PEREIRA DAS NEVES FILHO, João (Rio de Janeiro, Brasil, 31/01/1934 – Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil, 24/08/2018).
Ator, diretor, dramaturgo e articulador cultural, João das Neves foi também o propositor de um debate teatral politicamente avançado. Ao longo de seus trabalhos, manteve a coerência de uma militância que ultrapassa filiações partidárias e orienta-se por sua visão de mundo materialista e pela disposição de produzir arte junto às classes populares.
Nascido em uma família de seis irmãos, dos quais dois vieram a falecer prematuramente, passou sua infância e adolescência em Copacabana, bairro da região sul do Rio de Janeiro. O pai, João Pereira das Neves, era farmacêutico e proprietário de uma drogaria, que nutria expectativas de que o filho estudasse Medicina no Canadá. Mas, ainda na adolescência, João das Neves filia-se ao Partido Comunista Brasileiro e, no decorrer dos anos, orienta sua militância para o campo teatral. Seu diálogo com as diretrizes políticas do PCB se mostra às vezes mais crítico e outras mais condescendente, de acordo com as necessidades do momento histórico, mesmo após a sua desfiliação oficial, no ano de 1968, em decorrência das circunstâncias que envolveram a Primavera de Praga.
A primeira experiência teatral de João das Neves foi ainda cursando o ginásio no conceituado Colégio Mallet Soares, quando, da mobilização de alguns estudantes para a criação de um jornal, nasceu um grupo de teatro. Já sua formação profissional se deu na Fundação Brasileira de Teatro (FBT), criada por Dulcina de Moraes, onde iniciou seus estudos em Interpretação para depois cursar a formação em Direção Teatral. O contato com Maria Clara Machado, também professora da FBT, conferiu a Neves a direção do Teatro Arthur Azevedo em Campo Grande, subúrbio carioca.
Em 1961, Maria Clara passa a dirigir o Serviço de Teatro e Diversões do Estado, a convite do governador da Guanabara (entre 1960 e 75, o Estado da Guanabara correspondeu ao atual município do Rio de Janeiro) Carlos Lacerda, ao mesmo tempo em que ocupa o cargo de Secretária Geral do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Sobre o convite, Neves relata que Maria Clara: “já havia oferecido a várias pessoas e ninguém quis. Então, eu aceitei a incumbência de dirigir o Teatro Arthur Azevedo” (Neves, 1987, p. 11). Para esta empreitada, o acompanharia seu grupo semiprofissional Os Duendes.
O grupo, formado em 1959 por colegas de formação da FBT e ainda sem sede própria, estreou no teatro do colégio Santa Rosa de Lima, no Rio de Janeiro, com a peça infantil “O pássaro e a feiticeira”, de Teresinha Eboli, e direção de Pichin Plá, também integrante de Os Duendes. Entre os anos de 1959 e 1960, o grupo se apresenta no Teatro da Matriz, localizado no bairro das Laranjeiras, e no Teatro Maison de France, com montagens adultas e infantis. Deste período, destaca-se “O palhacinho triste”, de Rui Costa Duarte, uma das primeiras experiências de direção de João das Neves. Ainda, sobre a inspiração do grupo, Neves conta que o seu nome foi tirado de uma conferência de Garcia Lorca sobre “o artista enduendado, que possui o duende e, através dele, conquista as plateias, mesmo quando o acabamento do trabalho dele não é perfeito” (Neves, 1987, p. 11).
A ideia de “conquista da plateia”, priorizada em relação ao “acabamento do trabalho”, já revela, na escolha do nome do grupo, a motivação por objetivos não estetizantes e em favor da comunicação direta com o público. Mas, apesar do esforço pela horizontalidade das relações de trabalho – como se vê no revezamento de funções entre atores e diretores – o processo de politização de Os Duendes parece se dar pela necessidade de adaptação temática e formal que o encontro com um novo espectador passa a exigir. Ou como fala Neves: “me fascinava muito tentar trabalhar num teatro do que hoje chamamos periferia, de subúrbio, onde ia ter um público com o qual eu poderia falar, pessoas às quais gostava de me dirigir” (Neves, 1987, p. 12).
