PEREIRA DUARTE SILVA, Astrojildo (Distrito de Rio dos Índios, Rio Bonito, Rio de Janeiro, Brasil 8/10/1890 – Rio de Janeiro, 20/11/1965).
Em 1908, já em Niterói, para onde a família havia se transferido, Astrojildo Pereira abandonou os estudos formais, ainda na terceira série ginasial, a fim de trabalhar como operário gráfico no Rio de Janeiro, sendo também admitido como servidor no Ministério da Agricultura. Já alimentava marcada paixão pela literatura e pela crítica política e social, tendo-se apresentado anonimamente ao velório do escritor Machado de Assis, importante literato brasileiro que lhe serviu sempre de inspiração. No decorrer da vida assinou seus trabalhos como Astrojildo Pereira e usou vários pseudônimos, tais como Basílio Torresão, Aurelino Corvo, Pedro Sambê, Tristão, Alex Pavel, Astper e Américo Ledo.
Em 1910 envolveu-se na campanha presidencial de Ruy Barbosa, jurista e diplomata de renome, que defendia as liberdades liberais, mas a derrota para o General Hermes da Fonseca e a violenta reação do Estado frente à rebelião dos marinheiros ocorrida naquele mesmo ano fizeram florescer em Astrojildo Pereira forte descrédito pela religião e pelo estado de coisas existente no País. No ano seguinte tomou a decisão de se transferir para Paris, mas as dificuldades encontradas obrigam-no ao rápido retorno, ainda que com a mala carregada de livros. Os seus pendores pelo ideário do anarquismo, que se apresentavam desde 1909, estavam agora consolidados e Astrojildo Pereira se colocava com decisão no campo das lutas sociais proletárias que se travavam no Rio de Janeiro, a capital da república brasileira.
Já militante do Centro de Resistência Operária de Niterói, em 1911 inicia a sua colaboração com a imprensa anarquista. Surgia então um intelectual estreitamente vinculado a uma classe operária em formação de perfil artesanal ou manufatureiro, dentro de um meio social, como o brasileiro, no qual predominavam condições feudais.
Na sua militância anarquista, Astrojildo Pereira contribuiu na organização do II Congresso Operário Brasileiro, realizado em 1913, que teve entre suas decisões a reativação do periódico A Voz do Trabalhador. O movimento anarco-sindicalista dedicou-se a denunciar o militarismo e a própria guerra imperialista de 1914, principalmente pelas páginas dos jornais A Barricada e O Clarim. Em 1915, Astrojildo Pereira participou ativamente na publicação de uma revista teórica, de nome A Vida. Nessa fase, a revista cultural e literária ABC também recebeu a contribuição de Astrojildo Pereira.
O início da guerra gerou acesa controvérsia no movimento operário, promovendo divergências sobre a luta contra a guerra, o apoio à guerra ou o lado do qual se postar. Tanto o anarco-sindicalismo quanto o reformismo social se ressentiram dessa efervescência. Astrojildo Pereira se manteve firme na postura contrária a guerra imperialista e a COB – Central Operária Brasileira, em outubro de 1915, organizou umimportante Congresso da Paz em outubro de 1915.
A carestia de vida e o aumento do poder de contratação do trabalho, associadas aos riscos do ingresso do Brasil na guerra ao lado da aliança anglo-francesa, reativaram o movimento operário e deu início à sua constituição efetiva como classe nas condições de um capitalismo dependente e periférico, ainda em formação. Entre 1917 e 1920, o Brasil também foi cenário da rebelião universal do trabalho que perpassou praticamente todo o lugar onde a relações sociais capitalistas de produção tivessem sido inoculadas.
