PIMENTA, Joaquim (Sin datos de nacimiento y fallecimiento).
Quem pensa que as primeiras décadas republicanas foram sufocadas pela monotonia das oligarquias regionais, desconhece muito da história política do Brasil. Havia resistência aos desmandos e a violência empregada para calar os rebeldes não conseguia apagar propostas que surgiam em busca de novas alternativas. A chamada “República Velha” conviveu com organizações operárias, algumas firmes nas suas lutas contra as desigualdades e outras aliadas às ordens dos dominantes. Outro equívoco é pensar que as inquietações operárias ficaram restritas ao Sudeste, às greves operárias dos anarco-sindicalistas ocorridas na cidade de São Paulo.
Essa pequena reflexão nos traz abertura para focalizar a atuação de Joaquim Pimenta, ignorada por muitos estudos historiográficos. O Dr. Pimenta, como era conhecido nos meios políticos da cidade, inicia suas aventuras envolvido com as lutas dos trabalhadores pernambucanos contra a exploração social e falta de perspectiva para os que viviam da venda da sua força de trabalho. Nascido, em Tauá, 1886, no alto sertão do Ceará, tendo enfrentando suas primeiras dificuldades políticas como adversário da oligarquia acciolina, Pimenta veio completar parte da sua formação numa instituição de prestígio político e acadêmico, como Faculdade de Direito do Recife.
Nos primeiros anos de República, com as eleições longe dos sonhos democráticos, havia quase um monopólio na gestão da coisa pública. Nem por isso, o silêncio foi geral. Havia atuação de sindicatos socialistas, embora alguns cooptados pelos governos, que colocavam a necessidade de atender aos princípios da cidadania e efetivar os direitos fundamentais, para fazer valer uma qualidade de vida que naufragasse de vez o tempo sombrio do escravismo, presente na memória da sociedade. O Recife se constituía num centro intelectual significativo para o Brasil, desde os tempos do Império.
Pimenta, professor da Faculdade de Direito, não ficou alheio a tudo isso, apesar de suas ligações familiares com as elites locais, tornou-se atuante no cenário dos embates políticos, na busca de ultrapassar limites impostos pelas oligarquias. Já, em 1915, havia sido fundada a Federação das Classes Trabalhadoras de Pernambuco, como resultante da movimentação trazida pelo II Congresso Operário, acontecido no Rio de Janeiro. Os anarquistas tinham a hegemonia do movimento e grande greves operárias, aconteceram, no Recife, no período de 1917 á 1920. Jornais operários circulavam, denunciando e afirmando sua condenação às práticas capitalistas, com apoio de intelectuais desgostosos com a administração pública.
Joaquim Pimenta mostrava, nos seus escritos simpatias claras com as idéias socialistas, interessado em traçar entendimentos com as lideranças operárias. Não era , apenas, um desejo de tempos de juventude acadêmica, mas uma aliança mais definida com as reivindicações operárias, para além das palavras. Aproximou-se, então, da Federação Operária que contava com cerca de 20 mil operários, segundo depoimento de Cristiano Cordeiro, um dos fundadores do Partido Comunista, em 1922. Essa fase da sua vida foi marcada pela opção de não se furtar, até mesmo dos movimentos de rua, onde a tensão se revelava mais aguda.
Participou de muitas das agitações políticas, com entusiasmo, sendo bem recebido, inicialmente, pelos trabalhadores, circulando, entre eles, com desenvoltura, sendo, assessor da Comissão de Greve da Federação, em 1919, ponto de convergência das lideranças da época. Era um começo promissor. A greve contou com a participação de várias categorias de trabalhadores e Pimenta fez parte das negociações, redigiu os memoriais com as reivindicações embora recebesse críticas dos patrões da época, por ser considerado um elemento estranho ao meio grevista. Isso não impediu que se tornasse uma figura pública, num momento em que os trabalhadores conseguiam, no Recife, maior espaço para discutir suas reivindicações, porém passando por turbulências, quanto ao conteúdo, mais autônomo, das suas formulações e estratégias políticas.
