MACHADO, Dyonélio Tubino (Tubino Quaraí, Rio Grande do Sul, Brasil 21/08/1895 – Porto Alegre, Brasil 19/061985)
Nascimento e morte
Ao final do século XIX, mais precisamente a 21 de agosto de 1895 – dois dias antes de acabar a Revolução Federalista -, Dyonélio Tubino Machado nasceu em Quaraí, município do Rio Grande do Sul (Brasil) situado na região da campanha, na fronteira com o Uruguai. O intelectual veio a falecer a 19 de junho de 1985, aos 89 anos, sem saber que recebera a comenda Ordre des Arts et des Lettres, do Governo da França. A esposa recebe-a, em homenagem pós-tuma, em dezembro do mesmo ano. Dyonélio Machado presenciou, durante quase um século, os fenômenos que marcaram a vida social do Brasil e da América Latina. Procedente de uma família pobre, Dyonélio era filho de Sílvio Rodrigues Machado, agente aduaneiro, e de Elvira Tubino Machado, dona de casa.
Contexto histórico
Dyonélio nasceu no momento em que o Rio Grande do Sul, além de sofrer o impacto das idéias positivistas, da proclamação da República, das mudanças econômicas resultantes da abolição da escravatura e da ascensão industrial, era marcado pelos sinais do final da Guerra do Paraguai e da Revolução Federalista. Pelo poder oligárquico no Estado, lutaram chimangos e maragatos durante trinta meses. Os pecuaristas, integrantes das oligarquias rurais, comandavam a política regional. Depois da instauração da República, entre 1893 e 1895, travou-se cruenta luta entre as facções oligárquicas pelo comando do Estado, à qual se deu o nome de Revolução Federalista. Os republicanos – chimangos – estavam agrupados no Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e os liberais –maragatos -, no Partido Federalista.
Engajamento político
Dyonélio encarava seu envolvimento com a política como uma obrigação familiar, na medida em que os seus antepassados da linha materna sempre tinham sido ligados à agremiação política que merecera a sua predileção, no caso, o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Ele fora muito amigo do governador Borges de Medeiros, de Protásio Alves e de toda a direção do PRR, além de ser parente do senador Francisco Flores da Cunha. Em virtude de todos esses vínculos, o futuro deputado comunista sempre se considerou “um político” e, no seu entendimento, o PRR ia ao encontro da maior parte de aspirações populares da época porque sua ideologia positivista era uma espécie de “socialismo estatal”. Como exemplos dessa intervenção estatal por parte do PRR, ele não se esquece de mencionar a estatização da Viação Férrea, “caso raro no Brasil”, e as tentativas de implantar um imposto progressivo sobre a terra, buscando “utopicamente distribuir o latifúndio”. Convém lembrar que Dyonélio Machado era egresso do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e do Partido Comunista (PCB). Os ideários dessas agremiações pautavam-se pelo investimento no bem da coletividade, em detrimento dos interesses individuais, os quais deveriam anular-se em nome de causas que favorecessem a maioria.
Política e medicina
Apaixonado pela política, em 1923, o intelectual publicou seu primeiro livro, Política contemporânea. Nesse mesmo ano, de grandes agitações políticas, ingressou na Faculdade de Medicina, tendo concluído o curso em 1929. Antes disso, porém, quando ainda freqüentava o quinto ano da Faculdade de Medicina, fez concurso e foi nomeado para o Hospital São Pedro, em Porto Alegre, onde trabalhou por trinta anos como psiquiatra, chegando a ser o diretor da Instituição durante certo período. A especialização em neuro-psiquiatria foi feita no Rio de Janeiro, em 1930 e 1931, com o professor Antônio Austregésilo e Odilon Galotti. Dyonélio foi, também, membro da Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal do Rio de Janeiro e chefe da Clínica da Faculdade de Medicina de Porto Alegre. Desempenhou a função de: assistente extranumerário da Clínica Neurológica do Rio de Janeiro, sendo em 1943 médico chefe da divisão do Hospital São Pedro de Porto Alegre. Os estudos, no entanto, não o impediram de continuar escrevendo: redigiu vários contos, depois publicados em jornais e revistas e, mais tarde, reunidos, em sua maioria, no primeiro livro de ficção de sua autoria.
