BASBAUM, Leôncio (Recife, Brasil, 06/11/1907 – São Paulo, Brasil, 07/05/1969).
Militante comunista, editor e escritor.
Leôncio Basbaum nasceu no dia 6 de novembro de 1907 na cidade de Recife. Filho de judeus refugiados provenientes da Bessarábia, não teve uma infância difícil. Sua mãe, Clara Basbaum, conseguia dedicar-se à casa e aos filhos, enquanto seu pai, Isaac Basbaum, tornou-se vendedor de joias na cidade e, com o auxílio de dois irmãos mais velhos de Leôncio – Adolfo e Salomão –, conseguiu levantar uma renda razoável para a família. Os outros filhos do casal – José, Paulina, Artur, Naum, Sara, Dina e Mário Gustavo – tiveram maior liberdade de escolha.
Os dois primeiros, os mais velhos, saíram cedo de casa, enquanto os demais puderam desfrutar dos resultados financeiros dos negócios do pai. Tal fato proporcionou a Leôncio Basbaum a oportunidade de dedicar-se somente aos estudos durante sua educação básica, obtendo resultados satisfatórios – com exceção da cadeira de latim, na qual teve uma dificuldade particular. Ainda durante sua infância, logo após completar 11 anos, o episódio que marcou a trajetória da personagem foi a derrocada da Tríplice Aliança na Primeira Guerra Mundial (1914-1918); a vitória da Tríplice Entente foi recebida com festas e passeatas em Pernambuco, o primeiro grande evento político visto por Basbaum e rememorado até seus últimos anos.
Graduando-se com méritos acadêmicos no Ginásio Carneiro Leão, em 1924, o jovem judeu foi capaz de ser admitido no vestibular para iniciar a faculdade de medicina na Universidade do Rio de Janeiro – atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – no mesmo ano. Foi nessa cidade, ao encontrar-se com Astrojildo Pereira em um café – por intermédio de Manoel de Souza Barros, autor de Situação da Classe Trabalhadora em Pernambuco –, que Basbaum entrou em contato com suas primeiras leituras marxistas: ABC do Comunismo (1920), de Nikolai Bukhárin, e Agrarismo e Industrialismo no Brasil: Ensaio Marxista-Leninista da Revolta de São Paulo e a Guerra de Classes no Brasil (1926), de Octávio Brandão.
Quanto mais Basbaum lia e debatia sobre o comunismo e a política internacional, mais ele se aprofundava nas tarefas partidárias que estava assumindo. Não obstante sua relutância em aceitar os convites de seus colegas, o estudante assinou sua filiação no Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 6 de maio de 1926, segundo consta sua memória. A partir desse momento, sua vida começou a ser dedicada ao partido quase que exclusivamente. Logo nos primeiros meses de militância, Basbaum foi colocado para cumprir uma atividade desafiadora: ministrar um curso sobre O Capital (a respeito do qual afirmou não possuir informações além das contidas no resumo da obra escrito por Gabriel Deville, O Capital de Karl Marx). O fato de essa missão ser delegada a um militante iniciante demonstra, ou que o partido carecia de braços – o que de fato ocorria, já que a sigla contava com, em torno, de 300 militantes na época, ou que suas habilidades como quadro partidário auxiliavam substancialmente a atividade organizativa da instituição. Ambos eram verdadeiros.
Foi devido a tal aptidão para o trabalho que Basbaum ocupou desde muito cedo uma posição no Comitê Central (CC). A integração ocorreu em janeiro de 1927, logo após o pernambucano realizar um relatório ao CC sobre a situação dos sindicatos e dos trabalhadores em Salvador e Recife. Ademais, foi incumbido na mesma reunião de organizar a construção da União da Juventude Comunista (UJC) –setor juvenil e estudantil ligado ao PCB– após o afastamento, em 1926, do vassoureiro Luís Peres, um dos fundadores do partido, o primeiro encarregado da juventude comunista. Juntamente com a estruturação da UJC, Basbaum foi responsável pela direção de O Jovem Proletário (1927-1928), semanário editado pelos quadros da juventude do partido, cuja tiragem máxima chegou a ser de mil exemplares. No ano de 1928, o pernambucano fez críticas contundentes à forma como o PCB tratava a UJC, afirmando que a entidade juvenil não havia crescido sob a tutela do partido e, por isso, deveria ter maior autonomia. Essa fala não é uma novidade absoluta, já que a querela sobre o nível de autonomia dos setores jovens dos partidos de esquerda já estava sendo discutida desde que se fundou a Federação Internacional da Juventude Socialista, atrelada à II Internacional, em 1907.
