PIERUCCI, Antônio Flávio de Oliveira (Altinópolis, São Paulo, Brasil, 28/08/1944 – São Paulo, Brasil, 8/06/2012).
Pesquisador, Sociólogo e Professor da Universidade de São Paulo.
Antônio Flávio de Oliveira Pierucci nasceu no dia 28 de agosto de 1944 em Altinópolis, uma pequena cidade no interior de São Paulo próxima da divisa com Minas Gerais. Os Pierucci eram migrantes italianos originários de Lucca (a região da Toscana) que se tornaram funcionários públicos e músicos no Brasil. Fundaram em Altinópolis uma banda, Lyra de Orpheu, que tocava em cerimonias públicas. Seu pai, Virgílio Pierucci, trabalhava como agente de estatística do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e musicista, enquanto o avô, Ítalo Pierucci, fora coletor de impostos, professor de música e editor do jornal da cidade. Sua mãe, Geralda de Oliveira Pierucci, era dona de casa. Era na prática uma família com excepcional cabedal cultural na realidade brasileira dos anos 1940, oferecendo para Pierucci uma educação rara naquele contexto.
O rapaz, embora tenha sido iniciado na música e tenha aprendido a tocar piano e órgão, desenvolveu um gosto preferencial pelos livros. Essa facilidade com as letras foi interpretada pela família como sintoma de um propósito religioso maior. Ingressou com apenas 11 anos de idade no Seminário Menor da Diocese de Ribeirão Preto – ensino básico vinculado à Igreja Católica com o fim de preparação ao sacerdócio. Dessa forma, deixava a pequena cidade de Altinópolis para ir morar na capital regional, expandindo um pouco o seu mundo. Sua trajetória na instituição religiosa foi aquela destinada aos quadros superiores da hierarquia eclesiástica do catolicismo: uma formação erudita em línguas clássicas, Teologia e Filosofia. Há de se considerar que tal opção pelo ensino religioso não está vinculada exclusivamente à expressão de uma fé por parte da família. As possibilidades de formação escolar eram escassas naquele momento, sendo a Igreja Católica um dos poucos caminhos.
Após terminar os primeiros estudos, deslocou-se para São Paulo, a maior cidade do país, para fazer a graduação em Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção entre 1965 e 1968. Aproximava-se os seus 25 anos e portanto a idade para se ordenar colocava-se. Pierucci relutava em realizar o rito uma vez que não estava certo se queria tal tipo de vida. A igreja visando estimular o estudante optou por oferecer uma grande oportunidade: realizar estudos doutorais em Roma. Formado em 1968, dirigiu-se a Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG) para se tornar doutor em Teologia Dogmática. No âmbito de formação sacerdotal, estudar em Roma designa uma posição prestigiosa, reservada aos mais dedicados alunos, além disso fazia um outro deslocamento geográfico importante, indo habilitar uma metrópole europeia.
Morando em Roma, fixou-se no Colégio Pio Brasileiro e começou a fazer as disciplinas e redigir a tese de doutoramento. Deu-se, no entanto, um acontecimento que alterou o sentido que toda sua trajetória. Soube em 1973 que o cardeal Agnelo Rossi visitaria seu colégio. Tal personagem, o brasileiro que mais alto subiu na hierarquia católica em toda história, dera uma entrevista apontando que no Brasil quase não havia censura. Pierucci indignou-se com a situação e decidiu protestar. Escreveu o nome do prelado nas paredes do colégio, denunciando sua apologia ao autoritarismo. A ação acarretaria sua expulsão imediata, sendo posto em um navio para regressar ao Brasil.
