MONIZ, Edmundo (Salvador, estado de Bahía, Brasil, 2/11/1911 – Rio de Janeiro, Brasil, 23/01/1997).
Militante trotskista, destacado jornalista, escritor e político.
Edmundo Ferrão Moniz de Aragão nasceu em Salvador, Bahia, no dia 2 de novembro de 1911. Seu pai era o advogado Antônio Ferrão Moniz de Aragão, personagem que ocupou uma cadeira no senado brasileiro durante a década de 1920, e sua mãe Maria Clementina Moniz Sodré de Aragão. Casou-se uma única vez com Ofélia, não tendo filhos. Edmundo pertence à família Moniz, linhagem tradicional que possui diversos membros inseridos na vida política, jurídica e artística brasileira. Alguns dos seus parentes são Alberto Moniz da Rocha Barros, Luiz Alberto Moniz Bandeira e Niomar Moniz Sodré Bittencourt.
Formado em Direito pela Universidade do Brasil. Devido à carreira política de seu pai, Edmundo mudou-se ao Rio de Janeiro ainda na juventude onde construiria boa parte de sua vida, atuando como jornalista, crítico de arte, escritor e político. Embora seja rememorado principalmente por ser um dos autores dos editoriais “Chega! Basta!” e “Fora!” publicados no Correio da Manhã na antessala do golpe de 1964, textos que pediam a renúncia do presidente João Goulart, Edmundo teve uma expressiva biografia política. É uma figura importante na história das esquerdas brasileiras, especialmente nos desdobramentos da primeira geração trotskista. Fora um quadro da Liga Comunista Internacionalista (LCI) em 1933, junto de Mario Pedrosa, Livio Xavier, Fulvio Abramo e Rodolfo Coutinho. Além disso, traduziu um livro de Trotsky, Da Noruega ao México: Os crimes de Stalin, e prefaciou uma antologia poética de Bertolt Brecht.
A sua aproximação com o trotskismo deu-se permeada pela relação que cultivou com Rodolfo Coutinho, um quadro do Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro no qual Edmundo atuava enquanto era estudante de Direito na Universidade do Brasil no Rio de Janeiro. Logo depois, aproximou-se de Mario Pedrosa, com quem estabeleceu amizade e realizou alguns projetos. Ambos estiveram envolvidos no debate e na divulgação sobre as conexões entre surrealismo e marxismo. Com esse interesse, publicaram no Vanguarda Socialista em 1946 o manifesto, “Por uma arte revolucionária independente”, que Leon Trotsky e André Breton tinham redigido no México no final da década de 1930 como uma resposta a imposição soviética do realismo socialista. Tal questão colocar-se-ia como um interesse de longa data das personagens uma vez que ambos colaborariam em uma coletânea, Breton, Trotski. Por uma Arte Revolucionária Independente, na década de 1980 dedicada a estudar a interação entre o líder bolchevique e o artista modernista.
Não obstante a diferença de idade de quase dez anos, Edmundo e Mario conviveram em espaços sociais semelhantes durante as primeiras décadas do século XX no Rio de Janeiro. Filhos de advogados e legisladores na capital da República, circulavam entre as elites políticas. Ambos cursaram também a carreira de Direito na Universidade do Brasil e frequentavam os campos artísticos modernistas da cidade. Edmundo redigiu algumas poesias para o Correio da Manhã e auxiliou na fundação de um clube de cultura moderna junto de importantes personagens como Valério Konder, Edgard Roquette-Pinto, Jorge Amado, entre outros. Dessa maneira, circulava por espaços onde a influência comunista era significativa.
O contato inaugural com o trotskismo ocorreu na primeira metade da década de 1930 quando Edmundo se integrava à disputa das frações trotskista e stalinista existentes dentro do Partido Comunista do Brasil (PCB). Com a decisão da ala trotskista de se converter em uma instituição autônoma na Segunda Conferência Nacional da Liga Comunista do Brasil, Edmundo optou por se unir à nova organização.
