GUIDO GNOCCHI, Angelo (Cremona, Lombardia, Itália, 10/10/1893 – Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 09/12/1969).
Pintor modernista, gravador, historiador, jornalista, educador, crítico de arte, desenhista, escultor, livre pensador, escritor. O artista ítalo-brasileiro foi atuante no movimento modernista no Brasil.
Angelo Guido Gnocchi nasceu em Cremona, na Itália, em 1893. Aos dois anos de idade, em 1895, ele mudou-se com a família para a capital de São Paulo. Por volta de 1900 estudou com o seu tio paterno, Aurélio Gnocchi, e, por sua influência frequentou o Liceu de Artes e Ofícios. O Liceu fundado em 1873 foi, naquela época, uma importante instituição de ensino voltada para a educação profissional, para a produção industrial e cultural, localizada na cidade de São Paulo. Teve aulas com Cesare Alessandro Formenti (Ferrara, Itália 1874 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 1944), que era um pintor, aquarelista, vitralista e mosaicista reconhecido por seu talento artístico, foi neste contexto que ele criou as ferramentas para tornar-se um dos nomes da arte modernista brasileira.
Importante ressaltar que Angelo Guido preferia não definirse como modernista, pois, ele fazia uma crítica aos artistas que se diziam modernistas brasileiros e tinham influência da arte europeia. Segundo Úrsula Silva (2017) ele revelou em uma palestra o caráter paradoxal de sua concepção artística, sem se ligar a nenhuma corrente: nem “passadista” e nem “modernista”, ele dizia. Entretanto, de modo didático vincula-se a obra dele ao modernismo por sua enorme contribuição artística e literária que valoriza a brasilidade nos traços e nas narrativas, pelo questionamento dos valores estéticos tradicionais e pela crítica da separação entre arte erudita e arte popular.
A arte moderna no Brasil não foi uniforme, teve muitas vertentes e foi um movimento revolucionário à medida que afrontou o academicismo estético, sobretudo, fortemente influenciado pela cultura europeia. O país teve um longo período de escravização dos povos indígenas e dos povos negros, iniciou aproximadamente em 1530 e foi legalmente abolido em 1888. Com o início do período republicano e a mudança na legislação referente ao escravagismo, dentre outros fatores, o início do século XX foi marcado pela crítica às influências externas e pela busca da revelação de um povo marginalizado: o povo negro, o povo indígena, as mulheres, a classe trabalhadora, a população das favelas, das periferias, o povo campesino dentre outras.
Foi na crítica de arte, na pintura e na literatura que Angelo Guido contribuiu para o movimento modernista, mesmo que tenha negado o rótulo ou mesmo trabalhado de modo mais autônomo. O foco de sua crítica foi, sobretudo, destinado aos modernistas paulistanos que assumiam um discurso nacionalista, mas, suas obras refletiam as influências europeias. Ele não se autodenominava modernista tendo em vista que não queria vincular sua obra a uma corrente artística, mas buscar as conexões da obra com a vida. Sua base conceitual era ampla: filosofia, história, crítica de arte, religiosidade, para ele não bastava o conhecimento e a técnica, para fazer arte era preciso ter “emotividade e intuição” (Úrsula Silva, 2017).
Em 1912 ele decorou o Salão Nobre do Instituto Histórico e Geográfico, em Salvador. Em 1914 mudou-se para Santos, em São Paulo. Entre 1914 e 1925, ele colaborou como crítico de arte no jornal A Tribuna, de Santos e, em 1922, expôs com Benedito Calixto (1853 – 1927). Ainda em São Paulo conheceu pessoalmente Maria Lacerda de Moura (1887 – 1945), este encontro rendeu o trabalho na revista Renascença, na qual ele colaborou nos cinco números e ficou encarregado da seção intitulada “Livros Novos”, foi o programador visual da revista e autor da capa da primeira edição, bem como, da capa do livro da autora anarquista intitulado Religião do Amor e da Belleza, publicado em 1926.
O encontro com a anarquista mineira foi muito intenso e possibilitou a difusão cultural, artística e social dos acontecimentos do período. Lançada em 1923 a revista era destinada as questões femininas, visando a emancipação, o acesso à educação e a elevação cultural e social das mulheres. Sobre o encontro com Angelo ela escreveu em sua autobiografia: “Em 1920 tive o prazer de conhecer, meu nobre amigo Angelo Guido e suas mãos e seu coração transbordavam de espiritualismo mais alto e amei profundamente a Schuré, Mabel Collins e Jinarajadasa.