De volta ao continente americano encontrou-se sem emprego e perspectivas. Passou alguns meses procurando um novo trabalho, tendo dificuldade devido sua formação ultra específica. Foi em uma festa de aniversário, ao som das baladas românticas de Michael Polnareff, que sua trajetória passou por uma inflexão ao conhecer Reginaldo Prandi, então mestrando em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), instituição de pesquisa privada criada em 1969 por professores e pesquisadores afastados ou aposentados compulsoriamente da universidade pública pela ditadura militar. Prandi, ao saber da trajetória de Pierucci, realizou uma ponte entre ele e Cândido Procópio Ferreira de Camargo, diretor geral do CEBRAP e especialista na sociologia da religião, provavelmente a pessoa que maior influência intelectual teve na vida de Pierucci. Prandi ponderou que os conhecimentos de línguas clássicas e da estrutura da Igreja Católica de Pierucci seriam especialmente úteis aos pesquisadores do CEBRAP. Há de se apontar duas coisas: a maior parte da documentação oriunda da Santa Sé naquele momento era redigida em latim. Precisava-se, portanto, de um especialista nessa língua no grupo de estudo, cabendo a Pierucci ocupar esse espaço. Além disso, esse encontro fortuito com Prandi adquiriria profunda significação uma vez que os dois desenvolveriam uma amizade e parceria que duraria toda a vida de Pierucci. Textos eram redigidos conjuntamente e toda publicação que um realizava passava pelo lastro do outro. Prandi inclusive relata que diversos títulos de seus livros foram sugestões do amigo Pierucci.
Pierucci integrou-se ao projeto de pesquisa “Mudanças nas Funções Sociais do Cristianismo no Brasil”, mantido com bolsas da Fundação Ford. Compôs o quadro de pesquisadores do Setor de Religião do CEBRAP juntamente de Reginaldo Prandi, Beatriz Muniz de Souza, Melanie Berezovsky, Renata Raffaelli Nascimento, Maria do Carmo Sette Doria e Arthur Shaker Fauzi Edi. Todos eram coordenados por Camargo, informalmente chamados de “turma do Procópio”. Havia uma preocupação central que guiava a constituição dos projetos de pesquisa da instituição: o esforço destinado à compreensão das grandes transformações pelas quais o Brasil passava em diferentes esferas da sociedade. Tal problemática servia como um polo aglutinador dos projetos individuais, estando todos comprometidos em pensar o processo de desenvolvimento do país, mesmo que cada uma das concepções de modernização, desenvolvimento e até mesmo revolução estivessem fundadas em diferentes perspectivas políticas e teóricas-metodológicas. Figuravam como os principais organizadores da instituição nomes como: José Arthur Giannotti, Fernando Henrique Cardoso, Elza Berquó, Paul Singer, Carlos Estevam Martins, Juarez Brandão Lopes, Francisco de Oliveira, Vilmar Faria, Bolívar Lamounier e Vinicius de Caldeira Brant.
A presença de Camargo na formação de Pierucci induziu seus esforços na direção dos estudos da Sociologia de Max Weber. Na realidade, Pierucci não conhecia esse autor até entrar no CEBRAP. Foi Camargo que solicitou ao pesquisador recém ingresso a tomar contato com os seus textos. Esse esforço ajudou a constituir parte da percepção sociológica de Pierucci, a qual dava ênfase as novas funções adquiridas pela religião conforme aceleravam-se os processos de mudança da sociedade. Um enfoque funcionalista da obra weberiana era ensinado por Procópio em seus cursos e seminários, tal abordagem trazia os riscos de uma visão unilateral entre fenômeno e estrutura. Pierucci teve contato com distintas interpretações da obra de Weber, como a de Pierre Bourdieu que dava grande valor ao levantamento sistemático de dados para a comprovação de interpretações gerais, o que possibilitou uma análise com maiores mediações entre os diferentes níveis de organização social. A pesquisa empírica foi um grande diferencial da formação de Pierucci, pois o pesquisador aprendeu a coletar dados através de surveys, entrevistas em profundidade e análise documental. Tal particularidade garantiu-lhe uma condição privilegiada no campo da sociologia, permanecendo com um pé na teoria social e o outro na empiria.
Enquanto aprendia o ofício de sociólogo, Pierucci desenvolveu algumas tarefas vinculadas ao processo editorial. Tornou-se revisor do selo Cadernos Cebrap – que publicava livros, coletâneas, dissertações e teses dos integrantes da instituição – e da revista do centro, a Estudos Cebrap, responsável pela veiculação de alguns dos mais importantes ensaios de interpretação do Brasil, como: “Crítica a Razão Dualista” de Francisco de Oliveira; “O milagre brasileiro: causas e consequências” de Paul Singer; e “As ideias fora do lugar” de Roberto Schwarz.