O movimento começou em São Paulo em fevereiro de 1917, e logo se espalhou por outros estados, inclusive o Rio de Janeiro. Nesse ano, Astrojildo Pereira assumiu a direção do jornal O Debate, no qual colaborou o escritor Lima Barreto. Destaca-se nesse jornal um artigo de Astrojildo Pereira, do mês de julho observando, no qual observava a dualidade de poderes presente na cena política da Rússia. Em 1918 escreveu um panfleto em defesa da revolução russa de título A revolução russa e a imprensa, usandotendo usado o pseudônimo de Alex Pavel. Nesse mesmo ano ocorreu uma greve nos transportes dirigida por Astrojildo Pereira e outros, que foi reprimida com violência, o que estimulou, no mês de outubro, os preparativos para desencadear uma insurreição popular no Rio de Janeiro, que acabou com a prisão dos conspiradores. Dentro de uma perspectiva jacobinista participaram anarco-sindicalistas, socialistas e militares de baixa patente, inspirados nos acontecimentos da Rússia.
Entre 1919 e 1921 ocorre a mudança ideológica de Astrojildo Pereira em estreita conexão com o processo de crise estratégica do movimento operário e de concomitante fundação do Partido Comunista. A fundação da IC – Internacional Comunista, em março de 1919, repercutiu de imediato no Brasil com o intento de se fundar o Partido Comunista. O problema da organização e do partido emergia da própria dinâmica do movimento operário, mas o influxo da revolução russa mostrou-se decisivo. Em agosto de 1919, Astrojildo Pereira passou a dirigir o jornal Spartacus, que sobreviveu até janeiro do ano seguinte. As divergências sobre o andamento do movimento e da própria revolução russa tornaram ineficazes os primeiros esforços para a fundação do PCB, mesmo porque ainda predominava a concepção anarco-sindicalista entre as principais lideranças operárias.
Um último esforço para se preservar a unidade do movimento foi realizado em abril de 1920, no III Congresso da COB. O diário Voz do Povo, dirigido por Astrojildo Pereira seria a expressão desse empenho de fazer da COB uma organização mais centralizada, o que ao fim se mostrou inexeqüível, pois a cisão no seio do grupo dirigente do movimento operário brasileiro daquela fase estava bastante avançada. A derrota das greves, que fechavam o ciclo iniciado em 1917, agravava a crise, mas os resultados do II Congresso Mundial da IC, de julho de 1920, com seu esforço de delimitação do campo ideológico do movimento comunista, acentuaram o debate nas hostes do grupo dirigente do movimento operário brasileiro permitiu que sedimentasse o caldo de uma vertente que percebia a necessidade da fundação de um partido operário e do apoio militante a revolução russa. Pelas páginas dedo jornal A Vanguarda, Astrojildo Pereira insistiu na defesa da unidade do movimento e na maior centralização organizativa. É possível que já estivesse convencido da necessidade de um partido, mas não queria promover uma cisão que fosse demasiadamente minoritária e pouco convicta.
Logo depois da realização do III Congresso Mundial da IC, em julho de 1921, Astrojildo Pereira decidiu empenhar-se na segunda fundação do Partido Comunista. Fundou o Grupo Comunista do Rio de Janeiro em 7 de novembro de 1921 e passou a contatar e a estimular a formação de outros grupos congêneres em diversas outras localidades do País. Em janeiro de 1922, como iniciativa de Astrojildo Pereira, aparece a revista Movimento Comunista, como órgão dos grupos comunistas do Brasil, que indicava a necessidade da construção do partido operário, mas também da unidade sindical. Essa revista foi publicada até junho de 1923, contando sempre com textos de Astrojildo Pereira.
O Congresso de fundação do PCB realizou-se em Niterói – RJ entre 23 e 25 de março de 1922, na casa de uma tia de Astrojildo Pereira. O congresso decidiu indicar um representante do Rio Grande do Sul, Abílio de Nequete, como secretário, por conta da proximidade com Uruguai e Argentina, onde os comunistas estavam mais bem organizados e contavam com assistência da IC. A desistência de Abílio de Nequete do seu papel levou a que Astrojildo Pereira assumisse a função correta para quem concebera e organizara não só a fundação do partido comunista, mas uma vertente teórica e ideológica que vinha para durar na história da luta da classe operária brasileira.