A fundação desse setor deu-se, oficialmente, no Rio de Janeiro, mas suas primeiras células nasceram justamente em Recife, quando Basbaum foi organizá-las na mesma ocasião que preparou o relatório sobre os sindicatos e trabalhadores. O à época estudante contatou dois colegas seus, Manuel Karacik e Francisco Mangabeira, visando obter ajuda para organizar a entidade, sendo prontamente atendido por ambos. A Juventude do PCB seguia, em linhas gerais, os indicativos da Internacional da Juventude Comunista (IJC), cujo posicionamento majoritário era o de submeter as organizações juvenis nacionais às suas respectivas seções nacionais da IC, ainda que membros isolados pudessem contestar tal estratégia, como o fez o próprio Basbaum. Em termos de agitação e propaganda, as juventudes partidárias deveriam ministrar cursos aos militantes iniciantes (principalmente adolescentes e adultos recém-formados) e publicar em periódicos do partido, tal como A Nação, no qual a personagem escreveu um texto sobre as condições precárias de trabalho para os jovens e a consequente necessidade da união dos trabalhadores recém-ingressos no mercado, com o intuito de reivindicar seus direitos. No âmbito burocrático, a UJC tinha direito a um lugar no CC do partido e voto deliberativo, cargo ocupado justamente pelo pernambucano.
Como representante dessa entidade, Basbaum foi encarregado de ir a Moscou, por ocasião do VI Congresso da IC e do V Congresso da IJC, em 1928. O acompanharam como delegados brasileiros Paulo Lacerda e José Lagos Morales, um espanhol que vivia no Brasil e representaria o partido no congresso da Internacional Sindical Vermelha (Profintern). Durante sua fala no V Congresso da IJC, o pernambucano expôs a situação dos jovens trabalhadores no país, demonstrando grande alarmismo enquanto sua condição material de vida e sua condição subjetiva revolucionária. No ano seguinte, participou também da delegação brasileira enviada à I Conferência Latino-americana dos Partidos Comunistas, juntamente com Mário Grazini e Danton Jobin.
Um hiato político ocorre em sua trajetória logo em seguida. O “obreirismo” –um desvio da orientação de “proletarização”–, provocou o afastamento gradativo do pensador da organização comunista. Ao invés de enraizar o partido nas massas trabalhadoras, o CC da Seção Brasileira da Internacional Comunista (SBIC) excluiu dos cargos decisórios os integrantes que não fossem pobres e genuinamente operários. Por ser filho de vendedor de joias, além de ter cursado ensino superior, Basbaum era considerado um pequeno-burguês, fato que culminou em seu afastamento do CC em 1930, conjuntamente com Paulo Lacerda. Ainda no mesmo ano, outros membros considerados de origem pequeno-burguesa foram retirados do CC e obrigados a fazer autocríticas, tais como Octávio Brandão e o próprio Astrojildo Pereira – Secretário Geral do partido desde 1922.
Basbaum não parou de militar imediatamente após seu afastamento do Comitê Central. O ano de 1930 marcou a ascensão de Getúlio Vargas ao poder executivo do Brasil. O recrudescimento da perseguição aos comunistas ocorreu desde o início de seu mandato. Dessa forma, Basbaum foi preso ainda no ano de 1930. Esta foi só a primeira de uma série de três cárceres aos quais foi submetido ao longo da década 1930, todos por razões políticas.
Em decorrência das prisões e de sua marginalização no partido, o pensador pernambucano decidiu dedicar-se ao gerenciamento dos negócios de sua família, as Lojas Brasil, um comércio varejista que vendia produtos variados. Derivou-se de tais ações o reforço da rotulação de burguês titulada a Basbaum, que é incorporada em sua autobiografia, através da nomeação desse ínterim como “Tempos Burgueses”. Ademais, em março de 1933 finalmente conseguiu seu diploma de médico, função que exerceria por pouco tempo durante sua vida. Ainda assim, em 1934, sua clínica lhe rendia um dinheiro razoável para sustentar seu casamento recente com Silvia Basbaum.