Foi convidado em 1971 para redigir verbetes para a coletânea Enciclopédia Abril, um dos vários projetos paradidáticos levado à cabo pelo editor Victor Civita. Redigiu sobre temas religiosos como “Heresia”, “Jansenismo” e “Judaísmo”, publicados nos tomos da coleção no ano seguinte. Foi contratado entre 1973 e 1975 para atuar como consultor dessa mesma editora na coleção de sessenta fascículos intitulada Religiões da Humanidade. Escreveu em 1973 uma série de verbetes sobre os mais diferentes temas. São eles: “A Religião de Israel”; “Judaísmo I”; “Judaísmo II”; “Jesus e as origens do Cristianismo”; “Judaísmo Medieval”; “Misticismo Cristão”; “Catolicismo e Renascença”; “A Contrarreforma”; “As Igrejas Anglicanas”; “A crítica radical da religião: Marx, Freud e Nietzsche”; “Judaísmo Contemporâneo”; “Espiritismo Kardecista”; “Budismo Theravada”; “Budismo Mahayana”; “Budismo Moderno”; “Hinduísmo Moderno” e “Zen Bhudismo”. Em 1974 compartilhou com Beatriz Muniz de Souza a responsabilidade editorial de organizar a coleção Textos Sacros, também da Abril, concluindo a sua participação nos empreendimentos bibliográficos de cunho enciclopédicos.
Outro projeto desse meio que se integrou nos anos 1970 foi a composição de uma edição brasileira da Bíblia de Jerusalém, edição preparada pela Escola Bíblica de Jerusalém, para casa de publicação católica Paulinas. O empreendimento foi coordenado pelos religiosos Gilberto Gorgulho, Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson, sendo responsáveis por organizar uma equipe de mais de 20 tradutores de textos em grego, aramaico e hebraico. Gorgulho e Storniolo eram amigos de Pierucci, tendo o segundo sido seu colega de estudos em Roma. Pierucci foi contratado como revisor literário juntamente de Alfredo Bosi, Antônio Cândido de Mello e Souza, Antônio da Silveira Mendonça, José Carlos Cintra de Souza, Flávio di Giorgio, João Pedro Mendes, Luiz Antônio Miranda, Valter Kehdi e Myriam Carvalho dos Santos. O projeto seria publicado em 1981. Desta forma, complementou sua renda com atividades que garantiram espaço dentro do ambiente editorial brasileiro e, por conseguinte, adquiriu maiores conhecimentos e respeitabilidade na esfera das práticas intelectuais.
Ingressou em 1975 no mestrado no programa de Sociologia e Política da Pontificia Universidad Católica de São Paulo (PUC) de São Paulo. Camargo aconselhara o jovem a fazer tal movimento e tornou-se também o seu orientador. Desenvolveu uma dissertação a qual levaria o título Igreja católica e reprodução humana no Brasil, defendida em 29 de novembro de 1977 diante da banca composta por Beatriz Muniz de Souza e Octavio Ianni. Empreendeu nesse estudo um levantamento documental – Concílios, Encíclicas Papais, Manifestações do Colegiado Episcopal, Manifestações de Bispados Regionais Manifestações Individuais de Sacerdotes – com a finalidade de diagnosticar a ideologia anticontraceptiva do clero católico, contrastando a ideologia oficial da Igreja sobre reprodução humana às “traduções” de bispos e padres que se valiam de ambiguidades no discurso oficial para adaptar a mensagem religiosa ao contexto paroquial. Desse modo, salientara a liberdade de ação dos sacerdotes para atender aos desígnios do laicato sem perder de vista as determinações da Santa Sé. O trabalho seria publicado pela editora Brasiliense com o selo Cadernos Cebrap em 1978 com o título Igreja: Contradição e Acomodação.