No decorrer dos anos 20, em torno de Astrojildo Pereira, Octavio Brandão, Paulo de Lacerda e outros, formou-se um novo grupo dirigente do movimento operário. O empenho foi o de afirmar o novo agrupamento, para o que havia a necessidade de uma mutação ideológica que girava em torno da assimilação do marxismo e do vínculo com a revolução russa, mas também do esforço para se manter a unidade do movimento operário numa conjuntura de derrota e refluxo. Em 1924, Astrojildo Pereira foi para Moscou a fim de participar no V Congresso Mundial da IC e tentar filiar o PCB a essa organização. O adiamento do Congresso, por conta da morte de Lênin, antecipou o seu retorno, mas o PCB foi aceito como membro depois do fracasso do primeiro intento.
O PCB procurava se fortalecer no sindicalismo, mas, ao mesmo tempo, começava a conceber a idéia de se aliar à juventude militar rebelada. Em 1927, Astrojildo Pereira foi enviado a Bolívia com a missão de se reunir com Luiz Carlos Prestes e propor a aliança política, tendo deixado livros e folhetos com o comandante da “coluna invicta”. Essa iniciativa fazia parte da estratégia que o PCB desenvolvia de formação de um Bloco Operário, mais tarde chamado de Bloco Operário Camponês. Foi precisamente em torno da organização do Bloco Operário Camponês é que amadureceu uma teoria da revolução centrada nos interesses históricos da classe operária, inspirado na realidade nacional e no instrumental do marxismo difundido pela IC.
Astrojildo Pereira (e Octavio Brandão) conceberam um processo revolucionário em amadurecimento no Brasil cuja estratégia seria concentrar forças contra a dominação oligárquica –o chamado Estado agrário– por meio de uma aliança da classe operária, apoiada pelo campesinato, com as camadas médias urbanas, representadas pela juventude militar rebelada. A avaliação da correlação de forças indicava que as camadas médias assumiriam o poder, mas se dividiriam, abrindo uma fase de disputa entre o proletariado e a burguesia pela condução do processo. De todo modo, tratava-se de uma revolução democrática e burguesa. Os artigos de Astrojildo Pereira publicados no periódico da IC na América Latina, La Correspondencia Sudamericana, sintetizam essa visão geral. Em meados de 1929, o balanço que pode ser feito é que Astrojildo Pereira havia conseguido congregar um grupo dirigente no PCB em condições de colocar a jovem classe operária brasileira como protagonista na desagregação da dominação oligárquica.
Na segunda metade de 1929, quando a crise política no Brasil se aguçava, o PCB, como de resto o conjunto da IC, foi vitima de uma intervenção induzida pelo grupo de Stalin, que se apossara da direção do Partido Comunista Russo e da própria IC. Astrojildo Pereira fora para Moscou para participar da X reunião plenária do Comitê Executivo da IC, para o qual fora eleito no VI Congresso Mundial da IC realizado no ano anterior, quando testemunhou a guinada na orientação política do movimento comunista.
Em novembro, ainda em Moscou, participou de uma reunião com todos os sul-americanos ali presentes para reafirmar a nova orientação de acordo com a conjuntura continental. A mudança imposta indicava um estreitamento na política de alianças imediatas, com a exclusão da burguesia e parcela da pequena burguesia, e também uma mudança de foco, pois o inimigo principal passava a ser o imperialismo e não o Estado agrário, assim como se deveria dar mais peso ao campesinato. Ademais, a composição proletária da direção deveria também ser realçada.
Enquanto isso, a imposição da nova linha já estava ocorrendo entre os partidos do continente (e do mundo). Essa intervenção debilitou e dividiu o grupo dirigente que Astrojildo Pereira havia conformado.
Em maio de 1930, Astrojildo Pereira liderou a delegação brasileira na reunião ampliada do Bureau Sul-americano da IC, ocorrido em Buenos Aires.
A delegação brasileira se dividiu e foi acuada pelas críticas. No retorno foram feitas várias modificações na direção, mas em novembro do mesmo ano de 1930, em decorrência da visita de um enviado da IC –Mikhail Borodin– , Astrojildo Pereira foi afastado da direção: o grupo dirigente que havia construído e a teoria da revolução que havia formulado estavam descartados.
