LUTZ, Bertha Maria Julia (São Paulo, Brasil, 02/08/1894 – Rio de Janeiro, Brasil, 16/09/1976).
Botânica, zoóloga, advogada, tradutora, educadora, feminista, sufragista, política. Foi uma das figuras mais expressivas do feminismo e da educação no Brasil do século XX.
Bertha Lutz era filha da inglesa Amy Marie Gertrude Fowler, que foi enfermeira voluntária da Colônia de Leprosos de Molukai, nas ilhas do Havaí, e, mais tarde, fundadora de diversas obras sociais, inclusive as primeiras escolas noturnas para trabalhadores e aprendizes e a escola diurna para pequenos vendedores de jornais, e, do microbiologista suíço radicado no Brasil Adolpho Lutz, iniciador da medicina tropical e zoologia médica no Brasil. Ela nasceu na cidade de São Paulo, seus estudos primários foram realizados no Externato Madame Ivancko, situado no Largo da Liberdade. Os estudos secundários foram iniciados em São Paulo e concluídos em Paris. Em 1918, finalizou sua formação em Licenciée em Sciences, pela Faculdade de Ciências na Universidade de Paris (Sorbonne), abrangendo botânica, zoologia, embriologia e química biológica, formou-se em ciências naturais na onde especializou-se em anfíbios anuros, subclasse que inclui os sapos, as rãs e as pererecas. Durante sua permanência na Europa tomou conhecimento do movimento sufragista. Voltou para o Brasil após a conclusão da graduação, em 1918, e começou a trabalhar como tradutora no setor de Zoologia do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, onde seu pai trabalhava. Atuou, também, em funções públicas como tradutora, no Instituto Oswaldo Cruz.
Dedicou-se para que as mulheres tivessem direito a educação, ao trabalho, ao voto e a direitos civis. Participou da Associação Brasileira de Educação por perceber a necessidade de educar ambos os gêneros como caminho para o desenvolvimento das políticas educacionais no Brasil. Zoóloga de profissão, estudou Ciências Naturais em Paris. Ainda na França, adquiriu grande consciência feminista. Cientista, líder feminista e política, a sua atuação foi reconhecida internacionalmente – em prol da emancipação feminina, pela educação feminina, pelo voto feminino, por mudanças na legislação trabalhista – à frente da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, que dirigiu por mais de 50 anos. Sua obra foi recuperada desde as origens das produções acadêmicas feministas e continua sendo retomada em diversas obras mais recentes. Um dos trabalhos mais conhecidos é o da historiadora feminista Raquel Sohiet, que escreveu: «Bertha Lutz é consagrada cientista, com inúmeros trabalhos publicados no Brasil e no exterior sobre biologia e herpetologia. Sua última obra, intitulada Brazilian Species of Hyla, foi editada pela Universidade do Texas» (SOHIET, 2006).
Bertha Lutz foi uma cientista de campo e laboratório, além de se especializar em organização de museus educativos e se formar em Direito para entender e reivindicar os direitos das mulheres que no contexto brasileiro naquele momento era muito restritivo tendo em vista que o casamento dava aos homens o direito de não permitir que a esposa trabalhasse caso entendesse que as atividades do lar estavam sendo prejudicadas, dentre outros fatores que limitavam a vida das mulheres e impediam seu crescimento intelectual e profissional.
Em 1933, formou-se em Direito pela Faculdade do Rio de Janeiro, posteriormente incorporada à Universidade Federal do Rio de Janeiro. Defendeu a tese “A Nacionalidade da Mulher Casada perante o Direito Internacional Privado”, no qual abordou a perda da nacionalidade da mulher após casar-se com um estrangeiro.Em 1919, junto com Maria Lacerda de Moura e outras mulheres, fundaram a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, por exemplo: Jerônima Mesquita, Stela Guerra Duval, Carmem “Portinho” e Maria “Amália” Bastos. Em 1922, a Federação Brasileira para o Progresso Feminino foi criada após o retorno de Bertha ao Brasil. Ela havia sido a representante brasileira na Assembleia Geral da Liga das Mulheres Eleitoras, realizada nos Estados Unidos, onde foi eleita vice-presidente da Sociedade Pan-Americana. A Federação foi criada para substituir a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher e para encaminhar a luta pela extensão de direito de voto às mulheres. O direito de voto feminino foi estabelecido por decreto-lei do presidente Getúlio Vargas apenas dez anos depois, em 1932. No artigo sobre o “Movimento feminista e educação: cartas de Maria Lacerda de Moura para Bertha Lutz (1920-1922)”, as autoras abordam a relação gentil entre as duas escritoras e estranham um fato: “Embora as cartas demonstrem o entusiasmo de Maria Lacerda de Moura em prol da luta pela emancipação feminina e a admiração por Bertha, seu nome não aparece entre as fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino em 1922” (MARTINS; COSTA, 2016, p. 226).
