CUNHA, José Gay da. (Porto Alegre, Brasil, 10/07/1911 – São Paulo, Brasil, 24/08/1987)
Militar antifascista que combateu nas fileiras do Exército Popular Republicano e da XV Brigada durante a guerra civil espanhola (1936-1939). Membro do Partido Comunista do Uruguai (1937), filiou-se posteriormente ao Partido Comunista Espanhol (1938) e ao Partido Comunista do Brasil (1945).
José Gay da Cunha nasceu em Porto Alegre/RS, Brasil, em 10 de julho de 1911. Filho do funcionário público federal Davi Cunha e da professora Jesuína Gay Cunha, ambos democratas, era o terceiro filho de uma família de classe média formada por sete irmãos. Realizou seus primeiros estudos no Colégio Anchieta, em Porto Alegre, e mais tarde no Ginásio Gonzaga e Ginásio Pelotense, em Pelotas/RS.
Em 1927, foi morar no Rio de Janeiro, matriculando-se no curso preparatório da Escola Militar do Realengo. Deu baixa do Exército em maio de 1929, e no ano seguinte ingressou na Faculdade de Direito de Porto Alegre. Trabalhou como escriturário na Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Em março de 1931, foi incorporado à tropa da 13ª Região Militar na Escola Militar de Realengo no posto de segundo-tenente e, em seguida, transferido para a Escola de Aviação Militar (EAM), no campo dos Afonsos.
O início de sua militância política se deu em 1930 no movimento estudantil da Faculdade de Direito de Porto Alegre, período em que participou de reuniões secretas com os setores mais radicais da Aliança Liberal após a derrota de Getúlio Vargas nas eleições presidenciais de março daquele ano. Em novembro de 1935, participou das reuniões preparatórias junto com militares comunistas e aliancistas (militantes da Aliança Nacional Libertadora, uma organização de frente popular antifascista criada em março de 1935) da EAM e aderiu a revolta ocorrida na madrugada do dia 27. Com a derrota do movimento, foi acusado de ter transportado munições para os soldados rebeldes e efetuado a prisão de vários oficiais. Mais tarde confirmou as acusações, sendo excluído das forças armadas no mês de dezembro. Foi preso de 29 de novembro de 1935 a 29 de junho de 1937 e posteriormente processado, julgado e condenado a oito anos de prisão pelo Tribunal de Segurança Nacional por sua participação nos levantes da EAM. Utilizou um habeas corpus para realizar sua defesa em liberdade. Saiu ilegalmente do Brasil em 5 de setembro de 1937.
Antes de chegar à Espanha no dia 5 de abril de 1938, Gay da Cunha esteve no Uruguai, onde se filiou ao Partido Comunista, e na Argentina. Na madrugada do dia 5 de janeiro de 1938, o bote utilizado por José Gay da Cunha, Homero de Castro Jobim,Nelson de Souza Alves, Dinarte da Silveira e os irmãos Delcy Silveira e Eny Silveira quebrou e eles foram surpreendidos em território argentino, perto de San Fernando, no rio Paraná de las Palmas, pela Prefeitura Marítima. Os brasileiros se apresentaram como ex-militares, perseguidos políticos do governo Vargas e solicitaram asilo político. Entretanto, foram presos em Buenos Aires, permanecendo isolados e sob constantes interrogatórios. No dia 25 de janeiro de 1938 finalmente conquistaram a liberdade. Entre os meses de fevereiro e março de 1938, o grupo que estava na Argentina foi deixando o país paulatinamente, sobretudo devido a constante vigilância policial. Enquanto José Gay da Cunha e Hermenegildo de Assis Brasil “desapareceram”, deixando ilegalmente a Argentina em direção a Espanha, Delcy Silveira e os demais companheiros foram presos e interrogados. Uma vez soltos, se apresentaram à Embaixada da República Espanhola na capital argentina, a qual emitira os documentos necessários para deixarem o país.
