DA SILVA, Marielle Francisco (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 22/071978 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 14/03/2018).
Socióloga, Mestre em Administração Pública, reconhecida por sua ação em favor das mulheres negras, por sua militância feminista, LGBTQIA+ e em favor da população das favelas do Rio de Janeiro. Ela era vereadora da Câmara do Rio de Janeiro quando foi vítima de um crime político no centro da mesma cidade.
Socióloga, magister en Administración Pública, reconocida por su actuación a favor de las mujeres negras, por su militancia feminista, LGBTQIA+ y a favor de la población de las favelas de Río de Janeiro. Era concejala de la Cámara de Río de Janeiro cuando fue víctima de un crimen político en el centro de la misma ciudad.
Marielle Franco nasceu no dia 22 de julho de 1978 no Complexo da Maré, bairro localizado na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. O complexo reúne um conjunto de favelas na periferia da capital fluminense. Seu nome de registro de nascimento é Marielle Francisco da Silva, porém ela ficou publicamente conhecida como Marielle Franco. Filha de Marinete da Silva e Antônio Francisco da Silva Neto e irmã de Anielle Franco. Sua mãe é de origem nordestina, paraibana, e com o marido morou em João Pessoa. Seu pai, conhecido como Toninho, herdou do avô paterno de Marielle um comércio de secos e molhados na Maré, para onde ele e a esposa mudaram-se e criaram as filhas. Desde cedo Marielle assumiu responsabilidades junto a sua família, tais como os afazeres domésticos e os cuidados com Anielle Franco, sua irmã caçula. Embora Marielle tenha nascido no Rio de Janeiro, ela sempre visitava a família no estado da Paraíba.
Aos 19 anos, ela deu à luz a sua única filha, Luyara Franco, casou-se jovem em função da gravidez, sofreu violência psicológica e física do marido, fruto de um relacionamento abusivo. Em uma das violências cometidas por ele, Marielle sofreu descolamento do maxilar e registrou a ocorrência na delegacia. Ainda jovem, ela conheceu a arquiteta Mônica Benício durante uma viagem. Elas namoraram durante, aproximadamente, 13 anos, até que Marielle e Luyara mudaram-se para o bairro carioca da Tijuca e passaram a viver com Mônica. Ela estabeleceu uma relação estável com Mônica, com quem manteve relacionamento desde 2004 até o ano de sua morte, ano em que elas planejavam se casar, em setembro de 2018.
Marielle trabalhou em várias frentes. Aos 11 anos, começou a ajudar seu pai e sua mãe no trabalho como camelô, vendedora ambulante, como é chamada a pessoa que trabalha nesta área no Brasil. Aos dezoito anos, deixou a função de camelô para trabalhar em uma creche como educadora infantil, função que exerceu durante dois anos. Ela também atuou como empregada doméstica e dançarina do grupo funk Furacão 2000.
Marielle ingressou, em 2002, no curso de graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Ela havia realizado o curso de pré-vestibular no Pré-Vestibular Comunitário da Maré, que é um projeto social destinado ao apoio a estudantes sem condições de financiarem seus estudos. Depois de graduada, ela ingressou no mestrado em Administração Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF). Sua dissertação versou sobre a atuação da polícia nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), em que ela analisou a política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro adotada em 2008 e a sua relação com o extermínio de pessoas moradoras das favelas cariocas, sobretudo a população negra. Ela teve uma forte atuação na militância pelos direitos humanos. Como socióloga, trabalhou em redes de apoio e de informação na Maré e foi crítica aos abusos de poder das forças policiais. Em 2007, entrou para a ONG BrazilFoundation integrando a equipe de monitoramento de organizações sociais nacionais.
Seu ingresso na política ocorreu graças ao trabalho como assessora do deputado Marcelo Freixo. Em 2016, ela foi eleita vereadora pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) com 46.502 votos. Foi a quinta vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro. Durante o seu mandato, presidiu a Comissão da Mulher da Câmara. Coordenou, junto com Freixo, a Comissão de Defesa de Direitos Humanos e Cidadania (CDDHC) da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Ao longo do período que atuou como vereadora, Marielle apresentou dezesseis projetos de lei, sobretudo direcionados às políticas públicas para mulheres, à população negra e da periferia e à comunidade LGBTQIA+.