Astrojildo Pereira foi enviado a São Paulo, onde tentou ainda participar da vida partidária. Contribuiu então nos jornais O Tempo e Homem do Povo, pelo que foi obrigado a fazer autocrítica humilhante. Os esforços de Astrojildo Pereira para continuar a militância comunista pareciam inúteis na medida em que era sempre responsabilizado pelos problemas que o partido enfrentava. Em São Paulo, aproximou-se de Inês Dias, filha do antigo anarco-sindicalista e agora comunista Everardo Dias, com quem logo se casaria e escreveu um texto crítico de nome “Manifesto da contra-revolução”, que mirava o documento de lançamento da chamada Legião Revolucionária de São Paulo, redigido por Plínio Salgado, futuro líder do movimento integralista.
A partir de 1932, tendo o seu nome vulgarmente identificado com epíteto negativo de “astrojildismo”, seus esforços se mostraram inteiramente inúteis, de modo que afastado de vez do PCB, voltou a se estabelecer em Rio Bonito. Mas, ainda em 1935, no VII Congresso Mundial da IC, o “astrojildismo” permanecia sendo denunciado e execrado, associado com as concepções de Bukharin na URSS.
Em dezembro de 1934, Astrojildo Pereira, junto com inúmeros intelectuais e artistas, emprestou a sua assinatura na Comissão Jurídica Parlamentar de Inquérito voltada contra as atividades ilícitas do movimento integralista, o passo inicial para a formação da Aliança Nacional Libertadora, uma precursora experiência de frente popular, que seria propugnada pela IC. Depois de muitas dificuldades com editoras, no fim de 1935, de forma quase clandestina, publicou seu primeiro livro com o título de URSS, Itália, Brasil, composto por textos escritos entre 1929 e 1934. Nesse livro aparece um Astrojildo Pereira crítico impiedoso do fascismo e seus assemelhados, um ardoroso defensor da URSS, e, apesar de tudo, um seguidor da linha política do PCB no seu combate e denúncia contra o “bloco feudal-burguês”, explorador das massas operárias e camponesas. Depois da chamada revolução de 1930, que pôs abaixo o Estado liberal, Astrojildo Pereira interessou-se pela literatura de origem autoritária-conservadora, pois já intuía que a revolução burguesa no Brasil passaria, na verdade, dado o vínculo de origem entre a burguesia e o latifúndio, por um caminho de restauração e reciclagem das classes dominantes, que assumiria aspectos de fascismo.
Com a derrota da experiência de frente popular nacional expressa na Aliança Nacional Libertadora (ANL) (1934-1935) e o avanço da forma ditatorial do Estado, Astrojildo Pereira optou por se manter recluso e entregue aos estudos literários, particularmente sobre Machado de Assis e Lima Barreto. Um produto desses estudos veio à público em 1944, nos estertores do chamado Estado Novo e quando já se pensava a realização de um congresso de escritores, com o livro Interpretações. A partir de então a militância revolucionária de Astrojildo Pereira seria retomada em outros termos, menos como dirigente político e mais como crítico e organizador da cultura, uma diferente faceta do intelectual que escolheu vincular a sua vida aos destinos da classe operária e da cultura de um povo / nação em construção.
Astrojildo Pereira participou muito ativamente no I Congresso dos Escritores Brasileiros, em janeiro de 1945, como representante do estado do Rio de Janeiro. O livro Interpretações havia lhe angariado um justo reconhecimento. Esse congresso foi norteado pela perspectiva unitária da recusa da barbárie fascista e pela liberdade completa de criação cultural. Nesse momento, assim como outros intelectuais comunistas de porte, como Caio Prado Jr e Heitor Ferreira Lima, Astrojildo Pereira defendia a candidatura de antemão posta pela União Democrática Nacional (UDN), do Brigadeiro Eduardo Gomes, para suceder a Getulio Vargas.