Nelson de Souza Alves, Dinarte da Silveira e os irmãos Delcy Silveira e Eny Silveira quebrou e eles foram surpreendidos em território argentino, perto de San Fernando, no rio Paraná de las Palmas, pela Prefeitura Marítima. Os brasileiros se apresentaram como ex-militares, perseguidos políticos do governo Vargas e solicitaram asilo político. Entretanto, foram presos em Buenos Aires, permanecendo isolados e sob constantes interrogatórios. No dia 25 de janeiro de 1938 finalmente conquistaram a liberdade. Entre os meses de fevereiro e março de 1938, o grupo que estava na Argentina foi deixando o país paulatinamente, sobretudo devido a constante vigilância policial. Enquanto José Gay da Cunha e Hermenegildo de Assis Brasil “desapareceram”, deixando ilegalmente a Argentina em direção a Espanha, Delcy Silveira e os demais companheiros foram presos e interrogados. Uma vez soltos, se apresentaram à Embaixada da República Espanhola na capital argentina, a qual emitira os documentos necessários para deixarem o país.
José Gay da Cunha combateu como tenente de infantaria na 143.ª Brigada Mista, 569.º Batalhão (onde exerceu a função de chefe de seção, chefe de companhia e professor da escola de cabos e sargentos), 1ª Companhia – abril de 1938 a 4 de setembro de 1938; 24.º Batalhão de Metralhadoras Motorizado e 24.ª Divisão do X Corpo de Exército – 4 de setembro a 30 de setembro de 1938. Participou da ofensiva de Baladredo (julho de 1938) e da batalha do Ebro (setembro de 1938). No final de 1938, incorporou-se à XV Brigada, onde chegou a comandar seu estado-maior nos últimos momentos da guerra, quando organizou a retirada dos brigadistas.
José Gay da Cunha lançou o primeiro relato autobiográfico sobre a participação de um voluntário brasileiro que lutou ao lado das forças militares republicanas. Cinco décadas mais tarde seria a vez de Apolônio de Carvalho lançar o livro Vale a pena sonhar (1997). No momento da publicação do livro Um brasileiro na guerra espanhola em 1946, o ex-combatente havia se tornado oficialmente membro do Partido Comunista do Brasil (PCB). A bordo do navio francês Belle Isle, que transportava café e carnes congeladas, José Gay da Cunha e Hermenegildo de Assis Brasil partiram com destino à França.
Em Paris, os brasileiros hospedaram-se no Hotel Aviador, então sede de uma organização norte-americana de ajuda à Espanha republicana. Gay e Assis Brasil tiveram a oportunidade de conhecer alguns ex-combatentes cubanos e norte-americanos, na sua maioria estudantes, que voltavam para casa após alguns meses lutando na frente de Madrid. No dia seguinte, Gay e Assis Brasil se juntaram ao major Carlos da Costa Leite num trem a caminho de Perpignan. Na companhia de três italianos, quatro cubanos e dois iugoslavos, os três brasileiros atravessaram os Pirineus. Já em Port Bou os voluntários foram recebidos pelo capitão Diaz, chefe militar que os atendeu poucas horas depois de um bombardeio. Hospedados temporariamente num hotel subterrâneo, onde vivia boa parte da população de Port Bou, os combatentes partiram para a estação com o intuito de tomar um trem para Barcelona. A primeira parada seria em Figueiras, no posto de treinamento das Brigadas Internacionais. Chegando lá, Gay notou certo nervosismo entre a população da cidade, especialmente devido à retirada do Exército Popular Republicano. De fato, houve certa apreensão entre os brasileiros, uma vez que, logo na chegada ao posto de recrutamento das Brigadas, quinze voluntários foram surpreendidos e presos tentando atravessar a fronteira com a França, numa tentativa de fuga face à ofensiva das tropas franquistas em Huesca. Dirigindo-se ao posto de comando, num antigo convento na cidade de Fortiá, Gay, Assis e Costa Leite preencheram fichas de filiação ao Partido Comunista Espanhol (PCE) que deveriam ser remetidas ao quartel-general das Brigadas Internacionais. Após uma viagem desgastante de quase dez horas, os brasileiros finalmente chegaram a Barcelona, apresentando-se a sede do Ministério da Defesa. Nemo Canabarro Lucas, Assis e Gay foram designados para servir na Agrupação Norte do Exército do Leste, já Costa Leite aguardava ser chamado pelo Comando de Artilharia.