Ao voltar à atividade política, em 1943, auxiliou a SBIC a reorganizar suas células –já que repressão seguida ao levante de 1935 havia encarcerado a maior parte de seus militantes–, mas foi afastado da decisão final e oficial tomada pelo partido na Conferência da Mantiqueira (1943) –a Segunda Conferência Nacional do PCB–, que elegeu Diógenes de Arruda Câmara, Pedro Pomar, Maurício Grabois, Amarílio Vasconcelos, Francisco Gomes, Júlio César, Sérgio Holmos, Lindolfo Hill, Dinarco Reis, José Militão Soares, Armênio Guedes, José Medina Azevedo, Milton Cayres de Brito, Ivan Ribeiro, Leivas Otero, Mário Alves, Celso Cabral, João Amazonas e Álvaro Ventura para o CC e Luís Carlos Prestes como Secretário Geral.
Em seguida, o militante participou do empreendimento fundacional da Editorial Vitória, a maior editora do PCB no século XX, que publicou em torno de 179 obras entre 1944 e 1964 –ano que foi fechada pela ditadura militar brasileira (1964-1985)–, dentre as quais livros de Lênin, Marx, Engels, Stálin e muitos outros. Todavia, Basbaum só permaneceu no cargo durante o ano de 1945, quando o deixou para assumir funções na Comissão Nacional de Finanças. No ano que o militante dirigiu o editorial, a polícia política de Getúlio Vargas censurava a produção e circulação de livros subversivos, como já dito anteriormente, fato que resultou na edição de quase que exclusivamente romances –tais como obras de Charles Dickens, Liev Tolstoi e Máximo Gorki. As exceções ocorreram já em 1945, mas são restritas a Duas Táticas da Social-democracia na Revolução Democrática, de Vladimir Lênin; História do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS, do Partido Comunista da União Soviética (PCURSS); e o Compêndio de História da Filosofia (Escrito por historiadores do Instituto de Filosofia da Academia de Ciências da URSS), de organização de A. V. Shcheglov.
Entre meados da década de 1940 e o final da década de 1950, Basbaum e o CC tiveram sucessivas discordâncias a respeito da política nacional e internacional. Um grande exemplo disso foi a coligação temporária entre o partido e o então governador do estado de São Paulo, Adhemar de Barros. Essa aproximação ocorreu, pois os marxistas desejavam a liberdade judicial do partido, após o encerramento da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Durante dois anos a tática deu certo, mas já em 1947 foi votada a cassação do partido pelo STF, jogando-o na ilegalidade novamente. Tal período e as divergências entre Basbaum e o CC estão documentados no livro organizado por Hersch Basbaum, filho de Leôncio, Cartas ao Comitê Central.
O afastamento foi paulatino, possibilitando que o ex-dirigente tivesse duas participações partidárias ainda na década de 1940. A primeira foi hospedar Luís Carlos Prestes após a saída deste da prisão em 1945, devido à tentativa do já referido levante em 1935. A segunda foi juntar-se ao Comitê Estadual (CE) de São Paulo, como conselheiro, em 1947. Todavia, esse cargo era mais honorário do que realmente pragmático, demonstrando a marginalização que o pensador sofreu dentro da organização. No ano seguinte, uniu-se à célula de trabalho partidário que também era composta por outras pessoas de classe média com destaque para Caio Prado Júnior.
Basbaum começou a estudar o marxismo cada vez mais independentemente, ou seja, nem por intermédio acadêmico e nem partidário, concebendo teorias que divergiam das teses do PCB. Em 1957, o ex-diretor da Editorial Vitória, a convite de Armênio Guedes, tornou-se colaborador da Revista Novos Tempos, cujo primeiro número foi lançado em setembro do mesmo ano. Essa revista, editada por José Calvino Filho, tinha como diretor Osvaldo Peralva e, segundo Basbaum, era um veículo sem vinculação partidária, no qual as mais diversas posições marxistas poderiam ser divulgadas, incluindo as trotskistas, cuja circulação havia sido permitida no âmbito comunista após a exposição dos crimes de Stalin no XX Congresso do PCURSS, em 1956. Ao longo da existência da revista (1957-1958), que contou com seis números, vários intelectuais e militantes colaboraram na mesma, tais como Roland Corbisier, Luiz Alberto Moniz Bandeira, Roberto Morena, Agildo Barata, Armênio Guedes, Horácio Macedo, entre outros.
