BEZERRA, Gregório Lourenço. (Panelas, 13/03/1900 – São Paulo, 21/10/ 1983).
Nascido no dia 13 de março de 1900, na cidade de Panelas de Miranda, em Pernambuco, desde muito cedo Gregório Lourenço Bezerra conheceu as dificuldades da vida no sertão Brasileiro, tendo mesmo experimentado a fome. Segundo suas memórias, “nasci faminto e faminto fui vegetando e crescendo ao léu da sorte” (pág. 7). Filho de uma família camponesa, de pais paupérrimos e analfabetos, via constantemente seus familiares emigrarem fugindo da seca.
Órfão desde os seis anos, “grilo”, apelido adquirido por ser “muito magro e de pernas muito finas” (pág. 10), foi criado pela avó materna, tendo desde muito cedo trabalhado na lavoura. Seguindo a falsa promessa de um dono de terras de que lhe levaria à capital do estado, Recife, para estudar, Bezerra se viu obrigado ao trabalho doméstico, de serviçal. Logo fugiu de tal condição, indo viver nas ruas, onde passou a exercer diversas profissões e conheceu a violência nas disputas pelo espaço. Com a ajuda de amigos, tornou-se operário da construção civil e depois estivador.
O ano de 1917, sob a influência da Revolução Russa, foi marcante para o mundo e para o jovem Bezerra. Participando das agitações que percorreram muitas das capitais brasileiras, acabou preso, ficando na cadeia por cinco anos. Ao sair dessa que seria a primeira de suas muitas prisões, Bezerra teve dificuldades de entrada no mercado de trabalho. Decidiu seguir ao Rio de Janeiro, então capital do país. Ali, em uma época de agitações do movimento tenentista, conseguiu emprego no Serviço Geográfico Militar, onde, aos vinte e cinco anos, aprendeu a ler.
Em 1926, entrou para a Escola de Sargentos. Em 1929, retornou a sua cidade natal para casar com Maria Silva, com quem terá dois filhos. Em 1930, já simpatizante da “Revolução Russa” e do “Partido Bolchevique”, o sargento Gregório Bezerra se filia ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Os contatos com o PCB já vinham sendo feitos desde 1928, quando de sua chegada ao Recife. Contudo, apesar de suas simpatias e de ser militar, Bezerra temia não se adequar à disciplina férrea do partido e de ter de abrir mão de seus interesses pessoais. Após muitas reflexões, como lembra Bezerra, “mandei aos infernos todas as minhas vacilações e ingressei nas fileiras do PCB” (pág 214).
Clandestinamente, passou a dar suporte às ações empreendidas pelo partido, cobrindo seus militantes de ataques das forças conservadoras e anticomunistas. Como lembra, “o elemento que me recrutou proibiu-me de fazer qualquer tarefa no setor civil e de me declarar comunista para melhor desempenhar minhas funções nas tarefas do setor militar” (pág. 217).
Apesar de suas simpatias pela chamada revolução de 1930, o jovem sargento seguiu as orientações do PCB, que dela não participou, limitando-se a “cumprir meus deveres como soldado. Se o PC tivesse apoiado a revolução liberal, eu teria sido um revolucionário ardoroso” (pág. 216).
Além de seus outros afazeres na vida militar, Bezerra tinha ótimo desempenho nas competições desportivas, o que o levou a matricular-se na Escola de Educação Física do Exército, em Fortaleza, no Ceará. Já como instrutor de educação física, foi designado para o Colégio Militar de Fortaleza. Ali, organizou os primeiros núcleos comunistas da cidade, no setor militar.
Bezerra participou ativamente das atividades da Ação Nacional Libertadora (ANL), ampla frente política que trazia articulados tenentistas, liberais e comunistas, e propugnava por bandeiras como reforma agrária, nacionalização das empresas estrangeiras, suspensão da divida externa e liberdades democráticas. O crescimento das atividades da ANL fez com que o governo de Getúlio Vargas encerrasse suas atividades.