Qual seria o caminho a seguir? Falava-se da fundação de um Partido Socialista, com a participação de Pimenta que terminou não acontecendo. Ele nutria simpatia pelo socialismo francês e pensava em firmar suas idéias, fazendo uma articulação com membros das camadas médias descontentes com os poderes locais. Os anarco-sindicalistas detinham a hegemonia das manifestações, queriam fazer da greve sua manifestação de luta mais eficaz. Começavam a circular, com intensidade, os ecos da Revolução Russa de 1917 e o marxismo atraía outros grupos desejosos de uma revolução.Portanto, intelectuais e trabalhadores não estavam inertes, desconfiavam das manobras autoritárias dos governos, eleitos em pleitos sempre cheios da manobras que denunciavam a maneira pouco republicana de fazer política.
Daí, os movimentos populares trazerem divergências, acompanhados de polêmicas na imprensa. Um deles, a chamada “Campanha da Fome”, disputa que envolvia interesses das elites sobre a cobrança de impostos, mobilizou grupos diversos. Mais uma vez, lá aparecia Joaquim Pimenta defendendo os desfavorecidos, escrevendo artigos críticos ao governo, buscando articulações. Havia uma reação geral às propostas do mal sucedido Orçamento Monstro. A estratégia de Pimenta era de ampliar os raios de ações dos trabalhadores, buscando alianças com outros grupos sociais, porém sem aprofundar ou radicalizar certas posições. Acusava o Estado brasileiro de ser arcaico e se vestia de idéias que muitos nomeariam como populistas.
Pimenta não negava que queria arrancar das situações o que elas pudessem na prática oferecer, e não enaltecer doutrinas revolucionárias. Seu interesse de entrar no jogo eleitoral ficava evidente, apesar de denunciar que o voto não passava, no período, de uma ficção. Em entrevistas, colocava-se como articulador pragmático capaz de levar adiante uma luta solidária. Recebia, em troca, ironias de políticos locais que não entendiam a inserção de um professor da Faculdade de Direito em tais situações.
As idéias de Pimenta chocaram-se, em certa medida, com outras lideranças que tinham expressão junto aos trabalhadores, entre elas Antonio Canellas, Cristiano Cordeiro e Rodolfo Coutinho. Eram os anúncios claros de fragmentação. Os ditos revolucionários incomodavam-se com as negociações que serviam para conciliar. Os envolvidos com o marxismo já não afinavam com a luta dos anarquistas. A atuação marcante de Pimenta, no episódio da Campanha da Fome provocou suspeitas e acusações de oportunismo, pois ele insistia nos perigos de desobedecer à ordem. Ele seguiu, porém, na suas mobilizações. Fundou, em 1921, o Diário do Povo, afirmando o desejo de reorganizar o operariado e defender as causas coletivas. Atuar, na imprensa, favorecia seus projetos, pois seus artigos eram veículos para provocar polêmicas. Pimenta não se negava a aprofundá-las, pois julgava importante está sendo lembrado.
Além de seus compromissos no Recife, não deixava de fazer viagens ao interior do Estado, explorando sua fama de defensor dos oprimidos, atento às disputas entre os dominantes, para aumentar sua área de atuação. De que lado estaria o tão inquieto professor com seu projeto político reformista, com suas denúncias e, ao mesmo tempo, o seu receio de incentivar a desordem? Pimenta construía uma prática política que o fazia conhecido para além das fronteiras de Pernambuco, elogiado pela sua cultura e coragem e trazia debates importantes sobre as possibilidades de se formar lideranças que fugissem do discurso oligárquico tão freqüente na Primeira República, antidemocrática em suas propostas, sem diálogo com a modernidade que se propagava em vários países.