Dois meses depois da realização da Semana de Arte Moderna (1922), um grupo de intelectuais e operários fundou o Partido Comunista do Brasil (PCB), cindindo o bloco anarco-sindicalista no qual se agrupavam as esquerdas brasileiras. As revoluções de 1923 e 1924, a histórica marcha dos dois mil revolucionários da Coluna Luiz Carlos Prestes, entre 1924 e 1926, e, finalmente, a tomada do poder por Getúlio Vargas, em 1930, foram costurando, aos poucos, a trajetória política e literária do intelectual, enquanto ele colaborava em revistas e jornais, com crônicas, artigos políticos e ensaios, assinados muitas vezes com pseudônimo.
Nesse período, mais precisamente entre 14 de outubro e 12 de novembro de 1926, escreveu um romance, O estadista, sua primeira incursão no gênero e que permaneceu inédito até 1995, uma década após a sua morte. Foi em 1927, ano da eleição de Getúlio Vargas à presidência do estado do Rio Grande do Sul, que se deu a estréia pública de Dyonélio em obra de ficção.
Política e literatura
O romance intitulado Os ratos veio em 1935. No Rio Grande do Sul, nessa época, as condições sociais da região da Campanha e as mudanças na economia agropecuária, com a expulsão do homem do campo para as cidades, afetaram a literatura, dando a nova tônica da ficção regionalista, que sepultou o «ufanismo gaúcho» e passou a contar os dramas do «gaúcho a pé». Foram, todavia, os influxos da cidade grande que afetaram o escritor oriundo da fronteira, um dos precursores da ficção urbana. Pelo livro recebeu, em 1935, o «Grande Prêmio do Romance Machado de Assis», dividido com João Alphonsus, Marques Rabelo e Erico Verissimo. Quando o romance foi publicado, seu autor encontrava-se preso e incomunicável.
Foi no período de intervenção de Cordeiro de Farias, no estado, que Dyonélio recebeu a anistia. Voltou a clinicar, tendo sido reintegrado ao cargo que ocupava no Hospital São Pedro. Aos poucos, retomou também as atividades literárias, e, em 1939, escreveu crítica literária para o Correio do Povo. Em 1941, sofrendo de cardiopatia, acamado e ainda sob a sombra da prisão, revivida pelo clima da Segunda Guerra e da ditadura do Estado Novo, o escritor escreveu O louco do Cati.
Em 1944, publicou, em Porto Alegre, o ensaio intitulado «Eletroencefalografia», mas, para sua obra ficcional, teve de procurar editora em São Paulo. No mesmo ano, saiu o romance Desolação, que não mereceu qualquer atenção por parte da crítica. Em 1945, redigiu o Manifesto do I Congresso Nacional de Escritores, no qual se exigia o fim da ditadura e a implantação da democracia. Ainda nesse ano, recebeu, pelo livro Desolação,o prêmio Felipe D’Oliveira, juntamente com Graciliano Ramos. Na mesma data, no mês de outubro, Vargas foi deposto e, em novembro, realizaram-se as eleições para a presidência da República e para o Parlamento.
Perseguiçã Política
Ele afirma ter sido o primeiro brasileiro enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Em suas Memórias são esclarecidos os motivos das inúmeras prisões de que foi vítima a partir de 1935 e que lhe acarretaram uma carga significativa de sofrimento físico e psíquico.
Um dos fatores mais conhecidos no que se refere à atuação política de Dyonélio Machado é a sua eleição para presidente suprapartidário da Aliança Nacional Libertadora (ANL), seção Rio Grande do Sul, em 1935, época em que se achava entusiasmado com os ideais socialistas. “Un épisode sous la terreur” – esse é o modo como se configuraram para o escritor e são registrados em suas Memórias os acontecimentos que o envolveram a partir de 1935, quando se instalou a ANL, no Rio Grande do Sul (no âmbito nacional a ANL é presidida por Luiz Carlos Prestes). Acusado de haver praticado “delito de opinião”, conforme noticiou a imprensa, em 18 de julho do mesmo ano foi recolhido ao 3º Batalhão da Brigada Militar, situado no bairro Praia de Belas, em Porto Alegre, tendo, depois, ficado detido na prisão das Bananeiras, localizada no bairro Glória, na mesma cidade. Embora a condenação previsse a pena de menos de um ano de reclusão, o encarceramento estendeu-se por um período de cerca de dois anos. Seis meses após essa prisão, foi enviado para o Rio de Janeiro no vapor Itaimbé; lá permaneceu no Pavilhão dos Primários da Casa de Detenção por mais um ano e meio, do início de agosto de 1936 a meados de junho de 1937, tendo convivido com Graciliano Ramos e com diversos intelectuais simpáticos à ANL e, em particular, ao PCB.