Esse ato deslocou os comunistas para um novo patamar de luta. Recebendo suporte de Moscou, o PCB tentou a conquista do poder pela via de levantes nos quartéis, que acabou fracassando. Como em outros casos, nos levantes em Pernambuco, a rebelião sob liderança comunista obteve fraco apoio popular. Bezerra esteve entre suas lideranças, tendo sido ferido à bala em uma das ações.
Vencida a revolta por todo o país, alastrou-se um duro processo repressivo que caiu sobre os revoltosos e suas bases de sustentação. Isso seria uma prévia do que viria em 1937 com a ditadura do Estado Novo. O PCB foi praticamente destroçado, com suas lideranças e militantes na cadeia, sofrendo os mais duros tratos. Bezerra lembra que, depois de uma das muitas sessões de tortura, seu corpo “era um hematoma só. As pernas não se moviam, os braços pouco podiam mexer-se, dores atrozes sentia em todo o corpo” (pág. 254). No caso do nordeste, a estrutura do partido, pode-se dizer, ficou praticamente incólume, ainda que o setor militar tenha sido duramente atingido.
Bezerra, como Luiz Carlos Prestes e muitos outros, ficou na prisão até 1945. No período no qual seu irmão José Bezerra foi morto na tortura, passou pelos cárceres da Casa de Detenção do Recife, do Arquipélago pernambucano de Fernando de Noronha e da Ilha Grande no Rio de Janeiro. Por fim, da Casa de Detenção da rua Frei Caneca no Rio de Janeiro, onde, seguindo requisição do chefe de polícia do governo Vargas, dividiu cela com Prestes. Bezerra achou uma honra, tirando proveito da situação: “não só ia conhecê-lo, como orientar-me politicamente e melhor compreender a situação política do Brasil, em face do governo Vargas” (pág.310).
Os ventos começam a mudar. O governo Vargas encontrava-se em uma encruzilhada, tendo de se confrontar com o crescimento da oposição democrática e sendo uma ditadura que se aliara e entrara na guerra junto às potências contrárias ao nazifascismo. Buscando espaços de ação, Vargas fez movimentos de aproximação aos trabalhadores, e começou uma abertura política, concedendo anistia aos presos políticos. Vargas tenta manter-se no poder na transição à democracia.
Em 1943, os grupos que mantiveram a atuação do PCB realizaram a Conferência da Mantiqueira e reorganizaram o partido enquanto tal, elegendo Prestes, ainda na prisão, como seu Secretário-geral. O eixo da ação do partido seguiu na lógica da frente contra o fascismo. Isso fez com que houvesse uma aproximação conjuntural de interesses entre Vargas e o PCB.
Dentro e fora das prisões sente-se a efervescência das discussões e dos debates políticos. Trazido a vida legal, com seus militantes atuando livremente, o PCB viu sua força crescer. Saído da prisão, Bezerra retornou a Pernambuco para o trabalho de re-organização do partido, no qual se engaja de corpo e alma, conseguindo importantes resultados.
Na participação nas eleições de 1945, o partido auferiu cerca 10% dos votos para presidente, formou a quarta bancada da Assembléia Nacional Constituinte, bem como teve expressiva participação nos legislativos municipais. Gregório Bezerra foi eleito deputado federal, com grande votação, e tomou parte da bancada do PCB na Constituinte. Ali participou dos grandes debates acerca dos destinos da nação. A vida de atuação dos comunistas se desdobrava dentro do parlamento e nas organizações populares. Porém, seria breve esse período de oxigenação da vida política nacional. Com ao ascenso das greves e das reivindicações operárias e das primeiras lufadas da Guerra Fria, não tardou para que o conjuntura recrudescesse para os comunistas. Em breve verão, seu partido foi banido da legalidade, com seus parlamentares cassados e com suas sedes fechadas. O partido deixou a linha mais reformista de “política de união” para uma mais radical que propunha a preparação imediata do processo revolucionário.