A afinidade entre ambas teve um tempo curto, quando em 1922, Maria Lacerda rompeu com o movimento feminista por entender que o direito ao voto e aos estudos não alcançava as reivindicações das mulheres operárias. Enquanto isso, o trabalho de Bertha ganhou grande repercussão e ela foi delegada oficial do Brasil nos Congressos Pan-americanos Femininos em Baltimore (1922), em Washington (1925), em Roma (1923) e em Berlim (1929). A Federação Brasileira para o Progresso Feminino recebeu as cientistas Marie Curie (1867 – 1934) e a sua filha Irène Joliot-Curie (1897 – 1956). Ambas estiveram no Brasil entre 15 de julho e 28 de agosto de 1926. Marie Curie foi a primeira pessoa laureada duas vezes com o Prêmio Nobel e sua filha foi a segunda mulher que recebeu o mesmo prêmio.
A cientista brasileira começou a se destacar na busca de igualdade de direitos jurídicos entre os gêneros ao se tornar a segunda mulher a ingressar no serviço público brasileiro, após ser aprovada em concurso do Museu Nacional, no Rio de Janeiro em 3 de setembro 1919 para o cargo de secretária. Foi a segunda mulher a participar de um concurso para cargo público federal, classificada em primeiro lugar e nomeada para este no Museu Nacional. Importante ressaltar que ela acionou a justiça para garantir o direito a realizar o concurso público, pois, na época, era vedada a participação das mulheres, porém, já havia o
precedente quando, em 1918, Maria José de Castro Rebello Mendes prestou concurso público e ficou em primeiro lugar vindo a ser a primeira diplomata brasileira e a primeira mulher a ingressar na carreira pública via concurso. O Museu Nacional, onde Bertha ingressou como secretária e, posteriormente, atuou como cientista, foi vítima de um incêndio que destruiu grande parte do acervo e do prédio histórico no dia 2 de setembro de 2018. Bertha Lutz havia doado o seu acervo para o Museu Nacional. No Museu Nacional foi promovida a chefe do departamento de Botânica, posição que ocupou até 1964. Neste campo ela, também, foi membra do Conselho Fiscal de Expedições Artísticas e Científicas do Brasil (1939 – 1951) e do Conselho Florestal Federal (1956). Em agosto de 1965 recebeu o título de professora emérita da UFRJ.
Desempenhou papel atuante na sociedade, como membro da Comissão elaboradora do anteprojeto da Constituição de 1934. Foi eleita a segunda mulher deputada federal pelo Distrito Federal de junho de 1936 até o fechamento da Câmara, em 10 de novembro de 1937. Entrou como suplente do deputado Candido Pessoa e assumiu a cadeira em 1936 após a morte dele. A primeira mulher a ser eleita como deputada do Corpo Legislativo foi a médica, educadora e identificada com o republicanismo paulista Carlota Pereira de Queiroz, de São Paulo, no ano de 1934 (Leite, 1984). Durante seu mandato, Bertha defendeu a mudança da legislação referente ao trabalho das mulheres e dos menores de idade, propondo a igualdade salarial, a licença de três meses para a gestante e a redução da jornada de trabalho, então de 13 horas.
Além da atuação política, ela teve uma marcante presença no campo educacional. Escreveu uma proposta para a educação das mulheres indígenas. Através de sua luta conquistou o direito à admissão de meninas no externato do Colégio Pedro II, uma das instituições de ensino mais tradicionais do Brasil, fundada no período do Império e existente ainda hoje. Conseguiu apoio do Ministério da Agricultura para realizar um estudo sobre a difusão dos conhecimentos domésticos e agrícolas junto à população camponesa. Ela considerava importante a realização de estudos sobre a produção agrícola para a organização de cooperativas femininas. Para tal ela viajou aos Estados Unidos em 1923 e para a Bélgica em 1929 com a intensão de analisar as experiências destes países com relação a educação doméstica agrícola. Em 1923, o governo belga prestou homenagem à Bertha Lutz e deu um prêmio da ordem real pela relevância de seus estudos na área e serviços prestados à agricultura. Publicou mais de 30 artigos em periódicos nacionais e internacionais, em sua área específica de pesquisa sobre anfíbios anuros. Classificou diversas espécies, entre outras: Gastrotheca albolineata (Lutz & Lutz, 1939); Phyllomedusa distincta (Lutz, 1950); Scinax duartei (Lutz, 1951); Hyla nahdereri (Lutz & Bokermann, 1963); Hyla cipoensis (Lutz, 1968); Hyla goiana (Lutz, 1968). Scinax alter (Lutz, 1973).
