VIANNA FILHO, Oduvaldo (Apelido/apodo: Vianinha) (São Paulo, Estado de São Paulo, Brasil, 04/06/1936 – Río de Janeiro, Estado de Río de Janeiro, Brasil 16/07/1974).
Dramaturgo brasileiro que pertenceu à geração de artistas e intelectuais que, no contexto de seu país, enfrentou os mais agudos desafios no campo da cultura, do trabalho de criação e das lutas políticas contra a ditadura e a desigualdade. Participou ativamente das transformações que o teatro sofreu dentro do processo de modernização e industrialização nas décadas de 1950 e 1960, e discutiu-as sempre, em suas peças, a partir da perspectiva da classe trabalhadora. Desde o início de sua carreira o teatro foi tratado por ele como parte inseparável do aparelhamento de percepção, conhecimento e intervenção diante da realidade.
Vianinha, cognome com o qual se tornou conhecido, foi filho de um comediógrafo consagrado (Oduvaldo Vianna) e de uma rádio novelista (Deocélia Vianna). Seus pais, ambos militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), eram estreitamente ligados, tanto por conta da atuação partidária como de laços de amizade, a quadros históricos do Partido, como Joaquim Câmara Ferreira, Carlos Marighela e o próprio Luís Carlos Prestes, o que significa que Vianinha teve, em sua formação, um ambiente familiar em que a preocupação com a política, a conjuntura do país, a luta de classes e a exploração capitalista foi determinante.
Aos quatorze anos de idade Vianinha ingressou na União da Juventude Comunista, e alguns anos depois no teatro amador. Havia naquele período uma grande efervescência do movimento estudantil, e a atividade teatral era uma das portas importantes de ingresso de jovens no mundo da politização.
Em 1955, juntamente com outros jovens militantes, participou da fundação do Teatro Paulista do Estudante (TPE). Ruggero Jacobbi, diretor italiano que tinha sido atraído ao Brasil no início dos anos 1950 por iniciativa do Teatro Brasileiro de Comédia, foi convidado para dirigir o grupo. No TPE Vianinha estreou como ator na peça “A Rua da Igreja”, do irlandês Lennox Robinson, e atuou depois em “Está lá fora um inspetor”, do inglês J.B. Priestley, e em “O rapto das cebolinhas”, da dramaturga brasileira Maria Clara Machado.
A necessidade de dispor de um local para ensaiar levou os membros do Teatro Paulista do Estudante a firmarem um acordo com o Teatro de Arena de São Paulo no sentido de fornecer-lhe figurantes para espetáculos em troca de espaço para ensaios.
Vianinha estreou como figurante no elenco oficial do Teatro de Arena de São Paulo em 1955 na peça “Escola de Maridos”, de Molière, dirigida por José Renato. Nos dois anos seguintes atuou em “Dias Felizes”, de Claude André Puget (em 1956), em “Marido magro, mulher chata”, de Augusto Boal (em 1957), e em “Juno e o pavão”, do irlandês Sean O’Casey (também em 1957), tendo recebido por esse trabalho os prêmios Saci (concedido pelo jornal O Estado de São Paulo) e Governador do Estado como melhor ator coadjuvante. Ainda em 1957, atuou em “Só o faraó tem alma”, de Silveira Sampaio e estreou como dramaturgo com a comédia de costumes “Bilbao via Copacabana”.
No ano seguinte, atuou em “Eles não usam Black-tie”, de Gianfrancesco Guarnieri, peça que desencadeou a fase nacionalista do Teatro de Arena e inspirou a criação dos Seminários de Dramaturgia, nos quais a ideia de escrever sobre a realidade social e econômica do país tornou-se a principal preocupação. Sua segunda peça, “Chapetuba Futebol Clube”, escrita em 1959 dentro dos debates internos dos Seminários de Dramaturgia, estreou sob a direção de Augusto Boal, tendo Vianinha também como ator no elenco. A recepção pela crítica foi extremamente calorosa: a peça recebeu inúmeros prêmios na categoria de melhor texto teatral, entre eles o da Associação Paulista de Críticos de Teatro, o Saci, o prêmio Governador do Estado e o da Associação Brasileira de Críticos Teatrais.