Outra atividade naquele momento foi o auxílio na estruturação do instituto DataFolha ao criar, juntamente com seu amigo Reginaldo Prandi, as metodologias investigativas da instituição, aproveitando a experiência empírica do CEBRAP. Pierucci focou-se na elaboração dos questionários. O DataFolha, grupo constituído por Luiz Frias e vinculado ao jornal Folha de São Paulo, tornar-se-ia uma das principais instituições de pesquisa eleitoral do país. Pierucci seria seu consultor até o fim da vida.
Enquanto fazia o mestrado entre 1974 e 1975, lecionava no curso de Sociologia da Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Medianeira. Após se formar, prestou de forma bem sucedida concurso de seleção de docentes da PUC. Começou em 1978 o seu doutoramento em Sociologia pela USP, sendo orientado por Lia de Freitas Fukui. Nesse momento, aproximou-se do professor Azis Simão e do colega de pós-graduação Sérgio Adorno de França Abreu. Seu tema de pesquisa inicialmente versava sobre a relação entre a Igreja e sua mobilização na Sociedade Civil, objeto que trabalhara em outros projetos de pesquisa. Esse estudo resultaria em um artigo, publicado em coautoria com Camargo e Souza na obra coletiva São Paulo: o povo em movimento (1981), que versava sobre as Comunidades Eclesiais de Base em seu desenvolvimento histórico-contextual, explicitando como essa nova forma de organização associativa da Igreja Católica disseminava-se pelas periferias da cidade de São Paulo. As CEBs cumpriam um importante papel de assistência social através do auxílio mútuo e dos mutirões, além de se tornar um importante veículo de reinvindicação social e luta política.
Contudo, o período de transformações inaugurado com a abertura de 1979 incitou Pierucci a mudar o seu tema de pesquisa. Optou por investigar as imediações entre a esfera religiosa e a política partidária. O deslocamento temático levou também a uma mudança de orientador, trocando Fukui por seu amigo e professor recém concursado na USP Reginaldo Prandi, mais próximo de suas preocupações. Na prática, Pierucci permanecia no estudo do catolicismo para, contudo, alterar a sua perspectiva do fenômeno religioso, migrando para as imediações entre a esfera religiosa e a participação político-partidária. A tese foi defendida em junho de 1985 e recebeu o título de Democracia, igreja e voto uma referência ao clássico do pensamento social brasileiro Coronelismo, enxada e voto (1948) de Victor Nunes Leal. Estavam na banca Fernando Henrique Cardoso, Sergio Miceli, Ruth Cardoso, Cândido Procópio Ferreira de Camargo e seu orientador Reginaldo Prandi.
Cinco meses após defender a tese, submeteu-se ao concurso para seleção de docente no Departamento de Ciências Sociais da USP, sendo aprovado. Deixou, assim, a posição na PUC uma vez que o novo emprego exigia exclusividade. Permaneceria até o fim da vida nessa instituição. A mudança da religião à política como problema investigativo fundamental colocou-se definitivamente naquele momento com o início de um trabalho sobre o eleitorado conservador paulistano. Movido por uma curiosidade conjuntural – a improvável derrota de FHC para Jânio Quadros na disputa da prefeitura de São Paulo em 1985 – desenhou um projeto para identificar o motivo do crescimento desse tipo de voto. A empreitada foi projetada originalmente em parceria com Paul Singer, mas este focou-se nos motivos do crescimento das candidaturas vinculadas à esquerda, em especial ligadas ao Partido dos Trabalhos (PT) que teve um bom desempenho com Eduardo Suplicy na mesma eleição.