A despeito das aspirações de João das Neves, como militante do PCB e propositor de um debate teatral politicamente avançado, já condizerem com a busca por um público popular, os primeiros trabalhos de Os Duendes são voltados à outra plateia, o que se prevê dos teatros em que se apresentaram, todos localizados na zona sul do Rio de Janeiro, considerada uma região “nobre” da cidade. Na direção oposta, Campo Grande, bairro da zona oeste onde o grupo passa a atuar, se caracteriza pelo grande contingente de operários, devido à presença, entre outras, da siderúrgica brasileira do Grupo Gerdau e das fábricas franceses de pneus Michelin e Valesul. E esta mudança radical de contexto parece decisiva para os encaminhamentos do grupo, no sentido de qual plateia eles teriam agora a “conquistar”. Tanto é que, em sua última montagem no Teatro Arthur Azevedo, o grupo leva à cena temas como a reforma agrária e acaba, por isso, sendo alvo da censura do governo de Carlos Lacerda.
A experiência de trabalho em Campo Grande é refletida por João das Neves em seus vários sentidos. O trajeto para o Teatro Arthur Azevedo e a observação do cotidiano de trabalhadores e passageiros do trem que trafegava da Central do Brasil (estação de trens metropolitanos localizada no centro do Rio Janeiro) para o subúrbio carioca inspiraram a escrita de “O último carro”, sua mais conhecida peça. E ainda que sua estreia tenha acontecido somente em 1976, já no Grupo Opinião, seu processo de criação teve início, pelo menos, quinze anos antes.
Paralelamente a esta experiência semiprofissional, Neves passa a atuar como crítico de teatro no jornal Novos Rumos, uma publicação do Partido Comunista Brasileiro. Suas críticas não são em grande número e se restringem ao ano de 1960, mas mostraram-se muito significativas enquanto análises da produção teatral do período. Duas delas são sobre peças apresentadas pelo Teatro de Arena de São Paulo quando de sua temporada carioca: “Revolução na América do Sul”, de Augusto Boal, e “Chapetuba Futebol Clube”, de Oduvaldo Vianna Filho, cujos títulos, respectivamente, são: “Revolução e contradição” e “Da favela aos campos de futebol”. Uma terceira crítica de Neves, “Ionesco: A mistificação da linguagem”, aborda a produção do dramaturgo romeno e destaca o seu impacto no meio intelectual brasileiro. Por último, “‘A mais-valia’ no Teatro Jovem” marca o início do que posteriormente se organizou como o Centro Popular de Cultura (CPC): a encenação da peça de Vianna, “A mais-valia vai acabar, seu Edgar”, por Chico de Assis.
Como é sabido, o teatro brasileiro começa a se modificar em 1958, com a encenação de “Eles não usam black-tie”, de Gianfrancesco Guarnieri, pelo Teatro de Arena de São Paulo. As peças que a seguem, como “Chapetuba Futebol Clube”, e “Revolução na América do Sul”, continuam a focalizar o mundo do trabalho, e esta nova proposição temática começa a sedimentar-se formalmente. Calcadas no movimento concreto das transformações sociais e políticas nacionais e internacionais, o teatro do pré-64 passa então a experimentar uma forma crítica, a partir de um novo modelo teatral épico-dialético.
Ao escrever sobre este processo de politização da cena, o mais importante nas críticas de João das Neves é a detecção de um debate no campo formal e, portanto, a discussão das implicações acarretadas pelas novas proposições de conteúdo. Neste sentido, a militância no PCB, a leitura dos escritos de Karl Marx, Erwin Piscator e Bertolt Brecht, bem como a ligação direta com a prática artística, lhes permitiram entender a mudança de paradigma que a adoção do modelo épico-dialético representava enquanto possibilidade de abordagem materialista e experimentação teatral. Do que se conclui a relevância de seus escritos, posto ser ele um dos únicos artistas a discutir consequentemente, no campo teórico e em diálogo com a prática, as produções brasileiras de maior expressão cultural, rejeitando velhos padrões artísticos e valorizando a pesquisa de novos temas e formas. E, por isso, acredita-se que João das Neves possa ser considerado o primeiro crítico épico-dialético do Brasil.