Em 1957, após 31 anos de militância, Basbaum rompeu definitivamente com o partido. No ano seguinte, o então ex-militante foi admitido em um curso no Instituto de Estudos Brasileiros (ISEB), onde teve aulas com Nelson Werneck Sodré, Roland Corbisier, Ignácio Rangel, Guerreiro Ramos, Michel Debrun e Cândido Antônio José Francisco Mendes de Almeida. Em 1960, como resultado desses estudos, Basbaum lança sua obra de economia-política, Caminhos Brasileiros do Desenvolvimento, na qual afirma que o avanço do capitalismo planificado no Brasil resultaria num ganho para a qualidade de vida dos trabalhadores, ensejando uma transição tranquila para o socialismo futuro, sem que sejam necessárias revoluções e/ou rupturas violentas. Essa concepção surge, portanto, como um amálgama eclético de teorias econômicas: o nacional-desenvolvimentismo da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL) e o marxismo. Destarte, a etapa máxima que a sociedade brasileira poderia alcançar seria o comunismo, que se seguiria do socialismo. Todavia, essas etapas não eram certas para Basbaum, mas sim um produto possível do processo de desenvolvimento das forças produtivas e a consequente melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores brasileiros. Em suma, a revolução abrupta não era necessária. O crescimento planejado –com presença das classes populares– da economia, cujos efeitos seriam benéficos para a população, era a própria revolução.
Sua obra mais relevante, contudo, não foi Caminhos Brasileiros do Desenvolvimento, mas sim, a coleção História Sincera da República, separada em quatro volumes, lançados, respectivamente, em 1957, 1958, 1962 e 1968. Nos escritos, Basbaum tentou fazer uma análise marxista da história recente do Brasil (de 1889 até o tempo da confecção dos livros), a qual, segundo ele, não havia sido realizada devidamente por nenhum comunista brasileiro. A obra analisa o decorrer dos eventos políticos e econômicos no país, com ênfase para as massas oprimidas e seus grupos representantes, principalmente o PCB.
Não obstante o rompimento do pensador com o partido, ele continuou a ser um pesquisador do marxismo, realizando uma viagem a Iugoslávia em 1961 e escrevendo um livro sobre o episódio no ano seguinte: No estranho país dos iugoslavos (1962), lançado pela editora Edaglit. Em 1966, o autor foi convidado pelo conhecido historiador estadunidense, John Foster Dulles, a ministrar uma palestra sobre assuntos brasileiros na Universidade do Texas, em Austin, possivelmente sua grande última exposição a uma plateia antes de morrer.
Em 1969, o pensador registrou suas memórias em um livro autobiográfico, Uma Vida em Seis Tempos. Em 7 de março de 1969, Basbaum faleceu, deixando um legado como militante voraz e opositor crítico ao marxismo pecebista durante boa parte da primeira metade do século XX, sem jamais, todavia, abandonar o socialismo como objetivo final. Seu corpo está enterrado em um túmulo no Cemitério Israelita do Butantã, em São Paulo, e seu epitáfio relembra seu ideal revolucionário na seguinte frase: “Não aspiro nem a glória nem a fortuna. Só me inspira o amor pela humanidade e pelo povo brasileiro em particular”.
Obra
Bibliográfica
- A Caminho da Revolução Operária Camponesa, Rio de Janeiro, Calvino Filho, 1934.
- Fundamentos do materialismo, São Paulo, Panamericana, 1944.
- Fundamentos del materialismo, Buenos Aires, Americalee, 1943.
- História Sincera da República: Das Origens a 1889, Rio de Janeiro, São José, 1957.
- História Sincera da República: de 1889 a 1930, Rio de Janeiro, São José, 1957.
- Caminhos Brasileiros do Desenvolvimento: Análise e Perspectiva da Situação Brasileira, São Paulo, Fulgor, 1960.
- No estranho país dos iugoslavos, São Paulo, Edaglit, 1962.
- Processo evolutivo da história, São Paulo, Edaglit, 1964.
- Sociologia del Materialismo, Buenos Aires, Americalee, 1964.
- História e consciência social, São Paulo, Edaglit, 1967.
- História sincera da república: de 1930 a 1960, São Paulo, Fulgor, 1968.
- História sincera da república: de 1961 a 1967, São Paulo, Fulgor, 1968.
- Uma vida em seis tempos: memórias, São Paulo, Alfa-Omega, 1978 (2ª. ed. revista).
- O Fim e o Princípio, São Paulo, Agbook, 2014.
- O Negócio, Rio de Janeiro, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2014.
Cómo citar esta entrada: Da Silva, Renan Somogyi Rodrigues (2022), “Basbaum, Leôncio”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org