Na noite de sua execução, Marielle foi mediadora de um debate promovido pelo PSOL na Casa das Pretas, na rua dos Inválidos, na Lapa, iniciado às 19h. O encontro reuniu jovens negras e foi sua última atuação pública. Naquela noite, ela citou a poeta feminista norte-americana Audre Lorde, agradeceu às organizadoras do evento pelo convite e se despediu: “Vamo que vamo. Vamos juntas ocupar tudo” (Instituto Marielle Franco). Ela e a assessora e amiga, Fernanda Chaves, entraram no Chevrolet Agile branco, que estava estacionado em frente à Casa das Pretas, por volta das 21h, onde o motorista Anderson Pedro Mathias Gomes aguardava por elas.
Após o assassinato, foi constatado que os assassinos estavam estacionados atrás do Agile em um Cobalt prata com vidros escuros. Segundo as câmeras de segurança, havia dois homens no veículo, o motorista e, no banco traseiro, o homem que executou a vereadora. Ao saírem da Casa das Pretas, ambas informaram as suas famílias, pelo WhatsApp, que estavam a caminho de casa. Mônica Benício preparava um jantar para esperar a sua companheira. Os homens no carro prata seguiram as vítimas.
Às 21h30, segundo informações do inquérito que investiga a morte da vereadora, o carro prata emparelhou o Agile na altura da rua Joaquim Palhares, no Estácio, região central da cidade, a janela traseira do Cobalt foi aberta e um homem encapuzado disparou as rajadas de 13 tiros que ceifaram duas vítimas: Marielle Franco, que foi atingida com 4 tiros, 3 na cabeça e 1 no pescoço, e o motorista Anderson Gomes, que foi alvejado nas costas. Fernanda foi a única sobrevivente do atentado, embora tenha sido atingida pelos estilhaços. Os dois criminosos fugiram do local sem levar quaisquer bens.
O corpo da vereadora foi velado na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, com a presença de milhares de pessoas. Ela foi enterrada no Cemitério São Francisco Xavier, na mesma cidade, no dia 15 de março de 2018. Desde então as investigações apontaram vários nomes, muitos deles ligados a grupos do submundo do crime e às milícias, cujos integrantes, em alguns casos, são ex-policiais.
O assassinato de Marielle é considerado um crime político. A equipe que investiga o caso foi substituída algumas vezes, alguns homens foram presos, mas depois foi constado que eles não eram os executores do assassinato. Desde a noite da morte de Marielle, jornalistas, amigos e colegas da vereadora constataram irregularidades nas investigações. O horário do crime foi um deles, que, segundo um morador de rua, que estava dormindo na calçada no dia do assassinato, informou, a execução ocorreu às 21h14, de acordo com informações do livro Mataram Marielle: como o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes escancarou o submundo do crime carioca (2020). Ao longo do período de investigação, foi constatado o profissionalismo do atirador que usou uma arma identificada como UZZ-18, calibre 9mm, com silenciador.
Houve algumas tentativas de federalizar a investigação, porém os pedidos foram negados. A Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, e o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, tentaram entrar com um pedido de deslocamento de competência sobre o processo para federalizar as investigações, mas o Ministério Público Estadual não recuou. Os pedidos foram rejeitados, o caso continuou circunscrito ao local do crime, no estado do Rio de Janeiro.
Algumas pessoas testemunharam a execução, mas não foram ouvidas naquela noite, contrariando o que é comum nos casos de perícia criminal. Uma delas, uma moça com os seus filhos, que foi quem chamou a polícia, posteriormente informou para os jornalistas: “que um policial militar lhe perguntou se ela não tinha mais o que fazer em casa para estar com três crianças tão tarde na rua” (Otavio; Araújo, 2020, p. 24). Desde então, jornalistas, pessoas ligadas aos movimentos sociais e partidos políticos de esquerdam questionam: quem mandou matar Marielle? Qual foi a motivação para a execução da vereadora? O que ela estaria investigando? Sabe-se que, dentre os criminosos que foram presos, havia alguns ligados ao Escritório do Crime, que é o nome de uma milícia de pistoleiros e matadores profissionais que atua na zona oeste do Rio de Janeiro. As milícias do Rio de Janeiro estão ligadas ao narcogoverno, à exploração imobiliária ilegal em atividades de grilagem, construção, venda e locação ilegal de imóveis, bem como outros crimes, porém, a atividade mais rentável é o assassinato sob encomenda.