Entre 1959 e 1960 seguiram-se novas participações suas como ator nas peças “Gente como a Gente”, de Roberto Freire e em “Revolução na América do Sul”, de Augusto Boal, encenadas no Teatro de Arena de São Paulo, peças fortemente direcionadas para a perspectiva de representação do problemas da exploração do trabalho e da ingerência dos capitais estrangeiros no país dentro do contexto de industrialização e desenvolvimentismo.
Durante a temporada que a companhia realizou no Rio de Janeiro, em 1960, o desejo de aprofundar a análise dos processos de acumulação da riqueza e da origem do lucro o levou a escrever “A mais valia vai acabar, seu Edgar”, peça com estrutura de revista teatral e recursos épicos de distanciamento.
A discussão de base marxista havia sido introduzida no Arena após o ingresso dos jovens provenientes do Teatro Paulista do Estudante, dentre os quais o próprio Vianinha. Em 1960, enquanto se realizava a temporada do Teatro de Arena de São Paulo no Rio de Janeiro, Chico de Assis, que atuava na companhia desde 1957, desligou-se e levou o texto para estudo e ensaios com o elenco amador de um grupo chamado Teatro Jovem. A peça estreou no espaço em arena da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Brasil. Vianna, logo após cumprir seu contrato como ator do Arena, também se desligou e passou a integrar o elenco do espetáculo.
Os ensaios abertos ao público, realizados como preparação cênica para a montagem, a repercussão da peça durante a temporada, e os debates com os espectadores levaram à fundação de um Centro Popular de Cultura (CPC), um grande e abrangente projeto voltado à horizontalização da produção cultural, com setores de trabalho direcionados não só ao teatro, mas também ao cinema, à música popular, à poesia e à produção e circulação de estudos críticos que analisavam, de forma didática e investigativa, os grandes temas da pauta política do país: eram os Cadernos do Povo Brasileiro, publicados pela Editora Civilização Brasileira a partir de 1962.
Em 1962 o CPC, cujas reuniões tinham passado a ser sediadas em uma sala no prédio da União Nacional dos Estudantes (a UNE), foi incorporado à entidade, tornando-se oficialmente seu órgão cultural: o CPC da UNE. Dentro dele Vianinha atuou em praticamente todas as frentes de trabalho do setor teatral. Seu papel foi norteador junto às equipes de criação de esquetes de teatro de rua chamados autos, tendo ele sido co-autor de vários. Dentre os autos mencione-se “O auto dos 99% ou como a Universidade capricha no subdesenvolvimento”, “O auto do tutu tá no fim e Só Jânio dá a Esso o máximo”.
É importante frisar que Vianinha participou de muitos desses autos também como ator, em apresentações realizadas em centrais de fábrica, em sedes sindicais e em favelas do Rio de Janeiro. Paralelamente a esses trabalhos, Vianinha escreveu duas peças mais longas e com estrutura em atos para serem encenadas em espaços cênicos internos: “Brasil versão brasileira”, em 1961, e “Quatro quadras de terra” em 1963. Essas peças colocaram em foco a análise de questões políticas cruciais do país como petróleo, reforma agrária e contradições inerentes à aliança de classes. “Brasil versão brasileira” abordava a questão do petróleo e as pressões sofridas pelos empresários brasileiros por parte dos interesses estadunidenses. “Quatro Quadras de terra”, por sua vez, tratava do latifúndio e da miséria, e recebeu, no início de 1964, o Prêmio Latino americano de Teatro da Casa de las Americas, em Havana, Cuba.
No início de 1964 outra peça de Vianinha, “Os Azeredo mais os Benevides”, se volta sobre a questão da terra e os problemas da aliança de classes. Essa peça, que se diferenciava de “Quatro quadras…” por ter estrutura épica brechtiana, foi programada para estrear na inauguração do Teatro da UNE, em março de 1964. O golpe civil militar impediu a estreia: a UNE teve sua sede cercada por forças policiais e destruída sob rajadas de balas, sendo suas atividades declaradas ilegais. A divulgação do texto e sua montagem foram terminantemente proibidas.
As condições materiais e humanas que caracterizaram o trabalho cultural do CPC foram brutalmente abortadas com o golpe de 1964. Líderes sindicais, militantes de partidos de esquerda e ativistas do CPC e de outras organizações passaram a ser perseguidos, e muitos tiveram que deixar o país. Todos os principais elos entre o proletariado e os artistas e intelectuais de esquerda foram sumariamente cortados.
