DIAS, Giocondo Gerbasi Alves (Pseudônimo: José Neves) (Salvador, 18/11/1913 – Rio de Janeiro, 7/09/1987).
Durante mais de meio século, Giocondo Gerbasi Alves Dias, dedicou-se à causa comunista. Ao longo dessa história teve papel importante e, em alguns momentos fundamental na organização e na condução do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e nos rumos políticos que esse tomou. Nessa trajetória histórica esteve presente, como agente e/ou protagonista, nos momentos cruciais da vida sócio-política brasileira.
Nasceu em Salvador (Bahia) a 18/11/1913, filho de um comerciário e de mãe de origem italiana. Aos sete anos perde o pai, ficando como o mais velho de sete irmãos menores. Começa a trabalhar no comércio em 1925 para ajudar a família. Em 1927, em Salvador tem contato com o poeta Alberto Campos –que se empregara na mesma firma como datilógrafo-, membro do PCB e depois candidato a Deputado Federal pelo Bloco Operário e Camponês. Através dele, Giocondo Dias toma conhecimento das concepções comunistas e passa a vender o jornal diário e legal do partido, “A nação”, publicado no Rio de Janeiro. Sem muita noção do que era marxismo e socialismo, começa a simpatizar com o PCB, muito mais pela propaganda do que faziam contra, do que por conhecimento da causa.
No ano de 1932, desempregado, alista-se no Exército como voluntário, no 21º Batalhão de Caçadores do Recife. Meses depois, em julho, o Batalhão é deslocado para dar combate ao levante “Constitucionalista” em São Paulo. Com a derrota desse é deslocado para o Rio de Janeiro, depois Mato Grosso e, em seguida, volta ao Recife, indo posteriormente para o Amazonas, na fronteira com a Colômbia e logo após para Natal (RN).
Em Natal é convidado a participar da Aliança Nacional Libertadora (ANL) – movimento de caráter antifascista, antilatifundiário e antiimperialista, no qual o PCB teve papel organizador e dirigente. Convidado para uma reunião com outros soldados e oficiais, adere à ANL e ao PCB. Naquele momento organizaram o partido no batalhão, com grande número de adesões.
Com crescimento ininterrupto até julho de 1935, a ANL transforma-se num grande movimento político de massas. Nesse momento, e tendo como pretexto manifesto de Luis Carlos Prestes propondo o “assalto ao poder”, é ilegalizada pelo governo Vargas, com base na Lei de Segurança Nacional. Jogada na ilegalidade, com seus núcleos fechados, e tendo à frente os comunistas, começa-se a organizar a insurreição, através dos quartéis. E ela não demorou a acontecer. No dia 23/11 o levante é desencadeado em Natal, por meio do 21º Batalhão de Caçadores e que tomou a cidade e a sede do governo estadual por três dias, de sábado à noite de terça-feira. Foi composta uma Junta Governativa popular e nacional-revolucionária, que tentou, sem muito sucesso, implementar medidas que constavam do programa aliancista. Nos dias seguintes a insurreição eclodiu em quartéis do Recife e Rio de Janeiro. Restrita a unidade militares, sem apoio popular expressivo, a insurreição foi facilmente liquidada pelas forças governamentais.
Durante o levante, Dias que havia sido um de seus principais dirigentes, foi ferido e com o fracasso do movimento foi preso, fugiu, foi novamente ferido e preso. Solto com a “macedada” (medida tomada pelo ministro da Justiça de Getúlio Macedo Soares Vargas a 07/06/1937, libertando 408 presos políticos envolvidos no levante de novembro de 1935). Recém saído da prisão é condenado à revelia pelo Tribunal de Segurança Nacional a oito anos e meio de prisão.
Posto em liberdade, desloca-se para a Bahia no intuito de alistar-se como voluntário para combater ao lado das forças populares e republicanas contra o fascismo na guerra civil espanhola. É, no entanto, desaconselhado pelos médicos devido ao seu precário estado de saúde.
A implantação da ditadura do “Estado Novo” em 1937 significaria um duro golpe para o PCB, que será desestruturado por alguns anos. Giocondo Dias passou a enfrentar uma difícil vida clandestina. Nesses anos atua com outros militantes em Salvador, procurando reorganizar o partido.