Concomitantemente a esse processo, dava-se a ascensão do Nazismo e as esquerdas buscavam formas de contestá-lo. No Brasil, diversos grupos marxistas também estavam envolvidos nessa iniciativa, contudo voltados contra o núcleo que assumiu o seu ideário no país, o Integralismo. Edmundo arregimentava-se nesse sentido dentro da LCI e no seu curso universitário, assim como também fazia Mario Pedrosa em outros espaços. Foi nesse momento que Pedrosa e Moniz se conheceram após um dos pontos mais altos dos enfrentamentos com os integralistas, a batalha da Praça da Sé em 7 de outubro de 1934.
Algum tempo depois, Edmundo participou do comitê de organização do Congresso da Juventude Operária-Estudantil em 1934. Iniciativa empreendida principalmente pela Juventude Comunista, na esteira das ações da Aliança Nacional Libertadora (ANL) em 1935, que visava a criação de uma organização nacional de estudantes. O comitê era presidido por Ivan Pedro de Martins, Carlos Lacerda era seu vice-presidente, enquanto Edmundo era seu secretário. O projeto não se edificou ao final, pois a escalada da repressão após o fechamento da ANL pelo governo Vargas acarretou o cancelamento do Congresso. Edmundo seria preso por causa de sua participação no movimento.
Alguns anos passaram e Edmundo seguiu conectado com os objetivos de Mario Pedrosa, após esse se desligar da IV Internacional e se afastar consequentemente do Partido Socialista Revolucionário (PSR) de Hermínio Sacchetta. Ao renunciar a esse projeto, Pedrosa, Moniz e outros correligionários constituiriam uma organização intitulada União Socialista Popular (USP) – reunião heterogênea de personagens que tinha o fim de constituir um Partido Socialista. Tal grupo aproximar-se-ia primeiramente da União Democrática Nacional (UDN), oferecendo o seu apoio eleitoral ao Brigadeiro Eduardo Gomes nas eleições presidenciais de 1945 em troca que esse se comprometesse com algumas de suas pautas. Edmundo Moniz teria um papel fundamental nesse processo, tornando-se o principal articulador entre as organizações.
Pedrosa, no entanto, afastou-se das negociações, dedicando-se fundamentalmente a constituir o jornal Vanguarda Socialista, que durou entre 1945 e 1948, tendo Edmundo como um dos membros de sua direção. O jornal e o grupo não eram a mesma organização, até mesmo porque a publicação trazia colaborações que iam além do campo trotskista, no entanto muito dos seus membros eram convergentes, reproduzindo algumas condutas políticas, como o apoio a Eduardo Gomes.
Juntamente de outros pequenos grupos da esquerda não-comunista como a União Democrática Socialista e a Esquerda Democrática, os integrantes do Vanguarda Socialista e da USP converteram-se em uma frente dentro da UDN, partido que logo após a sua fundação conglomerava a oposição ao Estado Novo. Em 1946, Edmundo teve uma candidatura infrutífera pela UDN ao cargo de vereador na cidade do Rio de Janeiro na esteira da conexão entre as organizações. Nas páginas do Vanguarda Socialista, observa-se propagandas eleitorais definindo-o como o “Candidato Socialista”.
A experiência no Vanguarda Socialista foi importante para Edmundo uma vez que possibilitou a constituição de um dos seus livros mais conhecidos, O Espírito das Épocas, lançado pela Livraria Editora Casa do Estudante do Brasil em 1950. Trata-se de uma coletânea feita com textos de crítica literária originalmente lançados no Vanguarda Socialista e em outros jornais.
Nessa obra, Edmundo, remetendo ao conceito de Zeitgeist, analisa trabalhos de autores, como Dante Alighieri e Johann Wolfgang von Goethe, em um prisma de comparação texto-contexto. Nessa esteira, postula que todo escrito reflete o tempo no qual está inserido, desenvolvendo argumentos a partir de uma série de premissas marxistas definidas como “dialética da ficção”. É uma abordagem que, exacerbando-se a dimensão do contexto, pouco se aprofunda sobre a estrutura narrativa, a forma, do texto.