Diante dessas circunstâncias, Vianna e alguns companheiros oriundos do CPC conseguiram, vários meses após o golpe, organizar-se em um novo núcleo de trabalho que veio, no ano seguinte, a se tornar o grupo teatral Opinião, no Rio de Janeiro. Tratava-se da retomada forçada do teatro profissional para plateias pagantes e de classe média, e, ao mesmo tempo, tratava-se da tentativa estratégica de realização de um trabalho que expressasse resistência e crítica, ainda que indiretamente, por meio de alusões, com o uso de humor, de música e de metáforas sobre a situação do país.
O espetáculo que deu origem ao grupo foi o show “Opinião”, um show de música popular que, com o intuito de responder ao golpe, apresentava depoimentos de seus três intérpretes (dois compositores de música popular, Zé Keti e João do Vale, e uma cantora de bossa nova, Nara Leão), entremeando-os com canções, cujas letras, com linguagem figurada, faziam alusão indireta mas inequívoca à necessidade de articulação e resistência de todos diante do regime autoritário. O espetáculo estreou no Teatro de Arena de Copacabana em 11 em dezembro de 1964, tendo roteiro de Vianinha, Armando Costa (companheiro do CPC), e Paulo Pontes (dramaturgo e agitador cultural paraibano) e direção de Augusto Boal. Dentro do novo grupo, Vianinha seria uma das figuras centrais nessa primeira fase de atividades.
O clima político do país era extremamente adverso para um trabalho de crítica ao regime. Por isso, várias das peças escritas por Vianinha a partir de 1964, como “Moço em estado de sítio”, “Mão na luva”, “Papa Highirte” e “Rasga Coração”, permaneceriam inéditas durante muitos anos.Em 1965 ele escreveu “Moço em estado de sítio”, peça de balanço autocrítico do ativismo cultural de esquerda no pré golpe. Aproximadamente na mesma época o Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB) aprovou uma resolução de caráter autocrítico reconhecendo que a concepção que o orientara até 1964, apoiada numa visão de luta por etapas e de apoio ao que se acreditava ser uma ala progressista da burguesia, tinha se provado equivocada. O documento recomendava aos militantes que não se deixassem abater e que mantivessem o ânimo para o avanço de uma ação organizada a partir desse momento (Voz Operaria, 1965).
É possível que o teor desse documento tenha contribuído para que “Moço em estado de sítio” acabasse ficando fora da pauta de espetáculos do grupo Opinião e permanecido inédita por vários anos, uma vez que era bastante amarga a reflexão que apresentava.
Nesse mesmo período Vianinha escreveu um comentário de análise e reflexão sobre o momento político do país no contexto após o golpe, e nele expressou posição semelhante à do documento do PCB, ressaltando confiança na luta da classe teatral em prol da democratização. “A democracia foi destruída enquanto organização, mas não enquanto absoluta aspiração do povo e do artista brasileiro”, escreveu ele num dos trechos (Moraes, 2000, pp. 191).
Dividindo-se entre os trabalhos de ator e de dramaturgo, Vianna criou, nessa fase, uma série de peças cujo foco central era a necessidade da resistência contra o autoritarismo vigente. Entre 1965 e 1966, partindo de argumento discutido por todos os integrantes do grupo Opinião, ele escreveu “Se correr o Bicho pega, se ficar o Bicho come”, farsa nordestina com estrutura em versos co-assinada, em sua forma final, pelo poeta maranhense Ferreira Gullar►. A peça, na qual ele também trabalhou como ator, era uma sátira e ao mesmo tempo uma análise do contexto do golpe, e rendeu a Vianinha vários prêmios no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Ainda no grupo Opinião, em 1966, Vianinha escreveu, juntamente com Thereza Aragão, outra integrante do grupo, o roteiro do show “Telecoteco Opus n. 1”, espetáculo em que empreendeu uma espécie de retrospecto do trabalho de dois veteranos sambistas e compositores da música popular brasileira: Ciro Monteiro e Dilermando Pinheiro.
Nesse mesmo ano de 1966 seguiu-se uma peça em dois atos com duas personagens (Ele e Ela) que recebeu dele o título de “Corpo a Corpo”. Tratava-se de um mergulho crítico e denso nas contradições políticas e afetivas de um casal de classe média no pós golpe, e tratava-se também de um inventário do processo de cooptação dessa classe pelos mecanismos do sistema e da ideologia dominante no pós golpe.