O atual presidente da República do Brasil, Jair Bolsonaro, filiado ao Partido Liberal (PL), e os seus filhos Flávio Bolsonaro e Carlos Bolsonaro tiveram seus nomes ligados ao caso em alguns momentos da investigação. Apontou-se a ligação do gabinete de Flávio Bolsonaro com as milícias cariocas, ele andava armado enquanto atuava como deputado estadual fluminense e é favorável ao projeto de liberação de armas para uso entre civis. Além disso, ele foi o único deputado a votar contra o relatório da CPI do Tráfico de Armas, presidida pelo deputado Freixo, do PSOL, em 2011.
Em 2003, o ex-policial Adriano Magalhães da Nóbrega recebeu uma moção de louvor e a Medalha Tiradentes, em 2005. Ele foi apontado como chefe de milícia no Rio das Pedras e acusado de liderar o Escritório do Crime. Recebeu duas homenagens no legislativo estadual indicadas por Flávio Bolsonaro. O criminoso homenageado é um dos suspeitos no envolvimento do assassinato da vereadora Marielle. Ele foi executado em fevereiro de 2020 em um sítio na cidade de Esplanada, distante 170 km de Salvador. Ele foi morto em uma ação conjunta da Polícia Militar da Bahia e o setor de inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
A outra associação, realizada pelo jornalismo investigativo, foi com relação ao ex-policial Ronnie Lessa. Ele foi preso sob acusação de matar Marielle e Anderson. Ronnie atuou como membro da Scuderie de Detetive Le Cocq, um grupo de extermínio formado por policiais fluminenses. Ele morava e foi preso no mesmo condomínio em que Jair Bolsonaro e sua família moravam, no Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro. Após a prisão de Ronnie, Carlos Bolsonaro foi acusado de obstrução da justiça por acessar as gravações da portaria do condomínio. Os objetos de investigação criminosa podem ser acessados somente pela polícia e nunca por civis, de acordo com a legislação brasileira. Essas gravações interessam na elucidação do crime, tendo em vista que, no dia do assassinato de Marielle, Ronnie recebeu a visita de Élcio de Queiroz no Condomínio Vivendas da Barra. Élcio também foi indiciado pelo assassinato da vereadora.
A matéria “Dez fatos que ligam a família Bolsonaro a milicianos” (2019) e os livros Mataram Marielle: como o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes escancarou o submundo do crime carioca (2020) e A República das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro (2020) colaboram para a compreensão da falta de respostas ao assassinato e da sua ligação com o crime organizado no Rio de Janeiro.
Em 2021, três anos após o crime de Marielle, um novo assassinato joga luzes sobre o caso, trata-se da execução do escritor e grafiteiro Leuvis Manoel Oliveiro Ramos, conhecido como Lu Oliveiro. Ele escreveu os livros Memória viva e Enquanto o ódio governava a rua falava, dentre outros. O primeiro é sobre o assassinato de Marielle, enquanto o segundo faz a associação dos crimes de milícias do Rio de Janeiro com a eleição de Jair Bolsonaro. O escritor, nascido na República Dominicana, tinha cidadania americana e morava com a namorada e o filho no Rio de Janeiro. Ele estava caminhando na rua quando foi executado. O corpo foi levado para os Estados Unidos, onde reside a sua família, e no local ocorreram protesto e pedidos de investigação com relação ao seu assassinato.
Após a morte de Marielle, sua família criou o Instituto Marielle Franco com a “missão de inspirar, conectar e potencializar milhares de jovens, negras, LGBTQIA+ e periféricas a seguirem movendo as estruturas da sociedade”, conforme consta no site do Instituto. Ele foi criado com o objetivo de buscar resposta e justiça com relação ao caso, além de defender a memória da vereadora e colaborar na articulação e na formação política para mulheres, população negra e favelada. A irmã de Marielle, Anielle Franco, é a diretora.