Quando o PCB foi legalizado, em maio de 1945, logo Astrojildo Pereira solicitou sua nova inscrição. Foi aceito com a condição que fizesse de maneira pública revisão dessa posição política e assumisse por completo a orientação partidária, que defendia a União Nacional pela democracia em estreita aliança com a base operária construída por Getulio Vargas e, se possível, com esse personagem servindo de garantia para um regime de liberdades democráticas seladas numa Constituição redigida por uma assembléia eleita para esse fim.
Em 1946, na III Conferência nacional do PCB, Astrojildo Pereira foi indicado como membro suplente do Comitê Central da agremiação, foi candidato a vereador no Rio de Janeiro em 1947, mas passou principalmente a se responsabilizar pela ação especificamente cultural do partido com a fundação da revista Literatura. Entre seus colaboradores estavam representantes ilustres da intelectualidade nacional. A revista conseguiu publicar apenas seis números após o que precisou encerrar atividades em decorrência da queda do PCB na ilegalidade, um subproduto da reorganização das forças sociais conservadoras e do contexto da guerra-fria que se iniciava. Adaptando-se ao contexto internacional, mais que ao nacional, o PCB redefiniu a sua orientação política e deu uma forte guinada à esquerda, que trouxe doses significativas de sectarismo ideológico. Uma das conseqüências foi a ruptura aberta entre os intelectuais de esquerda e os liberais, que antes estiveram juntos na aliança antifascista.
Astrojildo Pereira participou com disposição dessa fase escrevendo artigos na imprensa partidária, principalmente n’A Classe Operária, depois Voz Operária, mas também em A Tribuna Popular, e tantos outros órgãos de imprensa. Importante notar que a base teórica do marxismo de Astrojildo Pereira, assim como de muitos outros intelectuais militantes, era aquele difundido por meio das obras de Plekhanov e o exarado pela Internacional Comunista, por onde se explica determinado esquematismo. A capacidade reflexiva de Astrojildo Pereira e a disposição para se debruçar sobre a cultura nacional e popular, contudo, permitiram que incorporasse esse instrumental limitado como importante elemento de ação política e intelectual.
No IV Congresso do PCB, realizado em 1954, Astrojildo Pereira não foi reconduzido ao Comitê Central, nem mesmo na suplência. Parou de escrever por algum tempo e só voltou à atividade depois da crise gerada pelos resultados do XX Congresso do PCUS, de fevereiro de 1956. Reconheceu que também ele havia sido, em todos os últimos anos, um cultuador da figura de Stalin. A partir de então a contribuição de Astrojildo Pereira na imprensa partidária passa a ser intensa. Escreveu no Hoje, Notícias de Hoje e na Imprensa Popular.
A consolidação de uma nova orientação política no PCB, definida na chamada “Declaração de março” (de 1958), representou uma adequação às posições exaradas pela URSS, mas, ao mesmo tempo, o reconhecimento da necessidade de um estudo mais aprofundado da realidade nacional, da sua particularidade enquanto desenvolvimento capitalista. O PCB passava a pregar a formação de uma frente nacional e democrática contra o domínio imperialista e essa perspectiva de uma política que contemplava amplas alianças sociais e políticas tinha que necessariamente oferecer o necessário reconhecimento ao tema da cultura e dos intelectuais, ao conhecimento mais aprofundado do terreno nacional.
Assim, ninguém mais adequado para essa tarefa do que Astrojildo Pereira, homem culto, afável, modesto, competente para agregar intelectuais maduros e jovens, capaz de abrir olhos (e páginas) para temas e autores críticos e inovadores. Além de colaborar no semanário Novos Rumos, novo órgão do partido, Astrojildo Pereira foi convocado a fundar a revista Estudos Sociais e depois a dirigir a revista Problemas da Paz e do Socialismo, novo meio de difusão do movimento comunista internacional. Em 1959 veio a público o livro Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos, muito bem recebido pela crítica. No periódico Novos Rumos, Astrojildo Pereira se encarregou da coluna Livros Novos, mas foi na revista Estudos Sociais que Astrojildo Pereira, de alguma maneira recuperou o papel de organizador de um intelectual coletivo.