A peça não chegou a ser montada pelo grupo Opinião e permaneceu inédita em termos de encenação e de publicação até 1984, quando estreou sob a direção de Aderbal Freire Filho com o título de “Mão na luva”, para evitar confusão com o monólogo “Corpo a Corpo”, de 1970, já a essa altura encenado e publicado.
Entre 1966 e 1967 Vianna escreveu “Meia volta, vou ver”, uma colagem lítero musical com esquetes de humor e poesias encenada sob a direção de Armando Costa. O grupo Opinião, na sequência, havia optado por encenar uma “A saída, onde fica a saída?”, adaptação feita por Antonio Carlos Fontoura, Armando Costa e Ferreira Gullar a partir de texto do historiador estadunidense Frederic J. Cook. Vianinha, preocupado com a necessidade de desenvolvimento de uma dramaturgia nacional, desligou-se do grupo mesmo tendo integrado o elenco do espetáculo em sua temporada, e lançou-se na preparação da montagem de sua recém escrita “Dura lex sed lex, no cabelo só Gumex”. A peça, uma sátira política sobre os efeitos do imperialismo estadunidense no continente latino americano, era apoiada na estrutura da revista, e assinalou o início das atividades do Teatro do Autor Brasileiro, como declarava o texto de Vianna no programa do espetáculo. O grupo teve existência curta, não chegando a sobreviver à fase que se seguiu à promulgação do Ato Institucional nº 5, no ano seguinte.
Em 1968 Vianna escreveu “Papa Highirte”, premiada no concurso de dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro, e logo a seguir proibida em termos de publicação e de montagem, tendo sido liberada apenas em 1979. Uma montagem amadora e sem alvará da censura foi corajosa e pioneiramente apresentada sob a direção de Tim Urbinatti pelo Grupo de Teatro de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP) em 1976, na estrutura de concreto ainda inacabada e em construção dos prédios da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas no campus da universidade, e cumpriu três meses de apresentações. No circuito profissional a peça estrearia apenas em 1979 sob a direção de Nélson Xavier, com Sérgio Britto no papel título.
Em setembro de 1968, um artigo de Vianna, publicado na Revista Civilização Brasileira, Caderno Especial número 2, alertou a categoria teatral para a necessidade da união estratégica como forma de sobrevivência dentro das árduas condições enfrentadas pelo teatro sob a ditadura. A instauração do Ato Institucional número 5, em 13 de dezembro desse mesmo ano, tornou ainda mais difíceis as condições de trabalho do setor teatral, com a implantação da censura prévia aos meios de comunicação, a cassação de direitos civis de políticos e ativistas de esquerda, e a perseguição, prisão, tortura e assassinato de militantes de esquerda.
Para Vianinha a prioridade tinha sido sempre, desde o início, seu trabalho como dramaturgo, mas a necessidade de sobrevivência o levou, nesse período, a procurar outras formas de trabalho e a participar como ator em espetáculos de outros grupos e autores.
Em 1969 ele escreveu “Brasil & Cia”, juntamente com Ferreira Gullar, Armando Costa e Paulo Pontes. O texto, encomendado pelo veterano e consagrado ator Paulo Autran, era uma espécie de one man show que discutia o contexto do país sob o autoritarismo.
Com a recorrente proibição da maioria de suas peças pela censura, Vianna passou a ter que realizar trabalhos também para a televisão, veículo para o qual já tinha anteriormente realizado alguns bem sucedidos trabalhos de teledramaturgia.
O contato com a TV como veículo o levaria a escrever “A longa noite de Cristal”, peça em que abordou pioneiramente a questão ética na relação entre o departamento de telejornalismo de uma emissora e os interesses dos grupos multinacionais patrocinadores. O texto recebeu o prêmio Coroa de Teatro. Como ator Vianna atuou, em 1970, em “A comédia dos erros”, de William Shakespeare, com direção de Bárbara Heliodora, e, em atuaria, em 1971, em Chicago 1930, de Ben Hecht e Charles Mac Arthur, com direção de João Bethencourt.
