CANELLAS, Antônio Bernardo (Niterói, Estado do Rio de Janeiro, Brasil, 18/04/1898 – Niterói, Estado do Rio de Janeiro, Brasil, 1936).
Jornalista e tipógrafo anarquista, entusiasmouse-se com a Revolução Bolchevique, conhecido por sua polêmica participação no IV Congresso da Internacional Comunista em 1922.
Nasceu em Niterói, em 18 de abril de 1898. Seus pais, ou seus tios, teriam sido donos de um pequeno estaleiro naquela cidade, vizinha da então capital federal brasileira, o Rio de Janeiro.
Pouco antes de completar 18 anos, Canellas, sem instrução superior, vai para a cidade de Viçosa, no interior do estado de Alagoas, no Nordeste brasileiro, editar o jornal operário Tribuna do Povo. O primeiro número sai em 17 de janeiro de 1916 e o editorial de apresentação declara “somos socialistas, amigos da liberdade e filhos do povo, vimos a pugnar pelos direitos dos oprimidos e a assumir um posto de sacrifício”. As primeiras edições fazem críticas à política econômica do governo federal brasileiro enquanto matérias menores comentam o desenrolar da guerra na Europa. Com o passar do tempo, a guerra vai ganhando destaque e também notícias sobre a revolução na Rússia começam a aparecer. Foram ao todo 18 edições ao longo de um ano realizadas pelo “redator-tipógrafo – Antonio Canellas”, praticamente sozinho. Na última edição, de 8 de janeiro de 1917, o editor despede-se alegando dificuldades materiais. Canellas muda-se em seguida para Maceió, a capital do estado de Alagoas onde irá editar, a partir de 30 de Março de 1917, com a ajuda de Otávio Brandão, o jornal A Semana Social, definido como “Órgão Político, Literário e Noticioso”. Os temas tratados, como em seu jornal anterior, são a guerra na Europa, a revolução na Rússia e, a partir do número 03, críticas à possibilidade de o Brasil declarar guerra à Alemanha, o que ocorrerá em 26 de outubro de 1917. A edição de 3 de novembro é toda dedicada a criticar não apenas “o atentado governamental contra a vida e o sossego do povo”, mas também “os patriotas [que] semeiam ódio para colher frutos de sangue”. A sede do jornal foi apedrejada enquanto manifestantes nacionalistas acusavam os editores de traição e pediam “morte a Canellas”.
Canellas abandona Maceió e parte para o Recife, capital de Pernambuco, onde, depois de trabalhar como revisor no Diário de Pernambuco, funda um terceiro jornal, com o mesmo nome do primeiro, Tribuna do Povo, órgão da Federação de Resistência das Classes Trabalhadoras que alegava reunir 27 sindicatos. Cristiano Cordeiro, pernambucano que viria a ser um dos nove fundadores do PCB, será seu principal colaborador e dirigirá o jornal quando Canellas embarcar para sua primeira viagem à Europa, no dia 21 de janeiro de 1919, com a missão de representar a Federação de Resistência das Classes Trabalhadoras na I Conferência dos Sindicatos Anarquistas, em Amsterdã. Mas, desembarcando primeiro em Paris foi impedido de seguir para Amsterdã e permaneceu na capital francesa até retornar ao Brasil, em 6 de setembro.
Canellas que, assim como muitos anarquistas, entusiasmara-se com a Revolução Bolchevique, voltou à França em 1920, pretendendo chegar à Rússia dos Soviets para conhecê-la de perto. Por causa do bloqueio europeu à Rússia (Cordão Sanitário), enfrenta dificuldades para chegar ao seu destino e para aliviar sua preocupante situação financeira passa a colaborar na imprensa operária francesa. Em 15 de novembro de 1920, publica um artigo na revista anarquista Temps Nouveaux em que afirma, “o raciocínio dos libertários [anarquistas, na América do Sul] é o seguinte: se for possível ir diretamente ao anarco-comunismo, iremos; se for necessário, antes, passar pela ditadura do proletariado, passaremos”.
Em março de 1922 é fundado o Partido Comunista Brasileiro. Mesmo ausente, Canellas é eleito para a Comissão Central Executiva e indicado para representar o PCB no IV Congresso da Internacional Comunista naquele mesmo ano. Sua orientação anarquista não é vista como problema por aqueles que o escolheram porque é compartilhada por quase todos os fundadores do PCB naquele momento.
Canellas aceita sua missão e em 15 de setembro, com 24 anos, sai da Alemanha a bordo do navio Silésia, a caminho da Rússia onde ficará aproximadamente três meses. Embora o PCB ainda não fosse membro da IC, Canellas é aceito com direito a voto. Sua participação no IV Congresso foi problemática: defendeu os maçons dentro do Partido Comunista Brasileiro, mesmo após Trotsky ter feito um discurso de guerra contra esses membros no mesmo congresso. Ele escreveu no Bolshevik, órgão de comunicação dentro do congresso, que o PCB possuía “alguns bons camaradas maçons, cuja atuação revolucionária dentro da maçonaria é notável e bem conhecida”.