Bezerra foi seqüestrado por forças policiais no Rio de Janeiro e levado à cidade de João Pessoa, onde foi preso sob falsa acusação, sendo depois transferido para Recife. Absolvido dessa armação, em 1949, Bezerra optou por entrar na clandestinidade. Como ele afirma, “depois de 18 meses de cárcere, num processo grotesco, comecei um período de nove anos de dura clandestinidade” (Pág. 82). Ali, continuou seu intenso trabalho em prol do avanço das lutas operárias no Brasil. Deslocava-se constantemente, vivendo em muitos estados do país. Seu foco maior era a criação de organizações de trabalhadores rurais (ligas camponesas) e de luta pela reforma agrária. A partir de meados dos anos 1950, o quadro se reverteu um pouco. O PCB foi varrido pelos debates da desestalinização depois de 1956. Bezerra chegou a ser enviado pelo partido ao nordeste a fim de reduzir os impactos das denúncias dos crimes de Stalin. Em seu périplo, acabou preso e enviado ao Rio de Janeiro. O partido foi mudando na prática suas orientações e aproximando-se da formação de uma aliança com os setores trabalhistas e nacionalistas. Isso fez com que a parcela mais organizada e ativa do movimento dos trabalhadores ficasse sob a hegemonia dessa aliança. A partir de 1958, destacados nomes do comunismo brasileiro começam a sair da clandestinidade.
A entrada dos anos 1960 experimentou uma radicalidade em termos políticos no país. O governo do trabalhista João Goulart e a bandeira das “Reformas de base” marcaram a cena da forte presença dos movimentos sociais no debate público. As forças conservadoras não viram com bons olhos o que para elas seria a “implantação de uma República sindicalista no Brasil” e começaram a tramar a queda de Jango. A possibilidade de um golpe político mexia com os ânimos das diferentes forças em disputa. Dando continuidade ao seu trabalho junto aos camponeses, em 1963, participou da organização de uma greve de 200 mil trabalhadores nos canaviais de Pernambuco, que paralisou toda a região açucareira do estado.
Frente à possibilidade do golpe, Bezerra tentou preparar uma reação dos camponeses pernambucanos. Em 1964, apesar dos preparativos terem recebido apoio dos trabalhadores rurais, precipitado o golpe civil-militar, Bezerra, dada à falta de armamentos, e temendo um massacre, desmobilizou a resistência. Como lembra, “tinha feito o possível para mobilizá-los e prepará-los espiritualmente para a luta. E, justamente quando era chegado o momento, não tinha armas! Era forçado, agora, a desmobilizá-los” (pág. 193). Ao realizar esse trabalho, Bezerra foi preso terminando no Quartel de Motomecanização. Em um ato de barbárie, após ser torturado, de maxilar quebrado e bexiga rompida, Bezerra foi arrastado pelas ruas com uma corda no pescoço, tendo os seus pés imersos em solução de bateria de carro. Julgado em 1967, foi condenado a dezenove anos de prisão, sob a acusação de atos subversivos no meio rural.
As ações de resistência ao regime de exceção tomaram corpo. Uma das formas de luta foi a resistência armada. A prática do seqüestro foi inaugurada no país. O embaixador americano foi o primeiro alvo dessa prática. Em troca de sua libertação, uma lista de presos foi elaborada. O nome de Bezerra encabeçava a lista. Em 1969, foi libertado e banido do país junto com outros presos. Ali terminaria a seqüência de prisões que, ao longo de sua vida, lhe roubou cerca de vinte e dois anos de liberdade. Levado ao México, foi a Havana e depois a Moscou, onde viveu o longo exílio de uma década. Ao longo dos anos 1970, com as derrotas eleitorais da ditadura militar, o avanço dos movimentos reivindicativos avançasse no processo de abertura política e transição democrática (esta frase está esquisita). A lei de anistia, de 1979, abriu espaço para o retorno dos militantes exilados. Bezerra estaria entre eles, retornando em setembro de 1979. Em solidariedade a Prestes, afastado do cargo de secretário-geral do PCB em seguida ao seu retorno, Bezerra saiu do Comitê Central e mais tarde do partido, filiando-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Por esse partido foi candidato a deputado federal em 1982, não sendo eleito. Em 23 de outubro de 1983, na cidade de São Paulo, morre Gregório Bezerra.
Obra
Memórias, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979. 2v.
Cómo citar esta entrada: Santana, Marco Aurélio (2019), “ Bezerra, Gregório ”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org