Em 1970 seu monólogo “Corpo a Corpo” foi encenado em São Paulo com a direção de Antunes Filho, tendo Juca de Oliveira no papel principal. Seguiu-se “Em família”, dirigida por Sérgio Britto no Rio de Janeiro, e reescrita por Vianna dois anos depois com o título de “Nossa vida em família”. O texto, nessa versão final, estrearia em São Paulo em 1972 sob a direção de Antunes Filho.
Com a morte de seu pai, Oduvaldo Vianna, em 1972, a atenção de Vianinha voltou-se significativamente para a comédia, gênero em que Vianna pai havia sido uma referência. Como homenagem ao trabalho paterno, Vianinha reescreveu e atualizou o enredo da comédia “O homem que nasceu duas vezes”, de Oduvaldo Vianna, dando-lhe o título de “Mamãe, Papai está ficando roxo”.
Vianinha enxergou sempre, nos textos cômicos, um potencial crítico que poderia ter grande papel nesse contexto de tantas restrições para o teatro político e engajado. Sua comédia “Allegro Desbum”, cujo título original, “Allegro Desbundaccio ou se o Martins Pena fosse vivo”, havia sido vetada pela censura, e foi encenada com imenso sucesso sob a direção de José Renato.
O ano de 1973 assinalou, para Vianinha, a consagração definitiva do trabalho que ele vinha desenvolvendo como autor de teledramaturgia. Ele havia ganho experiência com textos de teleteatro ao escrever (com Paulo Pontes e Armando Costa) para o programa que a atriz Bibi Ferreira apresentava na TV Tupi do Rio de Janeiro, em que mostrara facilidade em criar para a linguagem televisiva.
Tendo sido chamado para realizar trabalhos tele dramatúrgicos também para a Rede Globo, algum tempo depois, Vianinha foi contratado pela emissora, e tornou-se um dos autores dos roteiros do seriado semanal “A grande família”, programa pré existente que vinha apresentando baixos índices de audiência. Depois de ter sido reestruturado por ele, o seriado transformou-se num sucesso de audiência sem precedentes. Juntamente com Armando Costa e Paulo Pontes, também contratados para integrar as equipes de redação, Vianinha proletarizou as personagens, e retrabalhou a concepção dos enredos conseguindo assim, dentro da perspectiva da comédia de costumes, tratar das questões sociais e econômicas do país, burlando o rígido controle da censura que pesava sobre a televisão.
Sua contratação acabou sendo alvo de críticas principalmente entre os setores de esquerda, para os quais a ideia de atuar nas brechas do sistema, mesmo com o intuito de introduzir uma subreptícia forma de resistência, representava capitulação diante do poder da emissora, articulada sob a égide do regime militar e com capitais do grupo Time-Life. Essa crítica desconsiderava o fato de que a televisão, nesse período, representava a forma de entretenimento por excelência da classe trabalhadora e da população de baixa renda, e que o sucesso de “A grande família” estava ocorrrendo na contramão da tendência dominante da grade televisiva de todas as demais emissoras nacionais nesse período, com programação caracterizada por seriados estadunidenses e filmes de segunda linha importados.
No campo do teatro, Vianinha vinha trabalhando com afinco, desde o ano anterior, debruçado sobre um estudo histórico e contextual de época para uma nova peça que tinha em mente. Tratava-se de “Rasga coração”, para cuja pesquisa em acervos documentais ele havia passado a contar com o auxílio da jornalista Maria Célia Teixeira.
Dividindo-se entre a TV e o levantamento documental necessário a esse projeto, Vianinha descobriu, em pleno ano de 1973, os primeiros focos do câncer que viria a vitimá-lo pouco mais de um ano depois. O tratamento quimioterápico a que se submeteu em Houston, nos Estados Unidos, foi viabilizado com o apoio da Rede Globo de Televisão, mas revelou-se insuficiente para debelar o avanço rápido da doença.
Em 1974, hospitalizado e já em estado terminal, Vianna concluiu o texto de Rasga Coração, que foi logo a seguir inscrita no Concurso de Dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro. A peça recebeu o primeiro prêmio, sendo, porém, sumariamente proibida pela censura tanto em termos de encenação como de publicação.