Desempenhou o papel de ponto de equilíbrio na direção da revista na medida em que divergências apareciam sobre temas teóricos e sobre a conjuntura política do País. Com ele estiveram nomes como Nelson Werneck Sodré, Mario Alves, Jacob Gorender, Ruy Facó, Alberto Passos Guimarães e outros intelectuais importantes na vida cultural e política do marxismo brasileiro. A solução de Astrojildo Pereira diante das diferenças foi a de abrir mais espaço para a juventude intelectual que se formava num marxismo distanciado do stalinismo. Foi a brecha por onde penetraram textos de Lukács, por exemplo. Nos 6 anos e 19 números da revista, porém, Astrojildo Pereira escreveu apenas dois artigos: um sobre Machado de Assis e outro sobre Silvério Fontes, o fundador do primeiro agrupamento socialista no Brasil (1884), no enfurecer da crise do escravismo. Em 1962, no entanto, publicou o livro A formação do PCB, com indicações fundamentais para a pesquisa histórica que deveria ser já iniciada, segundo sugeria.
Em 1963, Astrojildo Pereira esteve na URSS para tratamento da saúde e nesse mesmo ano foi publicado o seu livro Crítica Impura. No ano seguinte aconteceu o golpe de Estado que pôs fim às esperanças que vinham se acumulando desde 1958. Derrotados o PCB e o conjunto das forças sociais e políticas que investiam de alguma maneira num futuro democrático para o País, tiveram que tentar se esquivar dos golpes dos instrumentos das classes proprietárias em defesa de seus privilégios. O semanário Novos Rumos foi fechado, assim como parou de circular a revista Estudos Sociais.
Debilitado pelos problemas de saúde e abalado pelo impacto da derrota, Astrojildo Pereira foi preso em outubro de 1964, acusado de haver convertido Luiz Carlos Prestes em comunista (!). Foi solto três meses depois, mas seus problemas de coronárias se agravaram e veio a falecer em 20 de novembro de 1965. Como se viu, foi o introdutor do marxismo no Brasil e fundador do partido comunista, além de crítico cultural de alto quilate, certamente desconsiderado ou ignorado pelas novas gerações, sendo esse apenas um sinal da fragmentação da cultura das classes subalternas e de sua falta de direção política e intelectual. O nome de Astrojildo Pereira, certamente, deverá constar da história da classe operária brasileira e sul-americana quando essa conseguir se levantar como base de uma nova civilização.
Amante das letras, Astrojildo Pereira deixou um arquivo pessoal imenso, com livros, revistas, jornais, retalhos. Ele próprio foi maaais afeito ao jornalismo, ao texto curto, ao pequeno ensaio, e nesse estilo e formato escreveu muito, desde os tempos de jovem anarquista até o fim como editor da revista Estudos Sociais. Quando de sua morte esse acervo ficou sob a guarda de Nelson Wermeck Sodré até que teve que ser tranferido para Milão, Itália, por conta do risco que corria frente o avanço da repressão policial. Retornou ao Brasil em 1994, por iniciativa do Instituto Astrojildo Pereira, e hoje encontra-se acessivel a pesquisadores junto ao Centro de Documentação e Memória da Universidade Estadual Paulista.
Obra
- Construindo o PCB (Organização de Michel Zaidan), São Paulo, LECH, 1990.
- Crítica impura, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1963.
- Ensaios históricos e políticos, São Paulo, Editora Alfa-Omega, 1979 (apresentação de Heitor Ferreira Lima).
- Interpretações, Rio de Janeiro, CEB, 1944.
- Machado de Assis, Rio de Janeiro, Livraria São José, 1959.
- URSS, Itália, Brasil, São Paulo, Novos Rumos, 1985 (apresentação de Heitor Ferreira Lima).
Cómo citar esta entrada: Del Roio, Marcos (2020), “Pereira, Astrojildo”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org