Dentre as ações do Instituto Marielle Franco, destaca-se: a construção de um arquivo sobre as atividades de Marielle e os materiais produzidos sobre ela; a atividade Março por Marielle, que são manifestações espontâneas e coletivas, já são mais de 270 atividades cadastradas, dentre elas a parceria com a Anistia Internacional; a construção do espaço Casa Marielle, um espaço de formação política e atividades culturais, criado por meio de financiamento coletivo. O espaço está localizado no Largo de São Francisco da Prainha, região portuária do Rio de Janeiro.
No site do Instituto Marielle Franco lemos a frase: “Quem mandou matar Marielle mal podia imaginar que ela era semente, e que milhões de Marielles em todo mundo se levantariam no dia seguinte”. A tia de Marielle, Solange Cavalcanti, tia Sol, como Marielle a chamava, era uma fonte de inspiração para ela. Solange participou de uma homenagem à sobrinha na Universidade Federal da Paraíba, onde foi criada a Rua Marielle Franco. Desde sua morte, a vereadora recebe homenagens ao redor do mundo.
Uma de suas frases mais conhecidas foi proferida em um pronunciamento na Câmara Municipal do Rio de Janeiro no dia 8 de março de 2018, no qual ela disse: “As rosas da resistência nascem do asfalto. A gente recebe rosas, mas estaremos de punho cerrado, falando do nosso lugar de existência contra os mandos e desmandos que afetam nossas vidas”.
Prêmios e Homenagens
Em março de 2018, Marielle recebeu postumamente, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) a Medalha Tiradentes, por seu trabalho em ações de justiça social, promoção da cidadania, valorização da mulher e da comunidade negra, combate à pobreza e à violência nas favelas, promoção da saúde da mulher e da população LGBT e sua luta pelo fim dos crimes por motivações raciais e sexuais;
Em julho de 2018, a Alerj também aprovou a Lei 8054/2018 que consolidou 14 de março ao Calendário Oficial do Estado do Rio de Janeiro como o “Dia Marielle Franco – Dia de Luta contra o genocídio da Mulher Negra”;
Em novembro de 2018, a Anistia Internacional incluiu o nome de Franco em sua campanha para aqueles que escreveram pelos direitos humanos e perderam suas vidas;
Em dezembro de 2018, Marielle recebeu um tributo online, que listou Marielle Franco entre mais de 400 principais defensoras dos direitos das mulheres pela Associação para os Direitos da Mulher no Desenvolvimento;
Uma oficina de arte digital foi realizada em Nairóbi, Quênia, intitulada Retratos de Marielle: Criando Pontes entre o Quênia e o Brasil, com a participação de jovens artistas quenianas. As obras foram exibidas no Museu da Maré no Rio de Janeiro em 10 de novembro de 2018;
Em março de 2019, Marielle foi postumamente agraciada pelo Congresso Nacional do Brasil com o Diploma Bertha Lutz, concedido a mulheres que tenham oferecido relevante contribuição na defesa dos direitos da mulher e nas questões de gênero no Brasil;
Em março de 2019, o auditório II do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) recebeu o nome de Marielle Franco;
Marielle também foi homenageada pelas escolas de samba Vai-Vai e Estação Primeira de Mangueira durante os desfiles, em 2019, do Carnaval de São Paulo e do Carnaval do Rio de Janeiro, respectivamente;
Em setembro de 2019, a cidade de Paris, na França, inaugurou um jardim suspenso de 2,6 mil m² e mais de 70 árvores em homenagem à Marielle Franco no 10º distrito da cidade;A editora Contracorrente também passou a promover, em 2020, o Prêmio Marielle Franco de Ensaios Feministas, cujo objetivo é reverenciar a memória e a luta da vereadora por meio do incentivo ao pensamento feminista.
Cómo citar esta entrada: Lessa, Patricia (2022), “Franco, Marielle”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org