A conexão entre UDN e o maior grupo que compunha a frente de apoio eleitoral, a Esquerda Democrática, não muito durou. Em abril de 1946, estes dedicaram converter-se em legenda partidária, preservando o mesmo nome. Tornar-se-iam Partido Socialista Brasileiro (PSB) em sua segunda convenção no ano seguinte. O grupo de Mario Pedrosa e Edmundo Moniz reunido no Vanguarda Socialista não foram unilaterais em relação a se integrar à nova organização. Uma ala ligada a Mario Pedrosa decidiu pela conexão, após alguma resistência. O vínculo se concretizou em abril de 1948. Essa transição entre frente de apoio e integração ao PSB significou a ruptura de horizontes entre Pedrosa e Moniz. Edmundo decidiu por não pertencer aos socialistas.
Mostra-se interessante que, a partir desse momento, Moniz e Pedrosa tomaram caminhos distintos. Pedrosa teve vários conflitos no interior do PSB anos depois, sendo expulso da legenda em 1956. Realizou uma rápida e infrutífera passagem pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em 1966, quando se candidatou a deputado federal. No final da vida participaria da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT).Edmundo afastou-se da UDN e dedicou-se a atuar como jornalista e escritor. Desde os anos 1930, Edmundo colaborava com o Correio da Manhã, tendo uma coluna de poesias no jornal. Contudo, teria uma ligação mais substantiva com o editorial nas décadas seguintes. A família Moniz mantinha ligações históricas com os proprietários do Correio da Manhã, os Bittencourt, uma vez que os advogados desses mais de uma vez defenderam causas daqueles. No entanto, as vinculações adensaram-se na virada dos anos 1930 aos 1940 quando a prima de Edmundo, Niomar Moniz Sodré Bittencourt, casou-se com o proprietário do Correio da Manhã, Paulo Bittencourt. Niomar, que se tornaria proprietária do jornal após a morte do marido em 1963, colocou Edmundo para trabalhar como jornalista da casa, trazendo mais tarde outros parentes como o crítico de cinema Antonio Moniz Vianna e o jornalista Luiz Alberto Moniz Bandeira. Dessa maneira, Edmundo tornava-se uma das principais figuras de um dos jornais mais influentes do Brasil.
Até a década de 1960, Edmundo trabalharia no Correio da Manhã, chegando a ocupar o cargo de chefe editorial nos anos 1960, coordenando importantes jornalistas como Otto Maria Carpeaux, Carlos Heitor Cony, Osvaldo Peralva etc. Produziu centenas de artigos publicados pelo editorial. No entanto, teve dois momentos de afastamento quando assumiu a diretoria do Serviço Nacional de Teatro (SNT), órgão do Ministério da Educação e Cultura (MEC) com o fim de estimular e financiar o teatro nacional. Na primeira vez, permaneceu no cargo entre 9 de fevereiro de 1956 e 18 de fevereiro de 1961, na segunda entre 17 de outubro de 1961 e 11 de julho de 1963. Ascendeu a essa posição após tomar a defesa pública da candidatura de Juscelino Kubitschek, utilizando para isso as páginas do Correio da Manhã, durante a campanha presidencial de 1955. Na realidade, o editorial como um todo assumiu uma aberta defesa do então governador de Minas Gerais. Nesse momento, criticou repetidas vezes o principal concorrente de Kubitschek, o candidato da UDN Juarez Távora, acusando-o de ter pretensões ditatoriais.