Em junho de 1937, obteve sua libertação, beneficiado que foi – como tantos outros – pela “Macedada”, nome do então ministro da Justiça Macedo Soares. De volta ao sul, foi a Quaraí (RS) buscar a família, que tivera dificuldades de aceitação por parte dos habitantes da cidade, em virtude das ligações desse intelectual comunista com o PCB. Nessa fase, a família sobrevivia às custas das aulas de piano ministradas por dona Adalgiza, esposa do escritor.
A Editora Globo, de Porto Alegre, publicou o livro de contos Um pobre homem, gênero que, mais tarde, ele viria a abandonar.
Um dos contos que integravam o volume, «Noite no acampamento», trouxe-lhe problemas com a polícia política em 1942, quando da Segunda Guerra. Essa estréia no território da ficção, sua passagem de republicano a comunista, a prisão e os problemas que marcaram a sua vida literária, são detalhados pelo autor em suas Memórias.
Em 1930, o intelectual morou com a família no Rio de Janeiro, onde fez especialização em Neurologia e Psiquiatria, visando à implantação desse ramo da medicina no Rio Grande do Sul. No Rio de Janeiro, o escritor acompanhava o desenrolar dos acontecimentos políticos: as eleições, em que Júlio Prestes derrotou Getúlio Vargas, seguidas do golpe revolucionário que tornou Vargas presidente da nação. De volta a Porto Alegre, continuou a clinicar no Hospital Psiquiátrico São Pedro e lecionou Neurologia e Psiquiatria, na Santa Casa de Misericórdia, publicando, no ano seguinte, a sua tese, intitulada Uma definição biológica do crime. Quando concluiu a especialização em Psiquiatria, no início da década de 1930, havia poucos psiquiatras no Brasil. Destaca-se que, nesse período, Dyonélio foi um dos pioneiros da introdução da Psicanálise no campo da psiquiatria no País, embora a houvesse exercido de uma maneira bastante eclética.
O intelectual, nas décadas de 1920 e 1930, voltara-se quase que exclusivamente à medicina. O pouco tempo de que dispunha nas horas em que não estava clinicando era reservado à família e, sobretudo, à criação literária. O jornalismo político – exercido como uma forma de sustento e, ao mesmo tempo, de manter um vínculo com os poderes instituídos – satisfazia aos seus velhos sonhos de literatura. A dedicação à medicina, entretanto, teria repercussões na sua criação literária.
Nesse pleito, Dyonélio foi eleito, como quarto suplente de deputado, à Assembléia Nacional Constituinte, pelo Partido Comunista do Brasil (PCB). Em 1946, editou o jornal Tribuna Gaúchae publicou o romance Passos perdidos, dedicado “à memória de Mário de Andrade”, pela Editora Moderna, de São Paulo. A obra, assim como várias outras de sua autoria, foi ignorada pela crítica.
Em janeiro de 1947, realizaram-se as eleições estaduais, para a escolha do governador e dos deputados constituintes. Walter Jobim (PSD) foi eleito governador do estado e Dyonélio Machado, deputado estadual constituinte, pelo PCB. Nesse mesmo ano, o PCB foi posto na ilegalidade pelo presidente da República, e os deputados comunistas Júlio Teixeira, Pinheiro Machado e Dyonélio Machado foram cassados, perdendo, assim, seus mandatos.Desse modo, o intelectual teve sua breve carreira parlamentar encerrada abruptamente. Essa expulsão do parlamento marcou muito sua vida, a ponto de merecer um capítulo em suas Memórias, no qual consta que a bancada gaúcha do PCB foi a última a ser cassada no Brasil (os deputados ficaram atuando sem legenda partidária por vários meses). As lembranças do deputado relativas ao fato permitem, de certo modo, a aproximação do significado dos pronunciamentos que fez na tribuna em 1947. Segundo esse deputado comunista a cassação do registro do PCB foi efetuada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a mando do governo federal e do governo dos EUA.
Em novembro, ocorreu o golpe do Estado Novo, com a implantação da ditadura de Vargas, que fechou as Assembléias, as Câmaras Legislativas e os partidos políticos, além de criar a censura oficial e designar interventores para os estados. Nessa ocasião, temendo ser preso novamente, Dyonélio fugiu para Lages (Santa Catarina, SC), Brasil.
