em coautoria com Octavio Tarquínio de Sousa).
- Cobra de vidro, São Paulo, Martins, 1944.
- Monções, Rio de Janeiro, Casa do Estudante do Brasil, 1945.
- Antologia dos poetas brasileiros da fase colonial, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1953.
- Caminhos e Fronteiras, Rio de Janeiro, José Olympio, 1957.
- Visão do Paraíso, Rio de Janeiro, José Olympio, 1959.
- Do Império à República, São Paulo, DIFEL, 1972.
- Vale do Paraíba – Velhas Fazendas, São Paulo, Companhia Editora Nacional; EDUSP, 1975.
- Tentativas de mitologia, São Paulo, 1979.
- Extremo Oeste, São Paulo, Brasiliense, 1986 (póstumo).
- Capítulos de Literatura Colonial, São Paulo, Brasiliense, 1991 (póstumo).
- O espírito e a letra, São Paulo, Companhia das Letras, 1996 (póstumo).
- O livro dos prefácios, São Paulo, Companhia das Letras, 1996 (póstumo).
- Capítulos de História do Império, São Paulo, Companhia das Letras, 2010 (póstumo).
Traduções
- Thomas Davatz, Memórias de um colono no Brasil, São Paulo, Martins, 1941.
- Wilhelm Schmidt, Etnologia Sul-Americana: Círculos Culturais e Estratos Culturais na América do Sul, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1942.
Livros organizados
- Antologia dos poetas brasileiros da fase colonial, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1953.
- História Geral da Civilização Brasileira, São Paulo, DIFEL, 1960, 7 volumes.
- História do Brasil: curso moderno, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1971, 2 volumes.
- Leopold von Ranke, São Paulo, Ática, 1978.
- O operário em construção e outros poemas, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1979.
Cómo citar esta entrada: Detoni, Piero y Maldonado, Luccas Eduardo (2024), “ BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org.