Somente a partir de 1942, depois de anos de violenta repressão, os comunistas começam a reaparecer no cenário político nacional ao lado de outras forças liberais e democráticas. Ainda em 1942, o Brasil entra na guerra ao lado dos aliados e contra o nazi-fascismo. Daí em diante o movimento de oposição ganha força e avança, aglutinando diversos setores da sociedade numa ampla frente democrática contra a ditadura.
É nesse contexto, de lutas por liberdades democráticas, que o PCB irá se reorganizar e voltar a agir e ter influência na vida política do país. Nesse processo, os comunistas baianos terão importante papel não só na luta contra a ditadura, mas também na reconstrução do PCB – mesmo nos momentos mais duros, o núcleo comunista baiano preservou parte de seus militantes e da organização e contribuiu decisivamente na reorganização do PCB nacionalmente, através da Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP) e da realização da Conferência da Mantiqueira (1943) que elege uma nova direção nacional do PCB e Luis Carlos Prestes como secretário-geral.
No processo de redemocratização, o PCB experimentará a legalidade de dato e a participação política institucional – exercerá significativa influência em vastos setores das massas trabalhadoras urbanas e rurais, nas camadas médias, na intelectualidade e no meio estudantil. Com uma política de união nacional tem expressivo êxito eleitoral.
Giocondo Dias, nesse quadro, além de tornar-se o principal dirigente do PCB baiano, no ano seguinte é alçado ao Comitê Central e em janeiro de 1947 é eleito deputado estadual na Bahia, tendo intervenção ativa na Assembléia Legislativa.
A legalidade, no entanto, seria breve. Por pressões da classe dominante e devido aos reflexos da “guerra fria” é posto na clandestinidade. Nos anos seguintes passa a ser perseguido, isola-se e adota uma política extremamente dogmática e sectária, acabando por perder grande parte de sua influência política.
Nesse período, de 1948/1957, apesar de membro do Comitê Central (reeleito no IV Congresso – 1954), a participação de Giocondo Dias na direção do PCB é discreta e quase anônima. Torna-se, entre outras atividades, segurança pessoal do então secretário-geral, Luis Carlos Prestes, submetido a uma rigorosa clandestinidade.
Em 1956, o PCB é abalado de cima a baixo pelo XX Congresso do PCUS, que deu início à desestalinização. A isso juntaram-se problemas internos acumulados durante vários anos e que acabam por vir a tona nesse momento, provocando uma séria crise político-ideológica sem precedentes no seio do partido.
Depois de uma certa perplexidade, abriu-se um debate intenso, criando muitas dúvidas e confusão. Na medida em que o debate se intensificava, as divergências e conflitos foram se aguçando. Três correntes irão se polarizar, com propostas e concepções diversas. Uma, denominada “renovadora” concentra suas críticas ao dogmatismo, à URSS e à política e práticas do PCB, propondo mudanças radicais na organização e no projeto partidário; uma segunda, “conservadora” negava a necessidade de uma autocrítica profunda e de mudanças substanciais; e uma terceira, que pode ser chamada de “centro pragmático”, adota uma postura cautelosa e conciliatória, atrai parte das correntes tanto renovadoras, como conservadora, tornando-se majoritária – vitoriosa na luta interna, absorve teses renovadoras, mas conservando e adaptando-as aos elementos, noções e princípios do marxismo-leninismo; essa corrente teve como principais dirigentes, Prestes e Dias.
Paralelamente à autocrítica, Giocondo Dias é guindado à Comissão Executiva e ao Secretariado do Comitê Central. Com o aval de Prestes providencia, junto com um grupo de intelectuais e dirigentes, a elaboração de um documento, alterando a linha política do PCB. Esse documento ficaria conhecido como “Declaração de Março de 1958” e representaria a abertura de um processo de renovação ampla do PCB, mas uma renovação conservadora, mantendo, no fundamental, concepções da cultura política terceiro-internacionalista. Nas articulações todas que levaram à renovação partidária, Giocondo Dias foi o elemento chave, passando a partir de então a ser o segundo dirigente na hierarquia partidária, depois de Prestes.
Operadas as mudanças na política, nas concepções e métodos, o PCB terá uma inserção crescente e contínua na visa sócio-política do país naqueles anos (1958-1964). Movimentando-se com desenvoltura na articulação da sociedade civil e política, ganha forte influência no movimento sindical urbano e rural e no estudantil, na intelectualidade e nas campanhas por reformas e de caráter nacionalista e antiimperialista. Mas, na medida em que se insere cada vez mais na arena política, o PCB passa a defrontar-se com diversos problemas conjunturais e estruturais postas pelo desenvolvimento e desdobramento do quadro sócio-político, num momento de polarização de forças, envolvendo alternativas diferenciadas e antagônicas.