A movimentação política de Pimenta continuou na campanha presidencialista de Artur de Bernardes. A tensão era grande no Recife. Conflitos de rua, comícios, artigos desaforados na imprensa, inclusive condenando, mais uma vez, a conduta do professor que, ainda, contava com simpatia de parte dos trabalhadores. Nem todo estava sobre o controle das manobras políticas de Pimenta. Sua defesa da candidatura de Nilo Peçanha recebia críticas de outros grupos que se inseriam na luta pela fundação do Partido Comunista. É importante salientar que os compromissos de Pimenta não se limitavam as suas andanças pelas causas dos trabalhadores. Tinha ligações com membros das elites locais e não as abandonava, daí as suspeitas sobre as suas intenções, ao ponto de afirmarem que ele era um personagem em busca de um autor.
O seu caminho parecia traçado. Depois das confusões trazidas pela campanha presidencial, Pimenta saiu da cena da política em Pernambuco. Um novo período de lutas se iniciava e, nele, outras estratégias tomavam contas da lideranças sindicais. Ele foi para Rio de Janeiro, chegando a colaborar com governo de Artur Bernardes. Havia fracassado numa tentativa de tornar-se deputado e ia desfrutar da sua experiência para viagens mais intelectuais. Sua passagem pela cena pernambucana está registrada, também, no romance de José Lins do Rego, o Moleque Ricardo, uma boa fonte para conhecer os acontecimentos recifenses da década de 1920.
Joaquim Pimenta movia-se, como outros participantes de lutas junto ao operariado, para se aproximar dos governos. Muitos ajudaram Getúlio Vargas. Pimenta foi um deles.Para isso, sua experiência era valiosa. Historicamente, a sociedade se reorganizava com o movimento de 1930, com mudanças que precisavam ser pensadas, sem muita radicalização. A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio prometia que novas questões iriam fazer parte das preocupações do governo. O decreto número 19.770 acenava que o problema da lutas de classes estava na pauta da administração pública. O importante era criar espaços para manter a centralização política e incentivar um colaboracionismo entre os grupos políticos, disfarçando as contradições. Aderia-se a um discurso que consagrava a cooperação e a marca singular de uma nação pacífica e comportada.
Pimenta deixou as ruas e o discurso inflamado, juntando-se aos juristas de Vargas, entre eles Evaristo de Moraes, para construir a famosa legislação social brasileira, sem contudo deixar ser também um dos grandes envolvidos na preparação das conspirações de 1930. O momento político de 1930 é chave para compreensão do que seria a modernização do Estado, não promotor da autonomia sindical, mas do atrelamento do operariado à vontade dos governantes. O decreto, citado, instituía a unicidade sindical, proibia a discussão de temas políticos na área de atuação dos sindicatos, tirando deles força para levar adiante reivindicações que desagradassem o governo. Delineava-se uma política sindical autoritária, com a ajuda de juristas que haviam militado no movimento operário.
Nomeado Consultor Jurídico do Ministro do Trabalho, optou, em 1937, pelo cargo de Professor de Direito Industrial e Legislação do Trabalho. Foi professor catedrático da Universidade do Brasil, além da atuar com jornalista profissional, o Rio de Janeiro, onde morreria em 1963. Seus artigos e ensaios são discutidos até hoje, no mundo jurídico, como também sua fama de revolucionário continua fazendo parte da sua memória. Sua obra é vasta, destacando-se: Ensaios de Sociologia (1915), Sociologia e Direito (1928) , A questão Social e o Catolicismo (1936), Retalhos do Passado (1949), Enciclopédia da Cultura (1955) e Sociologia Econômica e Jurídica do Trabalho (1957), entre outros. Os detalhes de sua caminhada estão na autobiografia, Retalhos do Passado. Trata-se de uma referência, para quem estuda o movimento operário, numa perspectiva diferente daquela que ver os primeiros tempos de República como um desfilar de oligarquias.
Obra
- Retalhos do Passado, Rio de Janeiro, Coelho Branco, 1949.
Cómo citar esta entrada: Resende, Antonio (2020), “Pimenta, Joaquim”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org