Durante todo o período de sua proibição o texto foi alvo de leituras públicas a portas fechadas realizadas em praticamente todas as capitais do país, e tornou-se, assim, um ícone da resistência contra o autoritarismo e em prol da rearticulação das forças da sociedade civil. A liberação viria apenas em 1979, quando estreou sob a direção de José Renato. A publicação ocorreu logo a seguir, em volume contendo o dossiê completo da pesquisa documental realizada, em edição do Serviço Nacional de Teatro. Vianinha morreu a 16 de julho de 1974, um mês após completar 38 anos de idade, sem ter chegado a ter a oportunidade de assistir a montagem.
“Rasga coração”, obra prima da dramaturgia brasileira do século XX, empreende a síntese de setenta anos da vida do país sob a perspectiva das lutas políticas travadas pela esquerda, e particularmente pela velha guarda militante do PCB personificada no protagonista, Custódio Manhães (cujo apelido era Manguari Pistolão), e em seu camarada Camargo Velho, que abrira mão de sua juventude em prol da militância dentro do partido.
Nessa peça Vianinha realiza um grande painel épico abordando as questões da luta política e dos pactos e conflitos entre as classes em seus enfrentamentos e disputas, questões essas de que vinha tratando desde “Brasil versão brasileira”, de “Quatro quadras de terra”, de “Os Azeredos mais os Benevides”, do show “Opinião”, de “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, de “Moço em estado de sítio”, de “Mão na luva e de Corpo a Corpo”.
A leitura histórica do país construída em “Rasga coração” apoia-se na ideia de que o “novo” não é necessariamente revolucionário, e o verdadeiramente revolucionário não é necessariamente “novo” em suas estratégias e metas. O “velho” de hoje e o “novo” de ontem enfrentam-se num processo de simultaneidades e de sequências temporais, ora aproximando-se pela analogia, ora distanciando-se dialeticamente pelas contradições.
O pensamento criador de Vianinha apoiou-se sempre numa perspectiva materialista da cultura, encarada como elemento de conquista do conhecimento e da transformação do mundo. Ao refletir sobre sua própria prática como escritor, Vianinha preocupou-se, também, em não perder de vista o processo das grandes lutas coletivas em andamento dentro da particularidade histórica do país. Nesse sentido, o conjunto de sua obra é único por sua coerência, por sua coesão e por seu fôlego artístico pulsante em diálogo com o seu tempo.
Obra
Bibliográfica
- (Seleção, organização e notas de Fernando Peixoto), Vianinha. Teatro. Televisão. Política, São Paulo, Brasiliense, 1983 (artigos e entrevistas de Oduvaldo Vianna Filho).
Bibliográfica (edições de obras de Oduvaldo Vianna Filho)
- (Com Ferreira Gullar), Se correr o Bicho pega, se ficar o Bicho come, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1965.
- (com Armando Costa e Paulo Pontes), Dura lex sed lex, no cabelo só Gumex, Rio de Janeiro, Edições Guanabara, 1967.
- Os Azeredos mais os Benevides, Rio de Janeiro, Serviço Nacional de Teatro, Ministério da Educação, 1968.
- Papa Highirte, Rio de Janeiro, Serviço Nacional de Teatro, Ministério da Educação, 1968.
- Nossa vida em família, São Paulo, Geprom, 1972 (segunda versão, introdução de Getúlio Dutra Bittencourt).
- Rasga Coração e Dossiê de Pesquisa sobre Rasga Coração, Rio de Janeiro, Mec/Funarte/SNT, 1980, 1ª edição.
- O Centro Popular de Cultura da UNE, Livro de Manoel Tosta Berlinck. Campinas, Papirus Livraria Editora, 1984 (peça de Oduvaldo Vianna Filho contida neste volume: Brasil versão brasileira.)
- (Org. Yan Michalski), O melhor teatro de Oduvaldo Vianna Filho, São Paulo, Global Editora, 1984. (peças contidas neste volume: “Mão na luva”, “Papa Highirte” e “Rasga Coração”).
- (Org. Fernando Peixoto), O melhor teatro do CPC da UNE, São Paulo, Global Editora, 1992. (peças de Oduvaldo Vianna Fillho contidas neste volume: “Auto dos 99%” e “Brasil versão brasileira”).
- Peças do CPC, São Paulo, Expressão Popular, 2016 (peças de Oduvaldo Vianna Filho contidas neste volume: “A mais valia vai acabar”, “seu Edgar e Mundo enterrado”).