Senti trégua interior” (Maria Lacerda de Moura, 1929, p. 3). O trabalho de ambos na produção da revista foi um exercício político realizado através do encontro de dois educadores empenhados em uma formação cultural e crítica. Vale ressaltar que nos anos de 1920 o índice de analfabetismo no Brasil era altíssimo, chegando a 65% da população aproximadamente. Para ambos a popularização do conhecimento e o reconhecimento dos problemas sociais eram importantes armas políticas para uma mudança mais ampla.
Em 1925 ele mudou-se para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, passando a fazer crítica de arte no jornal Diário de Notícias. Participou da Exposição Internacional Agrícola e Industrial de Comemoração do Centenário da Farroupilha, que foi uma feira mundial realizada entre os dias 20 de setembro de 1935 até 15 de janeiro de 1936 com objetivo de dar visibilidade aos avanços tecnológicos, econômicos e culturais do Rio Grande do Sul, bem como, comemorar a história do povo gaúcho. A exposição realizada no Parque da Redenção, na cidade de Porto Alegre, contou com cerca de 17 pavilhões internacionais e 7 nacionais e teve um público aproximado de um milhão de visitantes. Dentre os organizadores da feira estavam Flores da Cunha, Dário Brossard, Alberto Bins e Mário de Oliveira.
Sua contribuição como educador e crítico de arte foi mais volumosa ao perceber as diferenças na expressão da arte paulistana e gaúcha. Seu texto Um século de pintura no Rio Grande do Sul, publicado na Enciclopédia Rio-Grandense, em 1968, foi uma obra de maturidade, na qual ele demonstrou que, para além do eixo Rio de Janeiro – São Paulo, existiam iniciativas artísticas, culturais e políticas que mostravam um outro Brasil, um país com uma diversidade social.
Ainda em Porto Alegre, o artista tornou-se membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e assumiu a cadeira de História no Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul e na Faculdade de Arquitetura, em Porto Alegre, em 1936. Nesta mesma instituição ele foi nomeado diretor entre 1959 e 1962, e, em reconhecimento ao seu trabalho recebeu o título de professor emérito.
Seu livro: O reino das mulheres sem lei: ensaio de mitologia amazônica (1937), dedicado para a sua filha Amália, foi um estudo feito na Amazônia sobre as mulheres indígenas guerreiras, sobre as suas lendas e as suas tradições. Ele escreveu sobre as guerreiras: “Segundo a tradição indígena que fala de uma horda de mulheres que fugira de Tunaí, as Amazonas teriam vindo das fronteiras da Colômbia” (p. 26). Tomamos esta obra como exemplo de sua imersão na cultura brasileira e na difusão dos conhecimentos através das narrativas escritas e publicadas em artigos, jornais e livros, nas palestras e nas artes visuais. Neste livro, especificamente, a questão das mulheres indígenas foi estudada através de crônicas de alguns colonizadores, mas, também de relatos coletados na Amazônia, onde ele esteve para realizar a pesquisa de campo. Sobre o assunto ele advertiu: “Aparece clara, agora, a explicação do mito das amazonas brasileiras. Eram as mulheres que vinham de uma antiga organização de tipo matriarcal, que não se adaptaram ao novo regime que lhes quiseram impor” (p. 157).
Seus textos e as suas pinturas mostram os espaços urbanos e rurais de um Brasil repleto de contradições e desigualdades sociais. O povo brasileiro transborda em sua arte: nos barcos de pesca, na lida camponesa, nas periferias ou nas florestas é possível visualizar uma complexidade social até então não percebida pela arte tradicional. Para ele no Rio Grande do Sul houve uma ruptura com a arte “acadêmica”, repleta de regras e cânones, para uma expressão artística mais livre e sensível. Ele afirmou a necessidade da expressão espiritual da arte: “constrangido com a condição humana, que fala em paz, mas vive em guerra por pedaços de terra” (Úrsula do Silva, 2017).
Ele faleceu na cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, no ano de 1969. Sua carreira como escritor e artista teve grande impacto no cenário nacional.
Obra
Bibliográfica:
- O sentido mystico da cavallaria, dados editoriais não encontrados, 1920.
Ilusão, ensaio sobre a estética da vida, Santos, Instituto Escolástica Rosa, 1922. - Mensagem da alma, Curitiba, Instituto Neo-Pitagórico, 1926.
A natureza e a vida na poesia paranaense, dados editoriais não encontrados, 1926.