O critério para indicação ao cargo no SNT não se derivou apenas de alianças políticas, mas também da carreira literária que Edmundo construiu desde 1942 quando publicou o seu primeiro livro, a peça de teatro Branca de Neve – uma conversão do conto de fadas dos irmãos Grimm em uma peça de teatro. Produziu outros textos literários como A vila de prata de 1956, Egléia de 1960 e Poemas de Liberdade de 1967. Também redigiu uma série de outros trabalhos que se deslocam entre a crítica literária e a reflexão política, entre eles O Golpe de Abril de 1965, A Lei de Segurança Nacional e a Justiça Militar de 1984, A Originalidade das Revoluções de 1987 e As Mulheres Proibidas de 1993. Há também dois estudos biográficos, um sobre o editor Francisco Alves de Oliveira, lançado em 1943, e outro sobre o seu tio, Moniz Sodré e a República Democrática, de 1981.
Provavelmente o seu título mais conhecido seja A guerra social de Canudos de 1978. Nessa obra, Edmundo tenta projetar Antonio Conselheiro como uma liderança popular com um certo cunho socializante por ter constituído uma “comunidade igualitária” no sertão nordestino. Na segunda edição publicada nos anos 1980, Edmundo faz uma série de críticas ao romance de Mario Vargas Llosa La guerra del fin del mundo. Tal obra, lançada em 1981, transforma a batalha de Canudos em uma narrativa literária, constituindo no movimento uma série de descrições que não necessariamente se concatenam com a realidade histórica. Tal procedimento, segundo a perspectiva de Edmundo, seria algo questionável uma vez que nem mesmo a literatura poderia romper com a veracidade quando se debruçasse sobre atores históricos.
Edmundo assumiu o cargo de redator chefe do Correio da Manhã em 1964, permanecendo na posição até 1966. Após o golpe de 1964, ele, seus parentes e o Correio da Manhã foram perseguidos pelo regime militar brasileiro. Com a publicação do Ato institucional número 5 (AI-5) em 1968, a situação para Edmundo ficou insuportável. No mesmo dia do decreto, policiais tentaram prendê-lo na sede do jornal. Edmundo conseguiu escapar, contudo teve que se exilar, indo para o exílio em Paris onde permaneceu com sua prima Niomar. O Correio da Manhã não suportaria a pressão e faliria em 1974.
Edmundo retornou ao Brasil em 1976. No período da redemocratização, filiou-se ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), legenda que seu sobrinho, Luiz Alberto Moniz Bandeira, ajudou a fundar e estava plenamente envolvido. Durante o primeiro mandato de Leonel Brizola como governador do Estado do Rio de Janeiro, Edmundo assumiu como Subsecretário da Cultura na secretaria de Darcy Ribeiro, ficando na posição entre 1983 e 1986. Após essa passagem no serviço público, Edmundo teve uma vida mais reclusa. Tentou frustradamente se tornar membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1992 em disputa com seu antigo chefe Darcy Ribeiro. Edmundo faleceu no Rio de Janeiro em 1997.
Obra
Bibliográfica
- Francisco Alves de Oliveira, Rio de Janeiro, Publicações da Academia Brasileira, 1943.
- O Espírito das Épocas, Rio de Janeiro, Livraria Editora Casa do Estudante do Brasil, 1950.
- Teatro: Branca de Neve. A vila de prata. Egléia. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1960.
- O golpe de abril, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965.
- Poemas de Liberdade, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967.
- “Prefácio”. In: Bertolt Brecht, Antologia poética, Rio de Janeiro, Leitura, 1977.
- A guerra social de Canudos, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.
- Moniz Sodré e a República Democrática, Rio de Janeiro, Nova Época, 1981.
- A Lei de Segurança Nacional e a Justiça Militar, Rio de Janeiro, Codecri, 1984.
- A Originalidade das Revoluções, Rio de Janeiro, Espaço & Tempo, 1987.
- As Mulheres Proibidas, Rio de Janeiro, José Olympio, 1993.
Traduções
- Leon Trotsky, Da Noruega ao México, Rio de Janeiro, Epasa, s.a.
Cómo citar esta entrada: Maldonado, Luccas Eduardo (2021), “Moniz, Edmundo”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org