Foi colaboradora na criação da Associação Brasileira de Educação, em 1924. Em 1929, Bertha e outras integrantes da Federação Brasileira para o Progresso Feminino criaram a União Universitária Feminina, que em 1961 passou a se chamar Associação Brasileira das Mulheres Universitárias. Uma das metas do grupo era incentivar o estudo superior entre a população feminina. Ela também, participou da União Profissional Feminina; da União das Funcionárias Públicas; e, da Liga Eleitoras Independente, em 1932. Foi membro da Sociedade Internacional de Mulheres Geógrafas, com sede em Washington, fez parte da diretoria da Aliança Internacional pelo Sufrágio Feminino e Igualdade Política dos Sexos, com sede em Londres. Foi membro da Comissão Consultiva sobre o Trabalho da Mulher, do Bureau Internacional do Trabalho, com sede em Genebra, e do Museu Americano de História Natural, de Nova York.
No ano de 1932 foi laureada pela Carnegie Corporation, dos Estados Unidos, com o prêmio de ciências, pela investigação sobre o método educativo e organização dos museus de ensino. Esse estudo levou-a a analisar mais de os museus norte-americanos. Em 1945, integrou a delegação do Brasil à Conferência de São Francisco, ocasião onde foi redigido o texto da Carta das Nações Unidas que fundamenta o trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU). Durante o evento, ela trabalhou com outras delegações da América Latina para assegurar que a carta fosse revisada periodicamente. Mas, seu destaque foi a luta pela inclusão de menções sobre igualdade de gênero no documento. Somente quatro mulheres participaram do processo e assinaram a carta, dentre elas, apenas Bertha e a delegada da República Dominicana, Minerva Bernadino, defenderam os direitos femininos. O resultado pode ser lido no Preâmbulo da Carta: “Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidas a (…) reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres (…)” (Preâmbulo da Carta da ONU, 1945). Devido a sua atuação na Conferência de São Francisco, ela foi convidada pelo governo brasileiro para integrar a Conferência do Ano Internacional da Mulher, organizada pela ONU e realizada no México entre junho e julho de 1975.
Dentre seus muitos feitos cumpre destacar seu pioneirismo na defesa da preservação ambiental e luta pelo trabalho do cooperativismo rural para as famílias de pequenas áreas. Foi uma intelectual e ativista de grande envergadura, viveu na França, nos Estados Unidos e atravessou continentes buscando parcerias e novos conhecimentos. Faleceu aos 82 anos no dia 16 de setembro de 1976 no Rio de Janeiro.
Obra
- “Seção Cartas da Mulher”, in Revista da Semana, 1918, disponível em: hemerotecadigital.
- “Projeto: Escola de Econômia Doméstica e Assitência Social”, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, 1923.
- “Relatório da Escola Doméstica de Natal” – BR AN. RIO.QO.BLZ,COR, txt.5, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, 1923.
- “13 Princípios Básicos: Sugestões ao Ante-projeto da Constituição”, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro,1933.
- “Discurso”, BR AN, RIO Q0.ADM.CPA.COS.TXT.11, Vol. 5, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, 1935.
- “Entrevista”, BR AN, RIO Q0.BLZ, DEU. CLE, TXT 5, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, 1935.
- “Questão Educacional”, BR AN, RIO Q0.ADM.CPA.EDU. TXT.11, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, 1936.
- “A Mulher como factor no desenvolvimento da agricultura e aperfeiçoamento das condições da vida rural 1922”, in Bertha Lutz, O Trabalho Feminino: a mulher 202 na ordem economica e social, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional / Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, 1937. pp. 135-147.
- “Discurso da Deputada Bertha Lutz”, BR AN, RIO BLZ, DEU, CLE,TXT.10, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, 1937.
- “Relatório do Ministério da Educação e saúde e outros membros da Commissão de Finanças e Orçamentos”, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, 1937.
- “Currículo”, BR AN, RIO Q0. BLZ.PES.1, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, 1938.
- Brazilian Species of Hyla, Austin, University of Texas Press, 1973.
(Guilherme Gantois de Miranda, Maria José Veloso da Costa Santos, Silvia Ninita de Moura Estevão, Vitor Manoel Marques da Fonseca, org), A Função Educativa dos Museus, Rio de Janeiro, Museu Nacional / Niterói, Muiraquitã, 2008.
Cómo citar esta entrada: Lessa, Patricia (2020), “Lutz, Bertha”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en http://diccionario.cedinci.org