O projeto não conseguiu financiamento, mas Pierucci decidiu manter a empreitada com uma abordagem mais artesanal. Dessa forma, foi à rua com os seus orientados para identificar as motivações, interesses e valores do eleitorado de Jânio Quadros. Sua pequena sociologia eleitoral produziu uma polêmica nas ciências sociais, pois apresentava uma figura bastante diferente daquele típico conservador projetado pela universidade. Os dados levantados apontavam que tal grupo era estatista, defensor da saúde e educação pública, a favor de investimentos públicos em obras, inimigo ferrenho dos direitos humanos, detentor de baixa formação educacional e pertencente a classe média. Na sua leitura, tal grupo era uma classe social desprovida dos recursos intelectuais e sociais necessários para a sua reprodução. Por isso, mostrava-se extremamente conservadora do ponto de vista da ascensão social e por causa disso também era xenófoba, especialmente com os nordestinos, grupo de migrantes cuja representação despontava no PT, tanto no plano nacional com Lula, quanto no municipal através de Luíza Erundina. Além disso, Pierucci e seus orientandos identificaram uma coligação informal entre a elite paulistana e essa “classe média”. Tais grupos teriam se unido, após a vitória eleitoral de Erundina em 1989, para barrar as futuras candidaturas que representavam a “ameaça vermelha”. Artigos importantes de sua bibliografia como “As Bases da Nova Direita” (1990), “São Paulo 92, a vitória da direita” (1993) e “o envolvimento dos pentecostais na eleição de Collor” (1993) foram os resultados desse período dedicado à análise sobre a pluralidade das direitas renascidas no pós-redemocratização.
O falecimento de Cândido Procópio em 1987 marcou determinantemente a vida de todos os seus colegas no CEBRAP. A edição de número 17 da revista Novos Estudos Cebrap caracterizou-se por um tom de despedida ao antigo professor. Tratava-se de uma justa homenagem a um mestre que ajudara a moldar a vida de diversos alunos e amigos. Naquele mesmo ano, deu-se a também o afastamento formal de Pierucci do CEBRAP, não mais pertenceria ao quadro de pesquisadores ativos da instituição, pois dedicar-se-ia integralmente à USP, já que ingressara como professor na universidade no ano anterior.
Pierucci aventurou-se no começo dos anos 90 em uma uma nova temática enquanto terminava de publicar os seus resultados sobre o conservadorismo popular. O primeiro produto deste movimento reflexivo foi “Ciladas da Diferença” (1990), uma crítica ao distanciamento progressivo dos novos movimentos sociais para com suas antigas bandeiras igualitárias. Tornaram-se defensores da diferença constitutiva, sensível, quase natural, assemelhando-se mais a nova direita culturalista do que a ultrapassada esquerda universalista. A esse respeito, publicou uma série de artigos como: “Problemas com a Igualdade” (1995), “A diferença faz diferença” (1995) e “Amanhã, a diferença” (1996), que fazem parte desse olhar do autor ao campo que pertencia, sendo a sua crítica aos poucos matizada em direção a observação do processo de progressiva e ininterrupta diferenciação que foi batizado com a alcunha conceitual de produtividade social da diferença.
Pierucci foi entre os anos de 1992 e 1996 secretário executivo da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), participando ativamente da organização de quatro encontros e sendo figura importante no processo de expansão de assinaturas da Revista Brasileira de Ciências Sociais (RBCS). Foi também secretário geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) entre 2001 e 2003, integrando-se aos Encontros Anuais regularmente, e membro do conselho editorial da Revista Ciência & Cultura até 2008.
Logo após se desligar das funções burocráticas da ANPOCS, dedicou-se a criticar um grupo que denominou como “sociólogos religiosos da religião”. O enfrentamento tornou-se público em uma fala durante a VI Jornada sobre Alternativas Religiosas no Cone Sul em novembro de 1996. Inspirado em “Sociólogos da Crença e Crença dos Sociólogos” de Bourdieu, o autor problematizou os interesses religiosos que estavam dissimulados na produção científica sobre o tema, postulando tendências mais sociais e ideológicas e menos interpretativas de certos grupos.
A fala foi ampliada e publicada como o capítulo “Interesses Religiosos dos Sociólogos da Religião” no livro Globalização e Religião (1997). Neste exercício de crítica, o autor apontava a necessidade de uma ampla revisão bibliográfica daquilo que fora produzido no campo de estudos da sociologia da religião. Avaliação sistemática que foi inicialmente projetada como sua tese de livre docência. Tornou-se, no entanto, um capítulo em um dos livros da coletânea O que ler na Ciência Social brasileira (1970-1995), publicado em 1999.