Entre seus “crimes” constava o fato de ter presidido a ANL (Aliança Nacional Libertadora comandada, em âmbito nacional, por Prestes) no estado do Rio Grande do Sul, instituição que organizara a Insurreição Comunista de 1935. Além disso, apareciam como “provas” das ações ilícitas que teria cometido a sua intensa atividade junto à Liga Eleitoral Proletária e as suas ligações com o tenente Cícero Neiva, com os capitães Agildo Barata e Moésias Rolin, o major Carlos Costa Leite e o comandante Roberto Sisson, todos reconhecidos como líderes comunistas vinculados à ANL. A declaração que fizera de que o líder comunista Luiz Carlos Prestes teria legitimidade para constituir-se presidente honorário da ANL também chamou a atenção das autoridades locais. O documento enumerava, ainda, outros “crimes” supostamente praticados por Dyonélio Machado, dentre os quais merecia destaque o incitamento às greves de ferroviários, marítimos, chauffeurs, garçons e dos gráficos da Livraria do Globo. Por fim, os dois últimos crimes que constavam da lista diziam respeito à distribuição, que teria realizado, de exemplares do panfleto (boletim) “Pelo povo, por pão, terra e liberdade”, e, também, à entrevista concedida por ele ao jornal A Razão ( Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil) em que fizera a defesa dos ideais socialistas.
Obra
- (con Heitor Ferreira Lima), Caminhos Percorridos – memórias de militância, São Paulo, Brasiliense, 1982.
- Política contemporânea: três aspectos, Porto Alegre, Barcellos, Bertaso & Cia., 1923.
- O Estadista (manuscrito), 1926.
- Um pobre homem, Porto Alegre, Globo, 1927.
- Uma definição biológica do crime, Porto Alegre, Globo, 1933.
- Os ratos, São Paulo, Cia Editora Nacional, 1935.
- O louco do Cati, Porto Alegre, Globo, 1942.
- Eletroencefalografia, Porto Alegre, Globo, 1944.
- Desolação, Rio de Janeiro: José Olympio, 1944.
- Passos perdidos, São Paulo, Livraria Martins Editora, 1946.
- Deuses econômicos, Rio de Janeiro, Leitura, 1966.
- Prodígios, São Paulo, Moderna, 1980.
- Endiabrados, São Paulo, Ática, 1980.
- Nuanças, São Paulo, Moderna, 1981.
- Sol subterrâneo, São Paulo, Moderna, 1981.
- Fada, São Paulo, Moderna, 1982.
- Ele vem do Fundão, São Paulo, Ática, 1982.
- “Os fundamentos econômicos do regionalismo”, Revista Província de São Pedro, Porto Alegre, vol. 1, n° 2, 1945.
- Memórias de um pobre homem, Pesquisa, apresentação e notas de Maria Zenilda Grawunder, Porto Alegre, Instituto Estadual do livro, 1990.
- O cheiro de coisa viva; entrevistas, reflexões dispersas e um romance inédito: O Estadista [1926], Rio de Janeiro, Graphia Editorial, 1995.
Outras publicações de dyonélio machado (relação parcial):
- Neuroses traumáticas, Arquivos do Departamento Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, vol. 4, 1943.
- “Os fundamentos econômicos do regionalismo”. Revista Província de São Pedro, Porto Alegre, vol. 1, n° 2, 1945.
- “Imagens fugitivas”, Correio do Povo, Porto Alegre, 16 out., 1971, Cadernos de Sábado.
- “Como nos velhos tempos”, Correio do Povo, Porto Alegre, 21 set., 1974, Cadernos de Sábado.
- “A execução”, Escrita, São Paulo, n° 7, marchar 1976, p.6.
- “A literatura como consciência do povo”, Escritas, Ensaio, São Paulo, ano I, n° 1, 1977, p.23-28.“Livros em trabalho”, Correio do Povo, Porto Alegre, 3 junho 1978, Caderno de Sábado.
- “Ele era como um papagaio”, en Graciliano Ramos (Org.), Seleção de Contos Brasileiros Sul e Centro-Oeste, Rio de Janeiro, Tecnoprint, 1978, vol. 3.
- “Eduardo Guimarães: o poeta continua conosco”, Correio do Povo, Caderno de Sábado, ano VIII, n° 592, vol. XCII, 1 dez, 1979 (Discurso de posse na Academia Rio-Grandense de Letras).
Cómo citar esta entrada: Gaglietti, Mauro (2020), “Machado, Dyonélio”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org