- (com Maria Célia Teixeira), Dossiê de Pesquisa sobre Rasga Coração, São Paulo, Editora Temporal, 2018 (organização, prefácio e posfácio de Maria Sílvia Betti).
- (Org., prefácio e posfácio de Maria Sílvia Betti), Rasga Coração, São Paulo, Editora Temporal, 2018.
- (Org., prefácio e posfácio de Maria Sílvia Betti), Papa Highirte, São Paulo, Editora Temporal, 2019.
- A longa noite de Cristal, São Paulo, Editora Temporal, 2019 (organização, prefácio e posfácio de Maria Sílvia Betti).
- Corpo a Corpo, São Paulo, Editora Temporal, 2021 (organização e prefácio de Maria Sílvia Betti).
- Mão na luva, São Paulo, Editora Temporal, 2021 (organização e prefácio de Maria Sílvia Betti).
- (Org. e prefácio de Maria Sílvia Betti), Moço em estado de sítio, São Paulo, Editora Temporal, 2021.
- Teatro, Vol. 1, Rio de Janeiro, Edições Muro, 1981, 1ª edição (peças contidas neste volume: “Bilbao”, “Via Copacabana”, “Chapetuba Futebol Clube”, “Quatro quadras de terra” e “Os Azeredos mais os Benevides”).
Hemerográfica (edições de obras de Oduvaldo Vianna Filho)
- “Chapetuba Futebol clube: peça em 3 atos”, em Revista de Teatro SBAT, n° 311, set./out. 1959. pp.1-28, Rio de Janeiro.
- “Matador”, em Revista de Teatro SBAT, n° 346, jul./ago., 1965. pp. 31-41, Rio de Janeiro.
- “Moço em estado de sítio”, Revista de Teatro da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais), n° 489, 1994, pp. 28-41, Rio de Janeiro.
- “Mão na luva”, em Revista de Teatro SBAT, n° 507, mar./abr. 2001, p. 21, Rio de Janeiro.
Outra (peças teatrais de Oduvaldo Vianna Filho)
- “Bilbao via Copacabana”, 1957
- “Chapetuba Futebol Clube”, 1959
- “A mais-valia vai acabar, seu Edgar”, 1961
- “Brasil versão brasileira”, 1962
- “Quatro quadras da Terra”, 1963
- “Show Opinião”, 1964
- (Com Ferreira Gullar), “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, 1965
- “Moço em estado de sítio”, 1965 (inédita)
- “Mão na luva”, 1966 (inédita)
- “Meia volta vou ver”, 1967 (inédita)
- “Brasil & cia.”, 1967
- (com Thereza Aragão), “Telecoteco opus número 1”, 1967
- “Dura lex sed lex, no cabelo só Gumex”, 1967
- “Papa Highirte”, 1968 (inédita)
- “A longa noite de cristal”, 1971
- “Corpo a corpo”, 1971
- “Nossa vida em família”, 1972
- “Mamãe, Papai está ficando roxo”, 1972
- “Allegro desbundaccio, ou se o Martins Pena fosse vivo”, 1973
- “Rasga coração”, 1974 (inédita)
Outra (textos teledramatúrgicos de Oduvaldo Vianna Filho)
- “O matador”, 1965
- “Ano novo vida nova”, 1970
- “A ferro e fogo”, 1971
- “A testemunha”, 1971
- “Culpado ou inocente”, 1971
- “A dama das camélias”, 1972
- “Medeia”, 1972
- “Mirandolina, a favorita do bairro”, 1972
- “Noites brancas”, 1972
- “Aventuras de uma moça grávida”, 1973
- “Enquanto a cegonha não vem”, 1974
- “Turma minha doce turma”, 1974
- “As duas mulheres”, s.d.
- “A outra”, s.d.
- “As aventuras de uma garrafa de champagne”, s.d.
- “Censo ficção”, s.d.
- “O morto do encantado morre, saúda o povo e pede passagem”, s.d
- “Ratos e homens”, s.d
- “A vida por um fio”, s.d. (programa de Bibi Ferreira Série Especial ao vivo)
- “O casamento”, s.d., (programa de Bibi Ferreira Série Especial ao vivo)
- “Por favor, moça, não morra”, s.d. (programa de Bibi Ferreira Série Especial ao vivo)
Cómo citar esta entrada: Betti Maria Silvia (2021), “Vianna Filho, Oduvaldo”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org