Na virada dos anos 1990 aos 2000, Pierucci começou a assumir a faceta de intelectual público ao interagir com espaços para além da universidade. Deu entrevistas e elaborou artigos para veículos da grande mídia como Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e Valor Econômico. Essas intervenções em geral tangiam temáticas sobre magia, fundamentalismo, voto evangélico, mercado religioso, conservadorismo e eleições. Nessa esteira, lançou em 2001 pela coleção Folha Explica um livreto intitulado A Magia, provavelmente sua colaboração mais importante nos espaços destinados a opinião pública. Além das contribuições dadas aos principais periódicos do país, Pierucci também tinha uma forte inserção em publicações destinadas aos consumidores religiosos, em especial os católicos, publicando com certa regularidade na revista Diálogos, Contexto Pastoral e Família Cristã.
Após reunir e publicar os principais artigos sobre a produtividade social da diferença no livro Ciladas da Diferença (1999), procurou um novo objeto para a sua tese de livre docência, já que a proposta de estudar o campo da ciência da religião e seus intelectuais não despertava mais o seu interesse. Uma problemática teórica especificadamente weberiana foi o resultado final dessa procura. Passou a investigar a origem do Desencantamento do Mundo na obra de Max Weber, destacando cada uma das aparições da palavra Entzauberung e suas expressões compostas ou similares – Entzauberung der Welt oder Zauberung – que figuravam nos originais. Um exercício de grande sofisticação cuja realização foi facilitada pelo lançamento das Obras Completas de Max Weber (MWG) em CD-ROOM. Daí surgiria o livro publicado dois anos após a defesa da livre docência em junho de 2001: O Desencantamento do Mundo: todos os passos do conceito em Max Weber (2003) que marcou o campo de comentadores e leitores da obra de Weber no Brasil com uma interpretação sobre os dois sentidos de desencantamento do mundo presentes na obra do autor alemão. Estavam presentes na comissão julgadora: Gabriel Cohn, Sedi Hirano, Vilma de Mendonça Figueiredo, Guita Grin Debert e Ruben George Oliven.
Pierucci continuou a dedicar-se a obra de Max Weber nos anos conseguintes, ajudando a preparar uma nova edição de Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (2004) para a Companhia das Letras – a primeira brasileira fora publicada pela editora Pioneira em 1967. O projeto viabilizou-se após uma conversa com Lilia Moritz Schwartz, professora do departamento de Antropologia da USP e uma das proprietárias da empresa. A editora concordou em produzir uma edição comemorativa por causa do centenário da publicação do ensaio mais famoso de Max Weber. O trabalho de Pierucci resolveu alguns dos principais problemas de imprecisão na recepção ao realizar um cotejo com os textos originais publicados pelo Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik entre os anos de 1904 e 1905 com a versão posterior revisada pelo próprio Weber lançada no interior de Ensaios Reunidos de Sociologia da Religião em 1920. Além disso, um cuidadoso glossário acompanhado de uma apresentação e uma tábua de correspondência vocabular foram incorporados ao livro que, para fechar com chave de ouro, trouxe estampado em sua capa a seguinte consideração: Edição Comentada de Antônio Flávio Pierucci.
Durante a primeira década do novo milênio, Pierucci atuou ao lado de Gabriel Cohn na revisão técnica da tradução da Ética Econômica das Religiões Mundiais cujo primeiro volume foi publicado somente em 2016 pela editora Vozes. Redigiu em algumas oportunidades diagnósticos sobre a política nacional, como em “Eleição 2010: Desmoralização eleitoral do moralismo religioso”, lançado pela Novos Estudos em 2011. O texto argumentava que a derrota de José Serra demonstrara a falência do moralismo religioso como estratégia discursiva. Seu tema fundamental, contudo, era o debate a respeito da emergência de um moderno mercado religioso no Brasil. Nas suas intervenções geralmente provocava os defensores da imaginada pluralidade religiosa (somente cristã) e atiçava os negadores do declínio inexorável das religiões tradicionais e étnicas. Permanecia pesquisando o fenômeno religioso, em especial as estratégias pentecostais para o ingresso na mídia e também as suas manifestações musicais, quando faleceu no dia 8 de junho de 2012.