Os apontamentos de João das Neves, que analisa os espetáculos pela óptica da luta de classes, escancararam as contradições internas do país, levantando questões que ultrapassam o que se costuma considerar inerente à esfera artística. Assim, suas formulações e críticas dão mostras de seu não alinhamento à estratégia nacionalista adotada pelo Partido Comunista Brasileiro a partir do V Congresso, realizado em 1960. Ainda que filiado ao PCB, Neves não deixou de problematizar algumas de suas diretrizes, como a opção por uma frente única, traduzida na aliança em detrimento da luta de classes.
Na medida ainda em que seus escritos tendem a discutir os espetáculos para além das expectativas estéticas da crítica de saber especializado, Neves procura estabelecer um diálogo direto com o pensamento dos autores e diretores das peças de que trata. Desta forma, ele torna-se um importante interlocutor dos integrantes do Teatro de Arena de São Paulo, e suas críticas apontam para a construção coletiva de um novo ideário teatral, fundamentado de modo politicamente mais amadurecido do que se poderia esperar no contexto inicial da formação de uma frente cultural militante como a do Centro Popular de Cultura (CPC).
O projeto do CPC foi encampado pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e durou de 1962 até 31 de março de 1964, quando o golpe militar interrompe suas atividades. Entre nomes de grande relevância no cenário artístico brasileiro, como Chico de Assis, Ferreira Gullar e Oduvaldo Vianna Filho, João das Neves adere ao Centro Popular de Cultura e torna-se o diretor de seu Departamento de Teatro de Rua. Para seus integrantes, o fazer teatral era entendido como instrumento de intervenção política, e a premissa de seu Departamento de Teatro de Rua de ir ao encontro do “povo”, interlocutor identificado às classes trabalhadoras, os conduziu à busca por outras respostas cênicas para os temas em questão, como a exploração do trabalho e o imperialismo estadunidense. Seus artistas levaram a consequências radicais a pesquisa sobre a linguagem teatral e investigaram diferentes possibilidades formais, no sentido do exercício de apropriação, pelo teatro, de temas de interesse coletivo e de sua potencialização crítica. Dão provas disso alguns esquetes e autos que chegaram até nós, bem como a peça “Os Azeredos mais os Benevides”, de Vianna, que estrearia na ocasião da inauguração do teatro do CPC no prédio da UNE, incendiado no dia do golpe militar que colocou o Brasil em uma ditadura.
Além do teatro, de conferências, seminários e debates, vários outros foram os setores de atuação do CPC, como a produção e gravação do disco O povo canta; a realização, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, da Primeira Noite da Música Popular Brasileira, em dezembro de 1962; a edição de coletâneas de poemas, livros de cordel; a publicação dos Cadernos do povo brasileiro, que abordavam temas de interesse nacional e popular e eram editados em parceria com a Civilização Brasileira, dirigida por Ênio Silveira e Álvaro Vieira Plínio; a produção dos filmes 5X favela (reunindo os episódios: “Um favelado”, de Marcos Farias; “Zé da cachorra”, de Miguel Borges; “Escola de samba, Alegria de viver”, de Cacá Diegues; “Couro de gato”, de Joaquim Pedro; “Pedreira de São Diogo”, de Leon Hirszman) e Cabra marcado pra morrer, de Eduardo Coutinho, interrompida pelo golpe militar, com a apreensão do material e do pessoal envolvido nas filmagens, e retomada vinte anos depois.
Em 1964, o golpe não trouxe a público o esforço ideológico dos militares – aspecto decisivo depois de 1968. “Torturados e longamente presos foram somente aqueles que haviam organizado o contato com operários, camponeses, marinheiros e soldados” (SCHWARZ, 1992, p. 62). O que, de acordo com a proposta do Centro Popular de Cultura de aproximação das classes populares, impôs a interrupção de suas atividades. E no movimento de resistência cultural às transformações políticas, Neves soma-se ao coletivo de artistas que intenta dar continuidade às ações teatrais e militantes do pré-golpe, tornando-se um dos idealizadores do Grupo Opinião. A saber, o grupo era composto pelas seguintes pessoas: Armando Costa, Denoy de Oliveira, Ferreira Gullar, João das Neves, Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes, Pichin Plá e Tereza Aragão – alguns também filiados ao PCB, e todos oriundos do CPC.