Num quadro de radicalização de posições, setores importantes do PCB, inclusive com responsabilidades diretivas, em determinados momentos se deixam influenciar e levar por projetos de reforma radicais e mesmo golpista, representadas naquele momento, sobretudo por Leonel Brizola e Francisco Julião. E frente à tendência de certos dirigentes e militantes em conciliar ou aderir ao baluartismo e ao golpismo, desprezando a legalidade democrática e a capacidade de reação da classe dominante, Giocondo Dias apontou os equívocos e os perigos dessas posições, tanto nas discussões internas, como pela imprensa partidária. Exemplar disso, será a polêmica que travou com F. Julião sobre o caráter da revolução brasileira em 1962. Critica asperamente F. Julião, por esse se referenciar nos modelos revolucionários de Cuba e Mongólia e em concepções dogmáticas.
Após a derrota sofrida com o golpe de 1º de abril de 1964, em momentos de extrema dificuldade, G. Dias procurou manter a serenidade. Em contraposição aos apelos, chamamentos e tentações à luta armada e ao esquerdismo defenderá a política de frente democrática, visando unir todos os setores sociais interessados na derrota da ditadura e na conquista das liberdades democráticas. Na tribuna de debates do VI Congresso em 1967, publica, com o pseudônimo de José Neves, vários artigos criticando posições que considerava equívocas e perigosas para a democracia. Entre eles: “Problemas ideológicos”, “Luta interna à esquerda e à direita”, “Centralismo democrático e direção coletiva”.
No início da década de 70, com o aumento e a radicalização da violência do regime ditatorial, o PCB enfrentará brutal perseguição, resultando em centenas de prisões e o assassinato de mais de uma dezena de dirigentes. Nesses anos G. Dias teve intensa atividade clandestina, como responsável pela organização partidária e em alguns momentos acumulando, na prática, a secretaria geral, encarregado das articulações políticas. Acabou sendo um dos últimos membros (vivos) do Comitê Central a deixar o Brasil, através de uma bem sucedida operação de resgate montada no exterior em fins de 1975.
Obrigado a funcionar no exílio, de fins de 1975 a 1979, o Comitê Central acumularia no exterior uma série de divergências políticas, que viriam à público após a anistia e o retorno da direção ao Brasil. Em março de 1980 L. C. Prestes divulga uma “Carta aos comunistas”, lançando acusações ao Comitê Central, além de propor a mudança da linha política. Advoga a substituição da política de “frente democrática” pela de “frente de esquerda”. Em maio, o Comitê Central reúne-se, reafirma a linha política defendida no VI Congresso e substitui Prestes na secretaria geral por Giocondo Dias, que exercerá o cargo até 1987, quando veio a falecer.
Pouco depois de assumir o cargo diretivo máximo do PCB, G. Dias no artigo “Os objetivos dos comunistas”, afirmava: “os objetivos do PCB são claros, nítidos, inequívocos: lutar para que se estabeleça no Brasil, pela via da transição socialista, a sociedade sem classes, em que esteja superada a exploração do trabalho humano […] Sem exclusivismos, ágeis, com uma identidade cristalina, vamos continuar o combate para extirpar do Brasil a exploração, a miséria, a dominação, a dependência. Vamos continuar contribuindo para fazer a felicidade mais que uma idéia nova – uma realidade acessível a todo homem que trabalha”.
Essas expectativas de G. Dias, no entanto, já não seriam mais possíveis. Incapacitado de operar transformações necessárias em seu projeto revolucionário e em sua cultura política, o PCB terá imensas dificuldades em se movimentar no espaço sócio-político desse momento em diante. Sem viabilidade institucional (baixíssimo porcentual eleitoral), a progressiva perda de vínculos com o movimento sindical, suas difíceis relações com o mundo da cultura, o contínuo enfraquecimento orgânico com a sangria de quadros e militantes, o permanente dissenso e cizânias internas, entre outros problemas, condenará o PCB a viver uma crise aguda até o seu desaparecimento com a derrocada do socialismo na URSS.
Obra
Os objetivos dos comunistas, São Paulo, Novos Rumos, 1983.
Cómo citar esta entrada: Segatto, José Antonio (2019), “Dias, Giocondo Gerbasi Alves”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org