Obra
Bibliografia
- Cadernos Cebrap 30 – Igreja: Contradição e Acomodação – Ideologia do Clero Católico sobre a Reprodução Humana no Brasil, São Paulo: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, São Paulo, Brasiliense, 1978.
- “Em parceria com Cândido Procópio Ferreira de Camargo e Beatriz Muniz de Souza. Comunidades Eclesiais de Base”, in Vinícius Caldeira Brandt, Paul Singer (org.), São Paulo: o povo em movimento, Petrópolis, Editora Vozes, São Paulo, CEBRAP, 1980, pp. 59-82.
- (com Cândido Procópio Ferreira de Camargo e Beatriz Muniz de Souza) “Igreja católica: 1945-1970”, in Boris Fausto (org.), História Geral da Civilização Brasileira: o Brasil republicano, São Paulo, DIFEL, 1984, Vol. III-4, pp. 343-380.
- “Representantes de Deus em Brasília: A bancada evangélica na Constituinte”, in ANPOCS (org.), Ciências Sociais hoje, 1989, São Paulo, Vértice, 1989, pp. 104-132.
- (com Cândido Procópio Ferreira de Camargo e Beatriz Muniz de Souza), “Poder, Protesto e Luta”, in: Vinícius Caldeira Brant (org.), São Paulo: trabalhar e viver, São Paulo, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento/Brasiliense, 1989.
- “Linguagens autoritárias, voto popular”, in Evelina Dagnino (org.), Anos 90: Política e sociedade no Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1994, pp. 137-149.
- “Problemas com a igualdade (ou: Ciladas da diferença II)”, in Sérgio Adorno (org.), A Sociologia entre a modernidade e a contemporaneidade, Porto Alegre, Editora da Universidade/SBS, 1995, pp. 149-158.
- Em parceria com Reginaldo Prandi, A Realidade Social das Religiões no Brasil, São Paulo, Hucitec, 1996.
- (com Reginaldo Prandi) “As religiões no Brasil contemporâneo”, in Reginaldo Prandi (org.), Um sopro do espírito: a renovação conservadora do catolicismo carismático, São Paulo: EDUSP, 1997, pp. 13-26.
- “Interesses religiosos dos sociólogos da religião”, in Ari Pedro Oro, Carlos Alberto Steil (org.), Globalização e religião, Petrópolis, Vozes, 1997, pp. 249-262.
- Ciladas da diferença, São Paulo, Editora 34, 1999.
- A Magia, São Paulo, Publifolha, 2000.
- O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber, São Paulo, Editora 34, 2003.
- “Sociologia da Religião: área impuramente acadêmica”, in Sergio Miceli (org.), O que ler na Ciência Social brasileira (1970-1995), São Paulo, Editora Sumaré, 1999, Vol. II, pp. 237-287.
- “A secularização segundo Max Weber”, in Jessé Souza (org.), A atualidade de Max Weber, Brasília, UnB, 2000, pp. 105-161.
- “As religiões no Brasil”, in Jostein Gaarder, Henry Notaker, Victor Hellern (org.), O Livro das Religiões, São Paulo, Companhia das Letras, 2000, pp. 325-346.
- “Experiência urbana da diversidade: além do conflito de interesses, o conflito de valores”, in Antônio Brandão, Antônio Carlos Galvão, Maria Flora Golçalves (org.), Regiões e cidades, cidades nas regiões, São Paulo, UNESP, 2003, pp. 69-80.
- “Apresentação”, in Antônio Flávio Pierucci, Max Weber, A ética protestante e o “espírito” do capitalismo, São Paulo, Companhia das Letras, 2004, pp. 7-17.
- “Secularização e declínio do catolicismo”, in Beatriz Muniz de Souza, Luís Mauro Sá Martino (org.), Sociologia da religião e mudança social, São Paulo, Paulus, 2004, pp. 11-21.
- Estado laico, fundamentalismo e a busca da verdade, in Carla Batista, Mônica Maia (org.), Estado laico e liberdades democráticas, Recife, SOS Corpo, 2006, pp. 7-12.