O Opinião, rapidamente, se tornou “uma espécie de quartel-general da resistência cultural” (COSTA, 1996, p. 101). Ou como comenta João das Neves: “O que acontecia no Opinião é que eram pessoas de esquerda que acreditavam ser capazes de legalmente mudar a situação.” Tal declaração, em alguma medida, faz lembrar a orientação do PCB na resistência ao regime militar, que propunha evitar uma postura de enfrentamento, guiando-se pela luta dentro dos mecanismos tradicionalmente cabíveis de contestação à ordem. O que ainda coube ao Opinião ser interpretado como grupo que se “notabilizou pela defesa da maioria da direção do PCB, contrária ao enfrentamento armado” (RIDENTI, 2000, p.127). Afirmação que se tem sua verdade, não corresponde à integralidade dos fatos, como se observa pela analisar das diferentes posições dos artistas que vieram a formar o Opinião, como João das Neves, cuja militância sempre foi pautada pela criticidade.
Durante os quatro primeiros anos, período em que mantém a sua formação original, o grupo procura preservar a proposta cepecista de interação com as classes populares, ainda que de acordo com as limitações decorrentes do novo contexto. Este é o caso do “Show Opinião”, que teve a participação dos compositores populares João do Vale e Zé Kéti, cujas experiências de vida, juntamente com as de Nara Leão, organizam o roteiro e imprimem um caráter documental à obra. O espetáculo, que deu nome ao grupo, estreou em dezembro de 1964 e, por isso, representou a primeira resposta artística à nova conjuntura política do país.
Já nos anos de 1965 e 1966, respectivamente, o Opinião realiza as montagens das peças “Liberdade, liberdade”, de Flávio Rangel e Millôr Fernandes, e de “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, de Ferreira Gullar e Oduvaldo Vianna Filho, cujo roteiro contou com a colaboração de João das Neves. Desta última experiência, inspirada no cordel, gênero literário popular, Neves destaca o caráter coletivizado de sua produção, que remonta aos moldes de criação do CPC: “foi um texto escrito a 16 mãos (todos os oito do grupo participaram da elaboração). […] A direção era do Gianni Ratto, mas, praticamente, também era coletivizada” (NEVES, 1987, p. 17).
A partir de 1967, João das Neves assume a função de encenador das peças apresentadas pelo Grupo Opinião. Entre 1967 e 1968, ele dirige “A saída? Onde fica a saída?”, de Antonio Carlos Fontoura, Armando Costa e Ferreira Gullar, e “Jornada de um imbecil até o entendimento”, de Plínio Marcos. Esta última encarra uma primeira fase do grupo, que terá que se reconfigurar em função da decretação do Ato Institucional N° 5 – conhecido como o “golpe dentro do golpe”, que significou a revogação de todas as liberdades constitucionais – e da responsabilidade administrativa e artística a cargo unicamente de João das Neves.
Em 1969, na tentativa de driblar a censura e, ao mesmo tempo, refletir sobre o impacto de um governo autoritário, João das Neves encena “Antígona”, de Sófocles, com tradução de Ferreira Gullar. Mas, durante a primeira metade da década de 1970 e com o forçado desmantelamento da categoria teatral, seus projetos terão como objetivo a rearticulação dos trabalhadores da cultura, no sentido de um esforço de coletivização da produção. Neste sentido, ele cria o Concurso e o Seminário de Dramaturgia Opinião, ambos realizados de 1970 a 1975.
Neste mesmo período, João das Neves também mantém uma ativa programação musical no Opinião, abrindo espaço para vários shows, os quais fazem crer que ele procurou privilegiar o protagonismo dos compositores e cantores populares. Ao mesmo tempo, e do ponto de vista da recepção, tanto os shows, como os demais espetáculos do Opinião, tinham como alvo um público formado por estudantes, que, segundo Neves, “embora pertençam à classe média, não estão acomodados” (NEVES apud ROMEIRO, 1971, p. 7). Assim, João das Neves parece apostar na disposição dos estudantes universitários e, até mesmo, secundaristas, para a ação e o enfretamento do estado de coisas ensejado pelo contexto ditatorial.