Após receberem um salvo-conduto de dez dias para permanecer em Barcelona, Gay da Cunha notou que a escassez de cigarros e de alimentos assolava a população catalã, já tão castigada pelos bombardeios aéreos lançados pelos aviões nacionalistas, que ceifaram as vidas de mais de 200 crianças bascas refugiadas. Combalidos pela fome e pelos bombardeios, Nemo, Assis e Gay despedem-se do “velho Costa” e marcham para o front. Antes deveriam apresentar-se à sede da Agrupação do Norte, na cidade de Artesa do Segre. No quartel-general recebem ordens para serem incorporados ao X Corpo do Exército, cuja maioria era formada por madrilenhos. Posteriormente, os combatentes foram separados em grupos de cerca de vinte oficiais para cada divisão.
Já os brasileiros iriam para as três unidades que atuavam no setor dos Pirineus: Nemo para a 34ª; Assis para a 31ª; Gay da Cunha para a 24ª, onde comandou soldados, sargentos e oficiais do 1º Batalhão. Durante os últimos preparativos para a ofensiva de Baladredo, o ex-combatente conhecera o comandante Rocés, poeta e escritor anarquista, também conhecido como velho dirigente da Federação Anarquista Ibérica (FAI, grupo criado em 1927). José Gay da Cunha havia acumulado as funções de comandante e chefe de um pelotão. Dois de seus pelotões, comandados por Sanz Ambell e Garcez, deveriam proteger o povoado de Les Lagunes, já o terceiro ocuparia a chamada “cota 1515” – perigosamente localizada dentro das posições franquistas. Seguindo as ordens do comando do batalhão, o ex-combatente escolheu para o seu pelotão a defesa da cota 1515, instalando-se nos refúgios e nos ninhos de metralhadoras. As únicas armas disponíveis eram as granadas de mão, em decorrência da curta distância que os separavam das linhas inimigas.
Numa de suas investidas utilizando granadas, Gay da Cunha conseguiu capturar um prisioneiro, o jovem tenente de infantaria D. Vicente Sanchez Uriondo, natural de Navarra. No reencontro com o comandante Rocés, Gay da Cunha recebeu a notícia de que todos deveriam seguir em direção à frente do Ebro. Durante a conversa foi-lhe oferecido também o cargo de instrutor da escola de sargentos que se organizava naquela Brigada. Durante a ofensiva do Ebro, sofreu ferimentos graves nas pernas devido a estilhaços de morteiro. Após se recuperar no hospital de Moyá, o ex-tenente aviador tornou-se em fins de 1938 chefe de Estado-Maior da XV Brigada Internacional, sendo responsável pelo centro de desmobilização em Cassá de la Selva, cidade da Catalunha onde estavam agrupados os antigos voluntários do batalhão Abraham Lincoln e os sul-americanos da Brigada Garibaldi.
No dia 9 de fevereiro de 1939, perante o presidente Juan Negrín, o coronel Antonio Cordón, Ministro da Guerra, André Marty, comandante das Brigadas Internacionais, e à frente dos duzentos e sessenta e seis combatentes latino-americanos da XV Brigada (criada em janeiro de 1937), José Gay da Cunha comandou sua última ação em território espanhol. Os voluntários que ainda permaneceram na região fronteiriça com a França pegaram em armas, pela última vez, em fevereiro de 1939 para defender a República frente ao avanço dos rebeldes. Os soldados e civis republicanos que cruzaram a fronteira da Catalunha com a França nesse período foram detidos de imediato pelas autoridades hostis nos campos de internamento, onde a falta de atendimento médico e abrigo geraram enormes estragos entre os internos, já debilitados pelas privações trazidas pelo conflito.
Em 28 de março de 1939, as tropas comandadas pelo general Francisco Franco entraram na capital. No dia 1º. de abril de 1939 se proclamou oficialmente o fim da guerra. No dia 15 de março de 1939 inaugurou-se o campo de Gurs, nos Pirineus, para receber os refugiados da Espanha, onde quase todos eram formados por ex-brigadistas que não podiam regressar a seus países de origem, pois eram considerados “estrangeiros indesejáveis”. Por esse campo passaram cerca de 6.808 voluntários estrangeiros entre os meses de abril/1939 e maio/1940. José Gay da Cunha tornou-se um dos principais quadros de direção durante os últimos dias da retirada e dos brigadistas latino-americanos reclusos em Gurs, contribuindo para que os ex-combatentes conseguissem se exilar no México ou em outros países que porventura aceitassem o repatriamento. Em dezembro de 1939, Gay da Cunha recebeu da embaixada brasileira um passaporte que o permitiu embarcar no navio Mendonza em Marselha, chegando a Buenos Aires por volta de março de 1940. O personagem estabeleceu contato com exilados brasileiros em Montevidéu e passou a trabalhar num desmanche de navios. Foi neste período que conheceu a pianista argentina Eugênia Aronovich, com quem se casou em fevereiro de 1941. Em carta datada de 17 de março de 1942, desde Montevidéu, o exilado José Gay da Cunha escreveu ao ministro Osvaldo Aranha se oferecendo para “servir ao Brasil, em qualquer momento e em qualquer sítio que me seja designado, na luta contra o fascismo”.
Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos aliados, Gay da Cunha retornou clandestinamente ao país com a finalidade de ingressar na Força Expedicionária Brasileira (FEB), porém foi preso e enviado para Ilha Grande, de onde conseguiu fugir, retornando para a Argentina em 1943. Quando retornou ao Brasil, em 1945, tornou-se membro do PCB e participou de diversos comícios eleitorais no Rio Grande do Sul. Em meados de 1945, os comunistas criaram a Editora Libertação S.A., dirigida por Dyonélio Machado e José Gay da Cunha, este último responsável pela parte comercial. Através do semanário, o PCB gaúcho defendeu a redemocratização da sociedade brasileira por uma via pacífica e divulgou as ações do partido no estado, promovendo campanhas em favor dos candidatos comunistas às eleições de 1945 e debatendo problemas socioeconômicos, principalmente a miséria e os altos preços da carne e do leite. José Gay da Cunha militava na cidade de Santana do Livramento/RS quando a agremiação foi posta na ilegalidade, em maio de 1947. Exilou-se no Uruguai, em 1949, retornando definitivamente para o Brasil em julho do mesmo ano. Logo em seguida foi expulso do PCB em comunicado publicado no jornal A Tribuna, órgão oficial do partido.
Nesse período, trabalhou como comentarista político do jornal A Hora, periódico de Porto Alegre/RS que circulou entre novembro/1954 a março/1962. Em 1955, Gay da Cunha foi aprovado no concurso para a Caixa Econômica Federal. Entre os meses de agosto e setembro de 1961, aderiu à campanha em defesa da legalidade da posse do vice-presidente João Goulart na presidência da República, em virtude da renúncia do então presidente Jânio Quadros. Retomou seus estudos, graduando-se em Direito em 1964, sendo em seguida transferido para o setor jurídico da Caixa Econômica Federal. Em março de 1975, foi detido por 10 dias com mais 13 pessoas, acusado de tentar rearticular o PCB no estado do Rio Grande do Sul e de agir como intermediário da entrada no país de dólares enviados pelo Partido Comunista Argentino para organizar ajuda financeira às famílias dos presos políticos brasileiros. Libertado no mesmo mês para aguardar julgamento, acusou o PCB de ter utilizado sua amizade com o militante comunista Dinarco Reis para facilitar a entrada do dinheiro no país.
Livre das acusações, José Gay da Cunha mudou-se para a Bahia, onde viveu por um ano e meio. Depois transferiu-se para a cidade de São Paulo, onde recebeu ameaças de morte da organização paramilitar de extrema-direita intitulada Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Em 1982, sofreu um infarto grave. Faleceu aos 76 anos, em 24 de agosto de 1987, na cidade de São Paulo, deixando nove filhos e a companheira Eugênia Aronovich.
Obra
Bibliográfica
- (com Marcos Faerman) “Um brasileiro na guerra espanhola”, O Estado de S. Paulo (julio 12 de 1986): 2.
- “La bandera de la brigada”. In: André et al Malraux. Los que fueron a España, 153-165. Buenos Aires: Editorial Jorge Álvarez, 1966.
- Carta a Osvaldo Aranha, Montevidéu, 17 de março de 1942. Arquivo Pessoal de Osvaldo Aranha, rolo 18, f. 756. Centro de Pesquisa e História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Rio de Janeiro
- Questionário elaborado por Paulo Roberto de Almeida. São Paulo, 18 de setembro de 1979
- Questionário elaborado por Paulo Roberto de Almeida. São Paulo, 7 de novembro de 1979
- Um brasileiro na guerra espanhola. Porto Alegre: Globo, 1946.
Cómo citar esta entrada: Pereira, Marco Antônio Machado Lima Pereira (2021), “Cunha, José Gay da”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org