- “Ciências sociais e religião: A religião como ruptura. Ciências sociais e religião: A religião como ruptura”, in Renata Menezes, Faustino Teixeira (org.), As religiões no Brasil: Continuidades e rupturas, Petrópolis, Vozes, 2006.
- “Cadê nossa diversidade religiosa?”, in Renata Menezes, Faustino Teixeira (org.), As religiões no Brasil: Continuidades e rupturas, Petrópolis, Vozes, 2006, pp. 49-53.
- “Estado laico, fundamentalismo e a busca da verdade”, in Carla Batista, Mônica Maia (org.), Estado laico e liberdades democráticas, Recife, SOS Corpo, 2006, p. 7-12.
- (com Pankaj Mishra) “O fim do sofrimento”, in Zeca Camargo (org.), Novos olhares, São Paulo: Globo, 2007, pp. 122-142.
- (com Pankaj Mishra), “Religião”, in Zeca Camargo (org.), Novos olhares, São Paulo, Globo, 2007, pp. 122-145.
- “Salvando almas, driblando a culpa”, in Mariana Côrtes (org.), O bandido que virou pregador, São Paulo, Hucitec, 2007, pp. 11-16.
- “Do feminismo igualitarista ao feminismo diferencialista e depois”, in Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (org.), Gênero e educação: Lutas do passado, conquistas dos presentes e perspectivas futuras, São Paulo, Ícone Editora, 2007, pp. 30-44.
- “Sociologia da Religião no Cebrap doa anos 1970: Dicas de um mestre a um jovem sociólogo”, in Flávio Moura, Paula Montero (org.), Retrato de grupo: 40 anos do CEBRAP, São Paulo, Cosacnaify, 2009.
- Reencantamento e dessecularização, in Paula Montero, Álvaro Comin (org.), Mão e contramão. E outros ensaios contemporâneos, São Paulo, Globo, 2009, Vol. 1, pp. 425-460.
- “Religiões no Brasil”, in André Botelho, Lilia Moritz Schwarcz (org.), Agenda Brasileira: Temas de uma sociedade em mudança, São Paulo, Companhia das Letras, 2011.
Hemerográfico
- Igreja católica e comportamento reprodutivo no Brasil, Ciência e Cultura (SBPC), São Paulo, Vol. 28, n° 7, 1976, pp. 104-105.
- A iglesia católica en el Brasil: 1945-1970, Revista Mexicana de Sociología, Cidade do México, Vol. 43, 1981, pp. 1999-2041.
- Comunidades Eclesiais de Base: origens e primeiros desenvolvimentos, Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n° 2, 1982, pp. 48-53.
- De léglise traditionelle aux Communautés Ecclesiales de Base, Problèmes d’Amérique Latine, Paris, n° 65, 1982, pp. 57-80.
- Um toque de classe, média baixa, Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n° 14, pp. 1-10, 1986.
- O povo visto do altar: Democracia ou demofilia?, Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n° 16, 1986, pp. 66-80.
- As bases da nova direita, Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n°19, 1987, pp. 26-45.
- Assim como não era no princípio: Religião e ruptura na obra de Candido Procópio Ferreira de Camargo, Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n° 17, 1987, pp. 29-35.
- Candido Procópio Ferreira de Camargo: 1922-1987, Ciência e Cultura (SBPC), Vol. 39, n° 3, 1987, pp. 3301-3302.
- A direita mora do outro lado da cidade, Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 4, n° 10, 1989, pp. 46-64.
- Camadas médias em São Paulo: Escolhas eleitorais e modos de vida, Ciência e Cultura (SBPC), São Paulo, Vol. 41, n° 3, 1989, pp. 204-205.
- Migrante vota diferente? O caso da eleição para a prefeitura de São Paulo, Travessia Revista do Migrante, São Paulo, Vol. 2, n° 5, 1989, pp. 5-13.
- A velha recém-nascida. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n° 26, 1990, pp. 211-219.
- Em parceria com Fábio Wanderley Reis. Adeus ao socialismo?, Novos Estudos CEBRAP, n° 30, 1991 pp. 7-42.
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Cómo citar esta entrada: Maldonado, Luccas Eduardo y Pedron, Caio César (2022), “Pierucci, Antônio”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org.