Já na segunda metade da década de 1970, João das Neves se dedica, especialmente, à dramaturgia e à encenação de suas próprias peças. “O Último Carro”, apresentada pelo Opinião em 1976, sem dúvida, foi uma montagem histórica, para qual Neves reformou todo o espaço do Opinião, a fim de construir um cenário, a cargo de Germano Blum, que colocasse os espectadores como nos vagões do trem da Central do Brasil. Nesta peça, algo que também chama a atenção é a opção do autor por excluir a representação da classe média, centrando-se nas camadas populares. Se, desta forma, não se explícita dramaturgicamente a luta entre elas, observa-se claramente que Neves não vê mais condições para conectá-las, ao menos não nos moldes anteriores. Lembrando ainda que sua escrita teve início no imediato pós-64, essa exclusão pode ser interpretada como “decepção com o golpe civil-militar e a descrença de que a classe média pudesse guiar os rumos políticos do país” (BATISTA, 2019, p. 32). O que, portanto, reafirma sua discordância com a proposta pecebista de aliança de classes, já apontada em suas críticas.
O grupo praticamente encerra suas atividades com a encenação de sua “Mural mulher”, em 1978, dois anos antes de definitivamente fechar as portas em função da venda do imóvel. Além de um dos fundadores do Grupo Opinião, João das Neves foi o responsável pela continuidade de seus trabalhos mesmo depois da saída de alguns de seus principais integrantes e do endurecimento do regime militar em 1968, com a decretação do Ato Institucional N° 5. Por isso, Neves é ainda um símbolo de resistência, que se manteve firme na proposta de um teatro popular em meio a um contexto absolutamente adverso a qualquer iniciativa artística deste tipo.
Após o fechamento do Grupo Opinião, as atividades a que João das Neves dedica-se reiteram a sua preocupação com o fazer teatral politizado e em conexão com as classes populares. Em decorrência do encerramento da campanha popular pela revogação da Lei de Segurança Nacional, no ano de 1983, Neves escreve, por encomenda, “A pandorga e a lei”. Com a censura e a proibição da montagem, ele dirige uma leitura cênica da peça no Teatro João Caetano. Nesta mesma época, Neves traduz e dirige “A mãe”, de Bertolt Brecht, baseada no romance homônimo de Máximo Gorki. Sua tradução foi publicada no quarto volume de Teatro completo / Bertolt Brecht (Paz e Terra / 1990), e a peça foi por ele encenada com um elenco composto pela veterana atriz Lélia Abramo e por alunos recém-formados no Curso de Artes Cênicas da CAL.
A década de 1980 marca a fundação do Grupo Poronga e a transferência definitiva de João das Neves do Rio de Janeiro para Rio Branco, no Acre. Esta experiência de Neves deu origem a duas de suas peças ou documentários teatrais, “Caderno de Acontecimentos” e “Tributo a Chico Mendes”, cujas temáticas exploram os conflitos político-econômicos entre os “povos da floresta” – indígenas e seringueiros acreanos – e os latifundiários voltados, principalmente, à pecuária. Tal processo de trabalho também o levou à escrita de “Yuraiá: O rio do nosso corpo”, baseada na história da etnia Kaxinawá. “Yuraiá” é fruto da permanência de João das Neves, durante um ano, em uma tribo Kaxinawá, viabilizada por uma bolsa Vitae de Artes.
Ao se mudar para Minas Gerais e de acordo com o interesse sempre presente pela cultura popular que o acompanha desde o início, João das Neves aproxima-se das congadas, manifestação cultural e religiosa de resistência afro-brasileira. Assim, ele escreve e dirige a peça “A santinha e os congadeiros”, encenada por membros das guardas de congado da cidade de Sete Lagoas e do município de Oliveira, Minas Gerais. Muito ligado também às questões sócio-políticas regionais, João das Neves ainda dirige a peça “Maria Lira”, escrita em parceria com Luciano Silveira e encenada pela Companhia de Teatro Ícaros do Vale, no Vale do Jequitinhonha, e a ópera “Auto da catingueira”, de Elomar Figueira de Mello, encenada pelo Grupo Giramundo e Terno Teatro no Palácio das Artes.