Forma de expressão na história da arte, Porto Alegre, Editora do Autor, 1935. - O reino das mulheres sem lei: ensaio de mitologia amazônica, 1937.
- O Reino das mulheres sem lei: ensaios de mitologia amazônica, Porto Alegre, Globo, 1937.
As artes plásticas no Rio Grande do Sul, dados editoriais não encontrados, 1940. - Pedro Weingartner, Porto Alegre, Divisão de Cultura, 1956.
A pintura do século XIX, Porto Alegre, Editora da UFRGS, 1958. - Natureza, espírito e arte, dados editoriais não encontrados, 1962.
Os grandes ciclos da história da arte, 1968. - “Um século de pintura no Rio Grande do Sul”, em Enciclopédia Rio-Grandense, 1968.
- Símbolos e mitos na pintura de Leonardo da Vinci, 1968.
- Os grandes ciclos da história da arte, Porto Alegre, Editora da Unisinos, 1968.
- Um século de pintura no Rio Grande do Sul. Em: Enciclopédia Rio-Grandense, Porto Alegre, Editora Sulina, 1968.
- Símbolos e mitos na pintura de Leonardo da Vinci, Porto Alegre, Editora Sulina, 1968.
- (Organizador: Francisco Casado Gomes e outros), Aspectos do barroco em Portugal, Espanha e Brasil, Porto Alegre, Editora Sulina, 1972.
Alguns exposições individuais:
- Exposição de Arte em Recife, Pernambuco, 1925.
- Exposição de Arte em Fortaleza, Ceará, 1925.
Alguns exposições coletivas:
- Exposição de Arte em Santos com Benedito Calixto, São Paulo, 1922
- Exposição de Arte no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, durante a 30ª Exposição Geral de Belas Artes (Escola Nacional de Belas Artes), 1923
- I Exposição Nacional de Motivos Amazônicos, São Paulo, São Paulo, 1927
- Salão Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1930
- Salão Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1940
- Salão Nacional de Belas Artes, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1940
- VI Salão Paranaense de Belas Artes, no Instituto de Educação do Paraná professor Erasmo Pilotto, 1949
- Salão Nacional de Belas Artes, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1953
- Exposição de Arte Brasileira Contemporânea no Museu de Artes do Rio Grande do Sul, Salão Nacional de Belas Artes, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1955.
Alguns exposições póstumas:
- Exposição de Pintores Italianos no Brasil, Museu de Arte Moderna, São Paulo, São Paulo, 1982.
- Do passado ao presente: as artes plásticas no Rio Grande do Sul, Centro de Artes, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1983.
- Angelo Guido: Exposição Retrospectiva, na Galeria de Arte Masson, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1985.
- Vida e obra de Angelo Guido, Museu de Artes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1991.
- O olhar italiano sobre São Paulo, Pinacoteca, São Paulo, São Paulo, 1993.
- Caminho das Águas, Fundação Cultural no Município de Belém, Belém, Pará, 1995.
- Exposição Paralela, na Galeria da Vera, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1997.
- Acervo: Instituto de Artes 90 anos, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1998.
- Arte Pará 2000, no Museu de Arte Sacra, Belém, Pará, 2000.
- Mostra Itinerante do Acervo do Museu de Artes do Rio Grande do Sul, Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, 2000.
- Mostra Itinerante do Acervo do Museu de Artes do Rio Grande do Sul, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, 2000.
- Mostra Itinerante do Acervo do Museu de Artes do Rio Grande do Sul, Pelotas, Rio Grande do Sul, 2000.
- Mostra Itinerante do Acervo do Museu de Artes do Rio Grande do Sul, Santa Maria, Rio Grande do Sul, 2000.
- Artistas professores, no Museu de Artes do Rio Grande do Sul, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2002.
- Desenhos, Gravuras, Esculturas e Aquarelas, na Garagem de Arte, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2002.
Prêmios e Homenagens:
- Recebeu prêmio no Salão Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro em 1940 – medalha de bronze.
- Recebeu prêmios no Salão de Belas Artes no Rio Grande do Sul em 1940 (prêmio Weingartner) e em 1953.
- Foi condecorado pelo governo italiano com a Stella Della Solidarietá Italiana, pelos serviços prestados à cultura brasileira, 1952.
- Recebeu a Medalha de Ouro Imperatriz Leopoldina, pelos serviços prestados à cultura brasileira, 1952.
Cómo citar esta entrada: Lessa, Patricia (2021), “Angelo, Guido”, en Diccionario biográfico de las izquierdas latinoamericanas. Disponible en https://diccionario.cedinci.org