Além destas declarações mal-vistas, Canellas foi contra uma moção sobre votar o novo Comitê Executivo do Partido Comunista Francês, pois achava que o assunto ainda não havia sido discutido a contento, tendo sido ele o único opositor.
Como resultado, em dezembro de 1922, o Comitê Executivo da Internacional Comunista lançou um relatório no qual afirmava que o PCB ainda não era um verdadeiro partido comunista e sobre o mesmo partido declarava “ele contém resíduos de ideologia burguesa, resíduos sustentados pela presença da Maçonaria e é influenciado por preceitos anarquistas o que explica a estrutura descentralizada e a confusão em relação à teoria e táticas comunistas” e sobre Canellas que “ainda não estava livre da confusão ideológica que reinava em seu partido”. Foi assim que o PCB foi aceito apenas como partido simpatizante na IC. Por fim, o relatório dizia que o partido deveria aprender como melhorar com a Agência Sul-americana de Propaganda da Terceira Internacional. Não bastasse a sua já delicada situação, Canellas escreveu uma réplica ao relatório dizendo que o Comitê Executivo da Internacional estava cometendo erros atrozes que poderiam fazer com que a Internacional perdesse prestígio no Brasil. Nesse momento ele diria que eram apenas três os maçons dentro do partido e que a agência sul-americana de propaganda da Terceira Internacional era um mito.
Canellas desembarca no Rio de Janeiro, no dia 29 de janeiro de 1923. Seus colegas de partido, mesmo sabendo que o PCB ainda não fora aceito como membro pleno da IC, convidam-no para diretor da editora e livraria do PCB que começaria a funcionar legalmente. De fevereiro a abril, dedica-se a essa tarefa. Mas em abril o PCB recebe um comunicado de Moscou sobre um enviado que iria ao Rio com mandato especial do Comitê Executivo da IC para resolver com os dirigentes brasileiros “questões pendentes”. Antes mesmo da chegada do emissário, são feitas reuniões para discutir o relatório de Canellas e a Comissão Central Executiva do PCB afirma que Canellas não estivera realmente representando o partido e que deveria realizar uma autocrítica. O comitê também exigiu que seus membros escolhessem entre a maçonaria e o partido.
Em 7 de junho de 1923 Canellas é preso sob suspeita de participar de preparativos para uma insurreição contra o presidente Artur Bernardes. Será libertado apenas em 30 de agosto. Pede demissão da executiva e do PCB e em resposta o partido o suspende. Em novembro de 1923 ele publica o seu «Relatório da Delegacia à Rússia», tornando o impasse, que até então era discutido internamente, em questão pública, criticando abertamente o PCB por aquilo que ele via como submissão cega à IC. No dia 30 de novembro a CCE expulsa Canellas do PCB e o declara inimigo da Internacional Comunista e traidor da causa proletária. Por volta de 9 de janeiro de 1924, o emissário Rodolfo Ghioldi chega ao Brasil. Ghioldi recomenda à IC que aceite o PCB como membro, o que se dará cinco meses depois. O partido publica em livro sua resposta a Canellas: «O Processo de um Traidor» sai em junho de 1924.
Expulso do PCB, Canellas se aproximará do movimento tenentista e, editando seu quarto jornal, O 5 de julho (o nome é uma homenagem ao levante dos tenentes do Forte de Copacabana, em 1922), relatará toda a campanha da Coluna Prestes pelo interior do Brasil. Canellas estava desligado do PCB já havia 12 anos quando irrompeu a tentativa de insurreição comunista de 1935 e mesmo assim foi preso na onda de grande repressão política que se seguiu.
Morreu de tuberculose, meses depois de ser libertado, ainda em 1936, aos 38 anos. Teve um único filho que viu falecer ainda na adolescência sem deixar outro descendente.
Obra
- Conferencias systematicas em propaganda da «Colmeia». 1a. conferencia : Uma obra necessaria, Recife, Typ. «Tribuna do Povo», 1920.
- Relatorio da viagem á Europa, Pernambuco, s. ed ., 1920.
- «Relatório da delegacia à Russia, como representante do PCB, acompanhado de uma exposição dos motivos que determinaram a minha demissão do CEE do Partido», Rio de Janeiro, s. ed ., 1923.
- «Questões Profissionais da Indústria do Livro», Rio de Janeiro , s. ed ., 1924. Reeditado como: Questões Profissionais da Indústria do Livro, São Paulo, Com-Arte, 2016.
Traduções
- Sébastien Faure, La Ruche = A colmeia, [Rio de Janeiro], [Antônio B. Canellas],[c. 1919].
- Sébastien Faure, Como se deve educar. Modesto tratado de educação physica, intellectual & moral, [Recife], [Antônio B. Canellas], 1920.
Cómo citar esta entrada: Astolfi, Roberta (2019), “Canellas, Antônio Bernardo”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org