A partir dos anos 2000, a temática da negritude é recorrente na produção de João das Neves, que destaca seus aspectos cultuais e suas formas de resistência. Neste sentido, Neves dirige a peça “Besouro cordão de ouro” e “Galanga, Chico rei,” ambas de Paulo César Pinheiro. Dando continuidade ao que ficou conhecida como Trilogia Negra, ele encena “Zumbi”, baseada em “Arena conta Zumbi”, de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal. Em 2008, Neves ainda participa da criação do Grupo dos Dez, cujos integrantes, em sua maioria, integraram os elencos das peças que compõem a Trilogia Negra, reunidos com o desejo de pesquisarem o teatro musical brasileiro. Em “Madame Satã”, talvez o mais emblemático espetáculo do grupo – posto ter recebido muitas indicações e prêmios –, João das Neves dividiu a direção com Rodrigo Jerônimo, que também assinou a dramaturgia.
No dia 24 de agosto de 2018, o teatro perdia um dos seus mais brilhantes representantes. Comemorando seus oitenta e quatro anos de idade e sessenta e dois de profissão, João das Neves desenvolveu ininterruptamente e até a atualidade, trabalhos de grande relevância não só para o teatro, mas para a sociedade em geral, muitos deles que nem couberam nesta apresentação. Filiado ao Partido Comunista na juventude, sua militância ultrapassa uma concepção político-partidária, o que se observa no engajamento que manteve ao logo de sua vida. Suas pesquisas sempre tiveram como foco a cultural popular e a conexão com seus produtores. Por isso, o seu legado é um dos mais importantes para a cultura brasileira e se confunde com a própria memória do teatro nacional.https://diccionario.cedinci.org/boal-augusto/
Obra
Críticas
- “Ionesco: A mistificação da linguagem”, en Novos Rumos, 23 a 29 setembro de 1960, p. 5.
- “‘Mais-Valia’ no Teatro Jovem”, en Novos Rumos, Rio de Janeiro, 12 a 18 de agosto de 1960, p. 5.
- “Revolução e contradição”, en Novos Rumos, Rio de Janeiro, 15 a 21 julho de 1960, p. 5.
- “Da favela aos campos de futebol”, en Novos Rumos, Rio de Janeiro, 11 a 17 março de 1960, p. 5.
Peças teatrais
- A santinha e os congadeiros – Programa e texto, Contagem/MG: Prefeitura Municipal de Contagem, 2008.
- “O leiteiro e a menina noite”, en Ídem. et al., As crianças vão ao teatro, Rio de Janeiro, Agir, l980, p. 7-40.
- Mural Mulher, Rio de Janeiro, Gruo Opinião, 1979.
- “O quintal”, en Escobar Ruth (org.), Feira brasileira de opinião, Rio de Janeiro, Global, 1978, p. 111-122.
- O último carro. Rio de Janeiro: Grupo Opinião, 1976.
- A lenda do vale da lua. Rio de Janeiro: SNT, 1975.
Histórias infantis
- Por um triz a Elis ficava sem nariz, São Paulo, Melhoramentos, 1992.
- Leonardo e o pé grande, São Paulo, Escrita, 1983.
Textos teóricos e depoimentos
- “Prefácio”, en Kühner Maria Helena y Rocha Helena, Opinião: Para ter opinião, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2001.
- A análise do texto teatral, Rio de Janeiro, Europa, 1997.
- “O papel de Brecht no teatro brasileiro”, en Bader Wolfgang (org.), Brecht no Brasil – Experiências e influências, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p. 241-248.
- Ciclo de palestras sobre o teatro brasileiro, Rio de Janeiro, Minc/Inacen, 1987.
Tradução
- Bertolt Brecht, “A mãe”, en Neves, _____________. Teatro completo / Bertolt Brecht, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990, v.4, p. 161-236.
Cómo citar esta entrada: Carbone, Roberta (2020), “Neves, João das”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org